Podcast Economistas: Juliane Furno analisa a economia brasileira

Economista abordou temas como travas para o crescimento econômico brasileiro, responsabilidade fiscal e gastos, a importância da indústria e o enfrentamento à desigualdade

Quais são as principais travas para o crescimento econômico brasileiro? É possível ter responsabilidade fiscal aumentando o gasto público? Qual é a importância da indústria para a economia brasileira? E como enfrentar a desigualdade, que é uma das características mais marcantes da nossa economia? Estes assuntos foram discutidos no podcast Economistas desta semana e quem conversa conosco é a economista Juliane Furno, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e assessora da presidência do BNDES. Clique AQUI para ouvir.

No início de março o IBGE divulgou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de 2023, com um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior. O resultado superou em muito as expectativas existentes no início do ano passado, quando grande parte das projeções indicava um número inclusive abaixo de 1%. As projeções para 2024 têm melhorado nas últimas semanas, mas apontam um número inferior em 2024.

Com dois anos seguidos de crescimento em torno de 3%, o Brasil supera um período de estagnação econômica, no qual cresceu pouco ou nada quando se toma o conjunto do período de 2014 a 2021. Mas quais são as travas que impedem que a economia brasileira cresça mais? “Em primeiro lugar e mais importante, a trava fiscal. O arcabouço fiscal limita os gastos públicos a uma opção discricionária do Estado. O Estado não pode mais manejar a política fiscal de acordo com objetivos de curto ou longo prazo ou levando em consideração a análise mais minuciosa do cenário real”, aponta a economista Juliane Furno. Ela argumenta que o teto de gastos trazia uma herança ideológica: a de que os gastos públicos precisam ser controlados por lei. “Isso é um rebaixamento do que era anteriormente a organização da política fiscal do Estado”, comenta.

“Em primeiro lugar e mais importante, a trava fiscal. O arcabouço fiscal limita os gastos públicos a uma opção discricionária do Estado. O Estado não pode mais manejar a política fiscal de acordo com objetivos de curto ou longo prazo ou levando em consideração a análise mais minuciosa do cenário real”

Juliane Furno, assessora da presidência do BNDES

Outra trava é a monetária. “Deve existir sinergia entre a política fiscal e a monetária para pensar o crescimento e o desenvolvimento de forma integral, que não é só a estabilidade de preços, mas o crescimento, a geração de emprego. E o governo não tem mais isso, com a taxa de juros relegada a um Banco Central autônomo”, afirma Juliane. “Outra trava é o desenvolvimento. Uma economia que gera emprego essencialmente no setor de serviços, que é basicamente composto de trabalhadores que prestam serviços com baixo valor adicionado, pouco ligado à estrutura industrial, é uma economia incapaz de internalizar progresso técnico e acumulação de capital”.

Outro tema macroeconômico relevante diz respeito às finanças públicas – que tiveram um déficit de 230 bilhões de reais em 2023. A meta para 2024 é zero, mas existe certo ceticismo a respeito desta possibilidade. “Estamos partindo da prioridade errada. Estamos dizendo que o déficit vai ser zero, mas estamos perguntando quanto essas áreas precisam de recomposição do orçamento? Precisamos encontrar um equilíbrio entre a necessidade de recomposição orçamentária e as finanças públicas”, comenta Furno. “Parece que são os direitos que têm que caber num orçamento espremido, e não os direitos que foram consolidados e acordados como essenciais que precisam, para se fazer cumprir, de um tipo de orçamento que seja viável para que eles se consolidem”.

“Estamos partindo da prioridade errada. Estamos dizendo que o déficit vai ser zero, mas estamos perguntando quanto essas áreas precisam de recomposição do orçamento? Precisamos encontrar um equilíbrio entre a necessidade de recomposição orçamentária e as finanças públicas”.

Mas é possível ter responsabilidade social e aumentar os gastos ao mesmo tempo? “A pergunta é maravilhosa e provocativa em vários sentidos, e a resposta é sim. É possível aumentar despesas fazendo superavit, desde que o tipo de despesas mobilize principalmente aqueles setores que mais consomem, e que consomem produtos que infelizmente são mais tributados, mobilizando o comércio e o mercado interno e gerando maior capacidade de arrecadação fiscal para o próprio Estado”, responde Juliane.

A indústria teve um crescimento de 1,6% em 2023, mas a produção industrial cresceu apenas 1,2% e ainda está longe do pico da série histórica, obtido em 2011, segundo dados da FIESP. Desde a década de 1990 o setor vem perdendo espaço na economia brasileira e o governo lançou, neste ano, o programa Nova Indústria Brasil, com uma previsão de 300 bilhões de reais em investimentos até 2026.

“A indústria é um elemento extremamente importante para o desenvolvimento de qualquer economia”, afirma a economista. “Um emprego no setor industrial tende a gerar vários empregos indiretos nos setores de comércio, serviços e primário. Além disso, a indústria gera os empregos mais qualificados, além de trazer soberania e menor vulnerabilidade à dinâmica internacional”.

Sobre o programa Nova Indústria Brasil, ele está estruturado em seis missões e cada uma delas tem uma finalidade. “A ideia é melhorar o SUS, o sistema de saneamento, corrigir o desequilíbrio ambiental, construir uma nova matriz energética, uma indústria que seja menos intensiva em recursos naturais e fortalecer as cadeias agroalimentares para garantir a erradicação da fome. Neste sentido, é uma política muito bem desenhada”, avalia.

Um dos problemas mais marcantes da economia são as desigualdades sociais. Quais seriam as políticas mais adequadas para o seu enfrentamento? Para Juliane Furno, uma combinação entre políticas universais e focalizadas. “Políticas universais são aquelas que beneficiam a todos: a valorização do salário mínimo, formalização do mercado de trabalho, aumento de vagas no ensino superior, fortalecimento da seguridade social. Ao mesmo tempo, temos que ter políticas focalizadas, embora as universais ajudem os grupos minorizados”, observa. “A valorização do salário mínimo tem um potencial grande para diminuir a desigualdade de gênero, racial e de renda. Como as mulheres e os negros estão na base da pirâmide social, são os que têm o emprego mais precário e recebem salário mínimo, quando ele aumenta, a renda destas pessoas também aumenta. Mas também precisamos de políticas focalizadas, como o Bolsa-Família e as ações afirmativas. Um mix destes dois elementos tem potencial de olhar para a desigualdade de forma mais geral”.

O podcast Economistas pode ser escutado na sua plataforma favorita ou no player abaixo: