Artigo – Resiliência Econômica

  • 22 de setembro de 2020
  • Artigo

Passamos, pelo que me lembre, pelo quarto/quinto surto de doença infecto-contagiosa aqui em Cuiabá: tifo, meningite, dengue e agora o covid-19.

Uma dessas doenças que me deixou tristes recordações foi o tifo em meados da década de 70, quando nossa cidade ainda tinha condições sanitárias insuficientes e precárias, porém, reconheçamos que nos dias atuais, benfeitos variados e relevantes foram realizados.

Os males desse surto repousaram sobre minha mãe e meu irmão mais velho que foram acometidos pela enfermidade. Resguardo, repouso, boa alimentação e remédios foram as recomendações médicas. Minha mãe, em casa, foi cuidada pela minha irmã, principalmente, e meu irmão, aquele mesmo linha-dura das aulas de nado pantaneiro, não quis saber de ficar em nossa casa; preferiu ir para casa do padrinho, onde morava nossa avó paterna, uma enfermeira nata da saúde pública federal, com a qual ele era muito apegado.

Toda aquela preocupação com minha mãe faz-me lembrar dos dias difíceis que passamos durante a sua recuperação, com minha irmã muito nova cuidando dela, sem medo de contágio, ao levar alimentos, remédios e banhos no quarto em que ela ficava em resguardo. Com união familiar, excelente vizinhança e serviço de saúde presente superamos tudo.

Tudo isso ocorrido no nosso, a cada dia mais belo, bairro do Porto.(vejam a Av. Beira Rio localizada entre o extremo de um distrito e limitando-se com o município-compadre)

Mas isso é história e, como aprendi com o professor David Carvalho, 1996, em Belém, a história ensina, porém não determina, tendo em vista que cada época têm suas devidas características e condições; entretanto, sem simplismo e reducionismo exagerados, ela nos baliza diante do futuro incerto, para ao menos amenizar ou reduzir seus riscos.

Não muito diferente tem sido a recomendação de resguardo sanitário diante da pandêmica epidemia do covid-19. Seguir o resguardo recomendado tem sido um esforço para todos, o que requer uma capacidade de resiliência (adaptação) a esse momento e ambiente hostis.

Nesses aproximados 180 dias de esforço de resguardo e cura, vidas se perderam e, nesse esforço de adaptação, também aguardamos uma vacina confiável perquirida pela comunidade científica global, que tem seu tempo próprio, diferente do tempo do mercado, o que nos faz crer, cientificamente, que o tempo da ciência não é o mesmo tempo do mercado.

Eis que, importa estabelecer distinções entre o tempo histórico, o tempo econômico e o tempo do conhecimento, da ciência, para entendermos as grandes transformações da humanidade. Teremos que ter paciência (japonesa) para avançar nesse esforço global de cura e de resiliência.

Nesse sentido, sugiro uma pesquisa importante a ser feita para auxiliar nessa busca, que seria fazer um levantamento das características dos óbitos ocorridos, a exemplo de: raça, cor, idade, sexo, renda, hábitos alimentares, prática de exercício, logradouro, escolaridade, faixa de risco ou não, dentre outros, para que assim, possam ser feitas as devidas correlações estatísticas da realidade efetiva com níveis de significância aceitáveis. Isto poderá possibilitar um retorno gradual e seguro ao trabalho e as atividades de grandes aglomerações em geral.

Significará, também, uma maior precaução preventiva com a saúde pública, aumentando-se os padrões sanitários e higiênicos mundo a fora para garantir comércio e serviços, atividades de maior aglomeração, de qualidade e sustentabilidade sanitárias.

Da resiliência sanitária à econômica, estamos tentando retomar as atividades de rotina, todavia, ainda precisamos alcançar um padrão de retomada com taxa de maturidade econômica mínima em nossa economia, isto é, precisamos perseguir um padrão de crescimento e desenvolvimento tipo símbolo Honda (que assemelha-se à letra H) alcançado pelas economias desenvolvidas e avançadas, por possuírem níveis de acumulação de capital, estrutura produtiva e estabilidade institucional que garantem uma permanência em taxas de crescimento mínimas, evitando-se o sopé, o declínio, ou uma crise econômica devastadora.

O Brasil desde 1500 tem buscado essa estrutura socioeconômica, com estratégias para manutenção do território e atração de mão de obra para engrenar a máquina produtiva e social, conforme bem explicado por Oliveira Lima, 1997, Celso Furtado, 1989, Maria Y. Linhares (Org.), 1990, dentre outros.

