Discurso de posse do presidente Wellington Leonardo da Silva

Na noite de 31 de janeiro foi realizada, no Hotel Nacional, em Brasília, a solenidade de posse da presidência e dos novos conselheiros do Cofecon. Leia a seguir a íntegra do discurso do presidente Wellington Leonardo da Silva.

Boa noite a todas e todos os presentes,

Boa noite aos componentes da mesa, Senador Roberto Requião; Economista Paulo Nogueira Batista; Economista Sidney Pascoutto da Rocha; Dom Leonardo da Confederação Nacional dos Bispos-CNBB; Dra. Noemia Garcia Porto (Vice-presidente da ANAMATRA-Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas), Sra. Lúcia Marina dos Santos, (Dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra); Meu caro Vice-presidente Economista Antônio Correa de Lacerda e nossa convidada especial Monica Benido.

Há exatos doze meses atrás boa parte de nós estávamos neste mesmo recinto para a posse formal de meu primeiro mandato como Presidente do Conselho Federal de Economia e de nossa então Vice-presidenta Bianca Lopes Rodrigues.

Lembro-me que naquela ocasião o cenário político e econômico no mundo não era nada animador, e isto não foi alterado de forma significativa. Na verdade, em muitos aspectos, as coisas pioraram muito. A onda conservadora deflagrada pelos representantes da direita internacional logrou vencer eleições em vários países, alçando representantes do atraso aos postos de comando em várias nações importantes, implantando, ou tentando implantar, suas visões, xenófobas, racistas, homofóbicas, intolerantes e retrógradas, inclusive no que diz respeito aos direitos humanos fundamentais. A nova onda do império é, além de submeter econômica, política e militarmente, seus vizinhos nas Américas, dobrar suas instituições aos seus nefastos delírios, tal qual o de construir novos muros segregacionistas entre populações, etnias e civilizações, como se já não bastassem os existentes, com destaque para o mais recentemente proposto, na fronteira do estado do Texas com o México. Destaque-se aqui a esdruxula proposição de que os penalizados paguem o cimento, os tijolos e a mão-de-obra utilizadas no empreendimento, e quiçá os juros do financiamento da obra caso existam. Os retrocessos, em relação aos direitos sociais anunciados, atingem todas as áreas; econômica, trabalhista, previdenciária, política, judicial e ambiental tendo como condutores chefes dos poderes executivos os quais não hesitam em utilizar a repressão judicial, policial e militar, cada vez mais constantemente.

A defesa dos interesses nacionais dos países desenvolvidos, nem sempre legítimos, aponta para o retrocesso significativo das relações internacionais, para a manutenção de guerras no Oriente Médio, Asia, e recentemente, incluindo até na América Latina no rol das regiões ameaçadas. O cenário internacional esta contaminado por discursos prenhes de ignorância tais como os daqueles que negam os impactos econômicos das mudanças climáticas e que abandonam tratados internacionais duramente conquistados como o Acordo do Clima de Paris.

O poder judiciário, mudo afora, tem se dedicado tanto a punir de forma dura supostos adversários daqueles que de fato detêm o poder político e econômico, como a perdoar e proteger magnanimamente os membros do que se poderia chamar de elite, caso fizessem jus ao título, mesmo com abundantes provas acerca do cometimento de ilícitos. O Brasil é exemplo ímpar. Aqui o poder judiciário tem servido de algoz para os adversários políticos dos banqueiros e rentistas, mas protege e mantêm em liberdade os servos destes, bastando para tanto que tenham pedido desculpas e se acertado com o criador. Os xerifes de Curitiba tem uma das mãos pesada, para alguns, mesmo na ausência de provas e ao amparo de processos judiciais frágeis, e outra extremamente leve para afagar os amigos de quem de fato detém o poder no Brasil. Aliás, muitos dos que estão aqui, já devem ter tido conhecimento do que pensam vários e importantes juristas internacionais e instituições do mundo sobre o judiciário brasileiro. Ele, com as louváveis exceções de praxe, tem sido achincalhado por conta de sua tendenciosidade de origem ideológica. Para os amigos dos banqueiros e dos rentistas, que cometam ilícitos, basta pedir desculpas e tudo estará resolvido. Para os que não o são, basta a convicção de alguns juízes, ora punindo, ainda que sem provas, estes, e liberando aqueles, mesmo que haja provas robustas da prática de malfeitos. Até o tráfico de drogas, desde que em larga escala e envolvendo poderosos, fica sem punição.

