Podcast economistas: queda generalizada de preços é algo bom ou ruim?

Processo conhecido como deflação tem consequências que vão muito além dos preços. Quem explica é a economista Maria de Lourdes Rollemberg Mollo

Está no ar mais uma edição do podcast Economistas e o tema desta semana é a deflação. Ao contrário da inflação, este é um processo no qual os preços caem de forma generalizada. Mas qual é a diferença entre uma simples queda de preços e um processo deflacionário? E um cenário econômico com preços em queda é bom ou ruim?

Para que seja caracterizado um processo deflacionário, é preciso que haja uma queda disseminada e generalizada no nível de preços. Caso contrário, será apenas uma queda pontual. A economista Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, professora da Universidade de Brasília e doutora em Moeda, Finanças e Bancos pela Universidade de Paris, explica que o processo deflacionário é o principal sintoma de crise numa economia.

“O capitalismo é um sistema de produção de mercadorias. Num sistema assim, quando os preços caem, é porque você não está conseguindo vender bem as mercadorias. E quando não se consegue vender de forma interessante para continuar a produzir, a opção é reduzir a produção ou pará-la, porque ela deixa de ser rentável, e os preços caem para zerar os estoques”, explica a economista. “Mas, quando os preços caem, a reposição não acontece com a mesma quantidade. Os custos não caem ao mesmo tempo. É diferente de quando uma mercadoria perde demanda e os preços caem, mas você consegue zerar os estoques. Se for algo localizado, os preços se acomodam e a economia se equilibra novamente. Mas quando é algo generalizado, a economia como um todo é afetada, porque o empresário não recebe, demite empregados, os salários caem, há menos demanda e a crise se espalha”.

Em algumas situações, os preços de um determinado produto ou serviço podem ter uma alta temporária. Na pandemia, por exemplo, vários alimentos tiveram uma elevação nos preços e mais tarde, embora alguns deles tenham passado por um processo de acomodação, não retornaram aos preços originais. Então, embora tenha havido uma queda nos preços de alguns produtos, este movimento não caracteriza uma deflação.

“Não foi uma queda generalizada. Mesmo que tenha provocado algum desemprego ou queda de insumos ou de matérias-primas, não foi algo geral”, observa Mollo. “Na deflação, são afetadas as mercadorias básicas, que fazem parte da produção de todas as outras. Geralmente são mercadorias compradas com salários, e os salários entram em todas as produções. Então, em vez de ocorrer um ajuste, há um desajuste que contamina a economia como um todo”.

Para uma pessoa leiga, uma queda generalizada nos preços pode parecer algo bom. Afinal de contas, quem não gostaria de ir ao mercado e pagar menos do que paga usualmente pelas compras do mês? Mas este fenômeno tem uma série de implicações econômicas. Uma delas é que, na economia, os próprios salários são um preço; e quando as pessoas são demitidas, uma queda de preços não tem efeito nenhum, uma vez que elas não têm renda para gastar.

“Quando este movimento está se generalizando, causa uma desconfiança enorme nas pessoas. Elas veem que o desemprego está crescendo, as firmas estão fechando, e todos fazem algo que aparentemente as pessoas não contemplam: seguram o dinheiro em vez de gastar”, comenta a professora. “Uns seguram porque não sabem se vão perder o emprego e estão com medo; o banco segura porque não sabe se vai conseguir receber o crédito que emprestou e não empresta mais; os produtores seguram porque não vão investir em maior produção, já que não estão vendendo nem aquela. Há uma parada na economia. Marx chamava isso de preferência absoluta pelo dinheiro e Keynes chamava de armadilha de liquidez. Todos seguram o dinheiro nesse período de crise e, por as pessoas não soltarem, as compras e a demanda caem ainda mais, o que piora a crise.

Há pouco mais de 15 anos o mundo viveu a chamada crise do subprime, que teve origem no setor imobiliário dos estados unidos e se espalhou pelo mundo. A fim de conter esta crise, vários países chegaram a utilizar taxas de juros reais negativas como forma de estimular a economia. Quando a taxa de juros se encontra muito baixa, há um estímulo para que as empresas realizem investimentos e possam, desta maneira, gerar demanda em outros setores, promovendo uma recuperação da economia. Entretanto, a economista explica que se o momento econômico for de muito pessimismo, a rentabilidade dos investimentos decresce junto com a taxa de juros.

“Numa situação como essa, a ideia é que o governo entre injetando liquidez para melhorar a situação da economia, mas mais do que isso, que o governo invista, porque ele não tem objetivo de lucro”, afirma Mollo. “E se ele não tem objetivo de lucro, mesmo que a situação seja pessimista, ele pode fazer isso para tirar a economia da crise. Se ele investe, vai empregar, comprar matéria-prima, a demanda de outros insumos vai aumentar, as pessoas que venderam vão aumentar sua demanda e as contratações, gerando um elemento importante para a saída das crises”.

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