Na busca da construção e fortalecimento nacionais, em passado recente e no período democrático civil, o ex-presidente Fernando Collor atacou as mazelas dos moedeiros falsos ao implantar o confisco financeiro, desmonetizando, temporária e parcialmente, nossa economia. Isso nos permitiu conhecer a base monetária real e efetiva e o volume de dinheiro (em espécie de papel e metálico) em circulação na economia brasileira. Início de um bom combate à inflação, além dos benefícios trazidos pela abertura econômica, apesar de desregrada.

Veio o ex-presidente Itamar Franco e costurou os caminhos para o Plano Real.

Assume o ex-presidente Fernando Henrique que destrói a ciranda financeira com o plano mencionado e privatiza estatais deficitárias, utilizadas durante o período militar como instrumento de controle inflacionário e endividamento público.

Com os ex-presidentes Luis Inácio e Dilma Rousseff, busca-se o sociodesenvolvimentismo visando o combate a desigualdade, através do crescimento econômico com distribuição. Alcançaram, inclusive, o pleno emprego, todavia, defenestraram-no ao caírem na armadilha do gasto público excessivo sem efeito multiplicador permanente, porque o déficit nominal, financiado pela dívida pública, financia também, os ganhos privados (H. Minsky, 2009), o que não combina com o princípio da demanda efetiva e a própria economia de mercado.

Com o ex-presidente Michael Temer foi preciso enfrentar essa problemática grave e implantar o Teto e Piso de Gastos, “como instrumento de controle da execução orçamentária” (Luiz F. D’Ávila, 2020).

O atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, precisa continuar com as reformas e sinalizar efetivamente para as privatizações, o que economistas experientes do Grupo A, estão chamando de Reforma do Estado. Sei que o tema privatização provoca paixões, corporativismo natural e preocupações estressantes (inclusive, neste escriba, todavia, nossos pósteros necessitarão e precisarão de condições e situações melhores), porém, trato esse tema de maneira técnica, jamais pensado em afirmar que o setor privado seja melhor que o setor público ou vice-versa.

O que temos que analisar e avaliar é que a pouca capacidade de investimentos de estatais (três esferas) dificulta a própria estabilidade de preços devido a instabilidade dos investimentos, provocada pelo empreguismo, dentre outros vícios (não em vão, consta da pauta do governo federal a reforma administrativa), que termina por inchar e engessar o Estado, e isso pressiona a forma de financiá-lo, via aumento de tributos; além de que, estado não precisa fazer o que o setor privado tem capacidade para fazê-lo, ainda mais, quando feito com investimentos próprios, não dependentes de volumes elevados de incentivos e subsídios públicos.

A propósito, sobre os investimentos (privatizados), vejam o quanto foi massificado o consumo de celulares, sendo que hoje em dia, de picolezeiro à presidente, possuem esse bem, o que é muito bom.

Portanto, como estamos nesse esforço de cura e proteção, gastos foram ampliados, sobrecarregando a relação dívida pública/PIB, por isso, a aprovação das reformas vindas do necessário espírito estadista do Presidente, neste momento, em sintonia com a responsabilidade do Congresso, podem gerar expectativas positivas nos agentes econômicos para racionalizarem e acomodarem suas decisões investivas, mesmo porque, estamos, também, em situação de armadilha da liquidez, devido as taxas de juros encontrarem-se em níveis baixos, e, mesmo assim, os investimentos não fluem.

Em suma, nessa crise de pandemia endêmica, segundo muitos, fomos forçados a repensar e a nos reinventar, bem assim, talvez, estejamos diante de uma nova transformação nos termos de K. Polany, 2000, no entanto, rememorando K. Popper, 1974, o maior inimigo da sociedade seria a busca pelo amor-próprio e pela felicidade sem ética, quando se abandona o conforto do travesseiro pelo confessionário ou divã sem verdades.
Tocando em frente, com ordem, progresso e cidadania, junto as forças civis, forças jurídicas, forças militares, forças científicas e forças políticas.
PS.: Agradeço pelas críticas e sugestões do macroeconomista da UFMT Dr. Leonardo Flauzino, alertando-me sobre vieses analíticos errôneos referente a alguns aspectos das políticas econômicas no Brasil. Permanecendo esses erros, a responsabilidade é do autor.


O artigo traz a visão do autor e não necessariamente expressa a opinião do Cofecon.

Ernani Lúcio Pinto de Souza, 58, é economista, técnico em educação-pesquisador da UFMT, especialista em desenvolvimento de recursos humanos pelo Programa MEC/BID III/UFAL, ms. em planejamento do desenvolvimento pela ANPEC-NAEA-UFPA. Foi vice-presidente do CORECON-MT.