Podcast Economista: Letramento econômico para o empoderamento feminino

Quais são as particularidades da educação financeira para mulheres – especialmente quando se trata de pessoas pobres e periféricas? 

Qual é a importância da educação financeira para as pessoas? Existe diferença na educação financeira para homens e mulheres, especialmente quando se trata de pessoas pobres e periféricas? Este é o tema do podcast Economistas desta semana e quem conversa conosco é a economista Gabriela Mendes Chaves, fundadora da No Front (uma plataforma criada para promover o empoderamento econômico da comunidade negra e periférica). 

No caso específico das mulheres, Gabriela comenta que “a atribuição compulsória do trabalho do cuidado nos coloca em uma situação de fragilidade econômica. No mercado de trabalho temos que lidar com discrepâncias salariais relevantes, que chegam a 30% ou 40%, e lidamos com uma dupla jornada, que é sustentar um trabalho totalmente invisibilizado”. Neste sentido, ela defende não só uma educação financeira, mas também o que ela chama de letramento econômico. “A economia nos traz ferramentas para entender o contexto e formular estratégias de mudança e resistência. As mulheres são agentes econômicos fundamentais. Mesmo a dona de casa, que não tem uma remuneração e realiza o trabalho invisível do lar, é um agente econômico fundamental”. 

Quando Gabriela começou o trabalho com a No Front, ela observou que muitas pessoas pobres e periféricas já praticam no dia a dia conceitos de educação financeira. “Ela [educação financeira] se refere a como fazemos a gestão dos recursos, do dinheiro. Ela é um campo que pensa como consumimos, que padrões de comportamento definem isso e como podemos ter um equilíbrio financeiro”, comenta.  

“O conceito de letramento econômico é mais amplo porque ensina às pessoas o que é taxa de juros e como ela interfere no preço dos alimentos, o que é política fiscal e como isso interfere. Todos temos que entender conceitos de macroeconomia e microeconomia”. 

Gabriela Mendes Chaves, fundadora da No Front

Hoje existe uma grande quantidade de conteúdos disponíveis acerca de educação financeira. Mas a economista observa que nem todos representam um processo educacional. “Ano passado batemos o recorde de famílias endividadas no Brasil, mas pouco se fala sobre os motivos que levaram a isso. Para uma mulher, chefe de família, que ganha até três salários mínimos, é um desafio muito grande fazer a conta fechar”, explica.

“Só quem desconhece esta realidade fala que as mulheres são desorganizadas com dinheiro. Essas mulheres que vivem com um salário mínimo, pagam aluguel, cuidam dos filhos e da alimentação, são, talvez, as maiores administradoras que este País tenha, porque conseguem administrar um recurso escasso numa realidade em que está tudo muito caro”. 

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria divulgada nesta semana mostra que, nos últimos dez anos, houve um aumento na paridade salarial de gênero (de 72,0 para 78,7 pontos, num índice em que há mais paridade quanto mais próximo estiver de 100). “Isso já faz com que as mulheres tenham que administrar uma renda sistematicamente menor que a dos homens. Soma-se a isso a questão desta demanda social de que as mulheres precisam cuidar de tudo e de todos. A renda de uma mulher, muitas vezes, não é só para ela. Tem que dar conta dos filhos, dos sobrinhos, dos pais, da família nuclear. É difícil ter uma mulher negra que tenha um salário só para si”, aponta a educadora financeira. “Não consigo falar para uma mulher que ganha um salário mínimo, paga aluguel e tem três filhos que ela tem que cortar gastos. O caso dela é para aprender a aumentar a sua renda. Mas como aumentá-la num contexto de discriminação salarial?”, questiona. 

Gabriela também observa que as mulheres negras têm um histórico de educação financeira no Brasil que vem desde o período da escravidão. Falar para este público significa honrar o legado das ancestrais que, no passado, precisaram de muito esforço para oferecer seus serviços e garantir a sobrevivência das gerações seguintes. “No Brasil, não houve nenhuma política de inclusão econômica da população negra no pós-abolição. Isso fez com que as mulheres negras tivessem que ser mestras em ‘se virar’. Lavadeiras, passadeiras, quituteiras, empregadas domésticas que ofertavam seus produtos e serviços no mercado como forma de se reerguerem financeiramente”, afirma. “Hoje vemos educadores financeiros falando que, para estas mulheres, compensa mais alugar uma casa do que comprar. Eles desconsideram a realidade da insegurança de viver num aluguel que pode ter aumento de 20% de um ano para outro sendo que esta renda não aumentou”. 

Uma questão que vem ganhando espaço no debate sobre a inserção feminina no mercado de trabalho é a importância da saúde mental. “Viver neste limite financeiro faz com que as pessoas entrem numa ansiedade muito grande. Não saber se terá dinheiro para pagar o aluguel no mês que vem é uma pressão emocional gigantesca”, comenta.

“A economia comportamental às vezes aborda os gatilhos de consumo. Mas o que a falta de acesso a renda faz com a autoestima de uma pessoa? Não ter acesso a trabalho digno, moradia digna, alimentação? Precisamos falar sobre o impacto emocional de uma mãe que precisa fazer um cozido de ossos para garantir a alimentação dos seus filhos. De um ambulante que sofre um acidente de trabalho e não tem acesso a nenhum tipo de seguridade social. Toda esta precarização do trabalho contribui para o avanço da depressão e da ansiedade no Brasil”. 

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