Podcast Economistas: O confisco de poupança no governo Collor

No primeiro podcast da série Memórias e Futuro da Economia Brasileiro, o economista Fernando Soares fala sobre a medida implementada em março de 1990, seu contexto e consequências

Está no ar mais uma edição do podcast Economistas, e o tema desta semana é o confisco de poupança realizado no governo Collor. Neste mês a medida econômica completou 34 anos e este é o primeiro podcast da série Memórias e Futuro da Economia Brasileira, projeto criado pelo Cofecon para o ano de 2024 a fim de estimular o conhecimento da nossa história econômica. O podcast Economistas pode ser escutado na sua plataforma favorita ou clicando AQUI.

Para compreender o confisco, é preciso recordar o contexto da época. Na economia brasileira, a década de 1980 é conhecida como “década perdida”. Ainda no governo Figueiredo, o Brasil enfrentou a crise da dívida externa e viveu um período de recessão – e a superação desta crise acabou fazendo com que uma inflação já alta (na casa dos 100% ao ano) ficasse ainda maior (superando 200% em 1984 e 1985). Este fato levou a que, no governo Sarney, fossem realizados vários planos econômicos malsucedidos, com praticamente mil por cento de inflação em 1998 e dois mil por cento em 1989.

Para Soares, a raiz da hiperinflação está no período de crescimento que vem do final dos anos 60, com forte endividamento externo. “Em 1979 tivemos problemas com o segundo choque do petróleo, a política de dólar forte nos Estados Unidos, e o crédito internacional que o Brasil usava para financiar seu crescimento começa a se esgotar”, aponta o economista. “Para equilibrar o balanço de pagamentos e conseguir vencer a crise da dívida externa, o País teve que entrar numa recessão. Em 1984 a crise da dívida externa estava superada, mas estávamos com um novo fantasma, que era a inflação”.

Uma das marcas do governo Sarney foram os sucessivos planos econômicos que terminaram malsucedidos na tentativa de combater a inflação. “O Cruzado se baseou firmemente num combate à indexação da economia, mediante congelamento de preços. Segurar este congelamento até meados de novembro de 1986 foi demasiado tempo, o que se voltou contra o próprio plano”, analisa Soares. “Outro ponto é que a indexação era uma das fontes da inflação brasileira, mas não era a única. Havia uma fonte relacionada aos desequilíbrios fiscais e monetários. Então o plano cuidava apenas de um dos aspectos da inflação. Os planos Bresser e Verão são uma repetição disso. Em 1986 o congelamento era inédito, então tinha alguma credibilidade. Em 1987 e 1989 a população já sabia o que havia acontecido no ano anterior, não houve adesão e o plano não funcionou”.

Quando Fernando Collor tomou posse como presidente em 15 de março de 1990, imediatamente baixou 21 Medidas Provisórias e dezenas de portarias – entre elas a Medida Provisória 168, convertida na Lei 8.024, bloqueando o dinheiro dos fundos de renda fixa, das contas correntes, dos investimentos overnight e das cadernetas de poupança. A população poderia sacar um total de até 50 mil cruzados novos – o que, em valores de março de 2024, corresponde a R$ 13.113. O restante do dinheiro ficaria recolhido no Banco Central durante 18 meses, sendo devolvido a partir do décimo-nono mês em 12 parcelas mensais, recebendo juros de 6% ao ano e correção monetária.

“Na visão da equipe econômica do governo Collor, tínhamos um problema de indexação associado à dívida pública – o tão conhecido overnight, rolando um título de dinheiro para o outro. Havia títulos com rendimentos diários e a população tinha extrema liquidez. Essa indexação dos títulos públicos impedia uma política monetária efetivamente contracionista para combater a inflação”, explica o economista. “Houve um erro de execução. O confisco congelou o estoque de títulos, mas o novo fluxo de títulos que entrava no mercado a cada momento não foi retirado de circulação. Continuava no mercado e continuava indexado”.

Na ocasião, cerca de 80% do dinheiro em circulação no País ficou bloqueado – um valor que correspondia a aproximadamente 100 bilhões de dólares ou 30% do PIB brasileiro. O presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, afirmou que apenas 10% dos aplicadores da poupança foram atingidos, pois os 90% restantes teriam menos de 50 mil cruzados novos.

“O efeito colateral foi monumental, desestruturou completamente a economia. Pessoas que tinham dívidas e contavam com estes recursos para pagar suas despesas, talvez para pagar uma prestação imobiliária, não contavam mais com estes recursos. Empresas que tinham que pagar fornecedores ou receber prestações de veículos, bens de consumos duráveis e outros, se viram em dificuldades”, conta Fernando. “Foi uma completa desestruturação dos canais produtivos da economia, principalmente em termos de cadeias de fornecimento. Jogou o Brasil numa imensa recessão”.

A inflação mensal diminuiu para algo abaixo de 14% nos meses seguintes, o que não impediu que o IPCA fechasse o ano em 1.620%. No ano seguinte, a inflação superou a casa dos 400% e em 1992, ano em que o presidente Fernando Collor sofreu o processo de impeachment, ela já estava novamente acima dos 2.000%.

Em alguns momentos, o debate sobre o confisco de poupança volta a aparecer. Mas o economista não vê essa possibilidade como algo real. “Qualquer partido, associação ou corporação de classe pode entrar com um questionamento no Supremo Tribunal Federal e derrubar uma medida como esta”, afirma Soares. “Precisamos atrair investimentos e gerar empregos e renda. Para isso, é preciso uma economia estabilizada. Também precisamos de outra coisa para investir: que os contratos sejam respeitados. Para que isso aconteça, o governo não pode tomar medidas de força como essa. O confisco foi uma quebra de contrato monumental. Ninguém investe numa situação assim”.

Outro fator faz com que um confisco de poupança não seja fácil de implementar nos dias atuais. A medida, no governo Collor, foi tomada por meio de Medida Provisória. Anos mais tarde, a Emenda Constitucional 32, de 2001, limitou o conteúdo a ser abordado pelo Poder Executivo por meio das MPs. Com a nova redação, o Artigo 62 da Constituição Federal, em seu parágrafo primeiro, inciso II, diz que é vedada a edição de medidas provisórias que visem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro.

Memórias e Futuro da Economia Brasileira

O Cofecon realiza em 2024 o projeto Memórias e Futuro da Economia Brasileira, uma iniciativa impulsionada pelo compromisso de disseminar conhecimento e promover a compreensão do passado econômico do Brasil, com um olhar para o futuro. Como parte da iniciativa, o último podcast de cada mês será dedicado ao projeto.