Artigo – Camaleão no Buriti

Por Júlio Miragaya, doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável e ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia.

Causou indignação no meio sindical de Brasília recente discurso proferido pelo governador Ibaneis Rocha aos moradores do Sol Nascente, no qual atacou violentamente os sindicalistas eletricitários, afirmando, entre outros disparates, que a população pobre não tem energia por que o dinheiro ficou nas mãos de meia dúzia de sindicalistas que ficaram com os bolsos cheios. De duas, uma: ou o governador – que fez fortuna defendendo causas trabalhistas para diversos sindicatos – prova suas acusações ou tudo não passará de demagogia, cortina de fumaça para sua absurda intenção de privatizar (doar) a CEB.

Não é a primeira vez que age de forma leviana.  Na campanha eleitoral criticou Rollemberg pela privatização do Hospital de Base, mas tão logo assumiu o GDF, aprofundou o processo de privatização da saúde, delegando a gestão de hospitais a Organizações Sociais. Num debate na TV, prometeu que, caso eleito, geraria nos seis primeiros meses de governo 100 mil empregos com carteira. Eu o alertei que tal promessa era impossível de ser realizada, pois no DF havia 577 mil postos de trabalho com carteira, e que 100 mil postos de trabalho significaria um crescimento de 17% em seis meses numa economia que crescia 1% ao ano. Mas demagogicamente insistiu na promessa e de mim ganhou a alcunha de “Inganeis Rocha”. Não injustamente: Seis meses depois havia onze mil postos de trabalho a menos, que se tornaram 50 mil a menos em março de 2020 (ainda antes da pandemia) e que hoje são 85 mil a menos. Deve hoje, portanto, 185 mil postos de trabalho ao povo.

Ibaneis Rocha, na condição de advogado, sabe muito bem o significado da palavra estelionato, que consta do capítulo VI do Código Penal Brasileiro como Artigo 171, assim definido: “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Mas sabe também que o crime de estelionato envolve apenas os crimes contra o patrimônio, embora o logro, a conduta ardilosa, não ocorra apenas na esfera patrimonial, sendo muito comum na política. Embora há anos tramitem no parlamento projetos que criminalizam o estelionato eleitoral, nenhum ainda foi aprovado, ou seja, estelionato eleitoral não é crime.

O governador Ibaneis pode não ter cometido crime, mas fazer acusações demagógicas ou iludir o eleitor é uma das práticas mais abomináveis da política brasileira. O que o governador talvez não saiba é que estelionato provém do latim stellio, lagarto que muda de cor para iludir os insetos, o nosso conhecido camaleão. Só que os répteis subsistem há 100 milhões de anos, mas os da política costumam não sobreviver a quatro.

 


*O artigo traz a visão do autor e não necessariamente expressa a opinião do Cofecon.