Em relação aos nossos governantes e instituições também não temos razão para ter orgulho. Entregamos a preço vil a Embraer à Boeing, abrindo mão de uma empresa importantíssima, comercial e estrategicamente, abrindo mão por tabela da fabricação de aeronaves para uso militar e de tecnologia de ponta. Só polianas podem acreditar que a ínfima parcela do lucro que caberá ao Brasil será suficiente para manter a linha de produção destes equipamentos, e pior, que a Boeing não assumirá o controle tecnológico desta linha de montagem. Como forma de demonstrar como somos globalizáveis e servis, o Presidente da Embraer defendeu na semana passada que o BNDES forneça crédito a nova proprietária da Embraer. Era só o que nos faltava.

No que diz respeito as discussões sobre a reforma da previdência, também temos más notícias. O objetivo como sempre é penalizar os mais pobres, deixando de fora da socialização dos prejuízos militares, parlamentares e outros tantos bem aquinhoados. Além das mentiras divulgadas sobre a real situação da previdência, algumas das quais já foram devidamente apontadas pela pesquisadora Denise Gentil, inclusive em debate realizado no Plenário do Conselho Federal, não se parte do que seria razoável, ou seja, a realização de uma auditoria nas contas da previdência para identificar de forma clara as sonegações praticadas pelos governos dos estados, dos municípios e federal, que aliás sequer repassa alguns recursos que seriam da previdência, além dos sonegadores do setor privado, cujo valor atinge a casa dos bilhões. Isto não é importante, o que importa é abrir a porta para os planos de aposentadoria privados, gerenciados por banqueiros, de preferência fiscalizados por uma agência reguladora do tipo da ANS e da ANA. Preparem-se, assim como na saúde quem puder pagar será atendido, quem não puder, bem todos nós sabemos como funciona o mercado.

Aliás, não tenho como deixar de mencionar o caso da Agência Nacional de Mineração, uma das responsáveis por valiar o nível de risco das barragens da Vale e que tais, junto com quatro dezenas de outros órgãos fiscalizadores. Todos sabemos o resultado do espetacular trabalho, por eles realizado. Enquanto foi estatal não me lembro de nenhum acidente como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho em intervalo de tempo extremamente curto. A criação das agências reguladoras durante os governo FHC tirou das mão do Estado o poder de fiscalização e o entregou a empresários dos setores. Na ANS, por exemplo, sucedem-se presidentes cuja origem são as próprias empresas vendedoras de planos de saúde, que deveriam fiscalizar, para as quais voltam ao findar o mandato a frente da agência reguladora. São as raposas tomando conta do galinheiro. É fácil mapear os casos por meio de pesquisa rápida.

No que diz respeito a inserção do Brasil no cenário mundial tanto do ponto de vista comercial como político, as notícias também não são boas. Declarações incompetentes do atual presidente já causaram perdas consideráveis aos empresários que exportam carnes de frango e de gado para os países árabes. A Arábia Saudita, para ficar só em um exemplo, ja colocou quatro dezenas de empresas exportadoras brasileiras em uma espécie de malha fina, depois que o atual ocupante da cadeira presidencial teve um arroubo trumpiano e ameaçou transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Seria engraçado se não significasse mais desemprego e menor ingresso de divisas para o país. Em outro ataque de brilhantismo, para mostrar ainda mais subserviência aos ianques, fez comentários desairosos sobre a China que lhe avisou: Somos hoje o maior parceiro comercial do Brasil, e se você não se comportar vamos retaliar no campo econômico. Outra manifestação desabonadora ocorreu em Davos, um pouco antes da catástrofe que se abateu sobre Brumadinho, mencionou que o Brasil cuidava muito bem do meio ambiente, mesmo tendo defendido, pouco tempo antes, secundado por seu vice-presidente, o afrouxamento das exigências para concessão de licenças ambientais, e de prometer não demarcar nenhuma reserva indígena e, pior, rever algumas já autorizadas. Cá para nós, pegou muito mal.

Bem, como tenho insistido nas plenárias do Conselho Federal, as questões que mencionei são de caráter político, mas de significativos impactos econômicos. Vamos continuar trabalhando para veicular a imagem e as opiniões das instâncias do COFECON, por todos os meios de comunicação disponíveis.

Por fim, creio que já se passaram muito mais do que os 6 minutos permitidos para discursos em Davos, e finalizo lembrando que ano passado nós desfrutamos da presença e das sábias palavras de Marielle Franco barbaramente assassinada junto com Anderson cerca de dois meses depois. Crime até hoje não elucidado, cujos assassinos usaram munição desviada da Polícia Federal que chegou a afirmar que os correios a teriam extraviado. De concreto, muito pouco sabemos até agora. Hoje não poderíamos deixar de lembrá-la e render-lhe nossas homenagens.