Artigo – Consequências fiscais do combate à pandemia

Por Fernando de Aquino – Coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon e Doutor em Economia pela UnB.

O combate à pandemia propiciou um raro consenso entre os economistas sobre a política macroeconômica mais adequada – elevar incondicionalmente os gastos públicos no volume necessário. Este montante necessário já não seria consensual, mas todos concordam que levará a um aumento considerável no endividamento público. Cabe esclarecer que as tão faladas emissões de moeda, no final tornam-se quase tudo títulos públicos. A moeda oficial são as cédulas e moedas metálicas mais os depósitos à vista nas instituições bancárias. Os agentes mantêm parte de seus ativos nessa moeda oficial e o que for emitido além fica dentro do sistema bancário, sem remuneração, na forma de reservas bancárias indesejadas, cujos bancos detentores procurarão trocar por ativos com a melhor remuneração que encontrar. Como resultado, sem o Banco Central absorver essas reservas excedentes colocando títulos, as taxas de juros praticadas no mercado interbancário rapidamente chegariam próximas de zero. Assim, sendo a Taxa Selic uma média dessas taxas, ela ficaria muito abaixo da sua meta. Esses títulos colocados pelo Banco Central integraram a dívida pública.

A tradicional controvérsia entre os economistas retorna quando se discute o que fazer para reanimar a economia após a pandemia, mantendo a inflação sob controle. Vale enfatizar que o governo tem escolhas de como conduzir esse alto endividamento. Um caminho seria manter a dívida com vencimentos distribuídos no tempo, mesmo pagando taxas de juros mais altas quando exigido pelos detentores, enquanto se esforça em cortar gastos e aumentar a arrecadação. Outra estratégia seria manter taxas de juros baixas, mesmo se os detentores dos títulos que forem vencendo só aceitem novos com taxas mais altas e então resolvam ficar em aplicações renovadas diariamente e passem a gastar e emprestar mais ao setor real. Ao mesmo tempo, essas taxas de juros baixas também poderiam induzir a fuga de capitais especulativos e a decorrentes desvalorizações cambiais, as quais elevariam a demanda e os custos sobre a produção nacional.

As divergências são enormes, indo da equipe econômica de Paulo Guedes e seus apoiadores aos adeptos a Moderna Teoria Monetária (MMT). Os primeiros dão um peso exagerado às expectativas dos agentes sobre a política macroeconômica, antecipando suas decisões de produção, ampliação de capacidade produtiva e alterações de preços ante os riscos de um endividamento público alto levar a aumentos de taxas de juros e de tributos, num cenário de ajuste. Alternativamente, antecipariam aumentos de inflação por excesso de liquidez e desvalorização cambial, num cenário de acomodação, mas que ocorreriam, em magnitudes relevantes, apenas na ausência de recursos ociosos. Expectativas influenciam, mas não determinam resultados econômicos. Basta comparar os dados de expectativas com os realmente ocorridos, para inflação, PIB e outros.

Os adeptos da MMT consideram que sempre haverão recursos ociosos, suficientemente elásticos e empregáveis, para responder com maior produção a aumentos de gastos públicos e dos decorrentes gastos privados. Os agentes seriam mais influenciados pelas condições, vigentes e esperadas, de seu próprio negócio, atual ou futuro. A suas decisões dependeriam bem mais de suas próprias vendas e das ações e reações de fornecedores, clientes e concorrentes.

Também existem posições intermediárias, que associam a melhor estratégia às condições dos recursos ociosos. Com muitos dos setores importantes operando a plena capacidade, aumentos persistentes da dívida pública poderiam elevar mais a inflação que a produção. Havendo suficientes recursos ociosos, e certamente restarão após essa pandemia, os gastos públicos poderão expandir a produção, aumentando assim a arrecadação e financiando, num período seguinte, esses gastos iniciais. Sendo em infraestrutura e em ciência e tecnologia, viabilizariam e aumentariam o retorno de muitos investimentos privados.