Privatizações: vantagens e desvantagens, por Fernando de Aquino

Serviços como de educação, de saúde, de entregas, de fornecimento de energia elétrica, de crédito, geram lucratividade para atrair o setor privado até uma escala que não alcança muitos indivíduos e comunidades que poderiam ser beneficiadas

 Acadêmicos, analistas e formadores de opinião “pró-mercado” de todo tipo, vêm, desde a criação de empresas públicas, fazendo incessante pregação em favor das privatizações. O argumento central é de que o setor privado é mais eficiente que o setor público por ter donos, os quais, sendo ciosos com a valorização de seus patrimônios, estarão atentos para minimizar desvios e desperdícios. Assim, produzirão bens e serviços com menores custos, os quais, devido à concorrência, efetiva ou potencial, serão passados aos preços, beneficiando aos consumidores.

Grande parte do público tem acreditado nessa narrativa, por isso precisamos relativizá-la. O setor público também pode e deve atenuar desvios e desperdícios, com sistemas de controle que incluem controladorias, tribunais de contas e Ministério Público, assim como elevar a eficiência de seus trabalhadores, com programas de incentivos e possibilidades de punição. Em relação a empresas públicas bem administradas, os menores custos das privadas viriam, principalmente, dos salários mais baixos e não seriam repassados integralmente aos seus preços. Na verdade, são muito pouco repassados, podendo os preços serem até aumentados, em setores sem concorrência e sequer ameaças, cujos produtos sejam essenciais e sem substitutos viáveis, como energia elétrica, água, gás de cozinha, serviços de entrega em locais remotos.

Vários defensores das privatizações têm, ainda, motivações adicionais, como as grandes “tacadas” possibilitadas por cada processo de privatização, seja em termos de propinas a políticos e autoridades envolvidas, seja pelos ganhos exorbitantes decorrentes de vendas desses ativos públicos a preços muito abaixo de uma avaliação adequada. Ainda que a narrativa da maior eficiência seja relativizada e as “tacadas” nos processos de privatização sejam evitadas, outros elementos, ainda mais importantes, precisam ser considerados.

A maior desvantagem das empresas públicas é a possibilidade de serem utilizadas em barganhas políticas, servindo de cabides de emprego, de instrumentos para desviar recursos e favorecer correligionários e apoiadores. Muitos desses expedientes são difíceis de evitar, por mais e melhores que sejam os sistemas de controle, restando, como solução, a privatização. Contudo, em muitos casos, não vale à pena esta solução final, sendo melhor ir enfrentando os problemas. Seria o caso de empresas estratégicas, seja para a manutenção e ampliação do estado de bem-estar social, seja para promover o desenvolvimento econômico.

Serviços como de educação, de saúde, de entregas, de fornecimento de energia elétrica, de crédito, geram lucratividade para atrair o setor privado até uma escala que não alcança muitos indivíduos e comunidades que poderiam ser beneficiadas. Eletrificação e serviços de correios em locais distantes e pouco desenvolvidos, por exemplo, não geram retorno atrativo para o setor privado, mas não apenas melhoram diretamente a qualidade de vida dos beneficiados quanto viabilizam empreendimentos nas comunidades beneficiadas que favorecem menor dependência de assistência social.

Os defensores das privatizações indiscriminadas argumentam que essa elevação de escala pode ser conseguida com uma regulação adequada, prevendo financiamento específico, com alguma modalidade de subsídio, público e de clientes com maior capacidade de pagamento. Nessa linha, as dificuldades inerentes ao setor público seriam trocadas pelas dificuldades com agências reguladoras e com o atendimento das políticas do governo por parte da empresa privatizada. São políticas que tendem a se alterar a cada governo, podendo envolver grandes investimentos e mudanças operacionais, tornando-se inviável exigir o seu cumprimento pelas privatizadas. Enfim, em muitos casos, é essencial manter a empresa controlada pelo Estado.

Fernando de Aquino é economista, doutor em Economia pela UnB, Coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon. Artigo originalmente publicado no jornal GGN.