Artigo – Compromissos cooperativos

Em participação no Seminário Manutenção da Indústria e do Emprego em Mato Grosso, ocorrido no último dia 17 de setembro, no auditório do Hotel Mato Grosso Palace, em Cuiabá, das 09:00 ao meio dia e trinta, presenciei a realização de um evento inédito ao reunir representação dos setores produtivos (indústria e comércio, basicamente) e sindical mato-grossense.

Infelizmente, não teve a participação efetiva dos governos federal, estadual e municipal.

Após as rodadas de comunicações feitas pelos representantes dos setores e entidades, com a discreta, mas marcante, participação do Ex-Ministro Rogério Magri, houve abertura à plateia, que participou entusiasticamente da oportunidade concedida democraticamente.

Evento como esse requer continuidade no tempo e nas ações, com foco na organização e mobilização do movimento, aliás, algo dito por um dos participantes do seminário.

Mas, em síntese, o que me chamou atenção nesse evento foi a unanimidade em torno da necessidade de se construir uma relação respeitosa e cooperativa entre a relação capital/trabalho (patrão e trabalhador) para o enfrentamento da crise e da rediscussão em torno da problemática da concentração de renda (desigualdade), baixo desempenho da indústria e perda de postos de trabalho industrial no Brasil e em Mato Grosso, além da problemática da baixa competitividade.

Essa discussão toda é antiga, conhecida no jargão acadêmico como relações de produção, e encontra-se nos clássicos da economia política, especialmente, Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Neoclássicos e Keynes.

Não é tarefa fácil apontar neste curto espaço, mesmo que apenas os principais argumentos de cada pensador e escola econômica acima mencionados, por isso, ficaremos numa síntese possível e limitada a nosso modesto alcance.

Para esses pensadores os problemas que a sociedade enfrentava naqueles idos dos séculos XVI ao XIX, basicamente, situavam-se em torno da produção, distribuição, circulação de produtos, junto a acumulação e alocação de recursos.

Sem dúvida, a problemática de maior monta reside, ainda hoje, na questão distributiva, dependendo da estrutura produtiva de cada país.

Bem assim, aquela época houve uma escola de pensamento econômico, que sucedeu ao mercantilismo, chamada de Fisiocracia, quando acreditavam que a terra era única fonte de riqueza, o que tenho denominado de uma espécie de teoria do valor-setorial, por ter dado ênfase ao setor primário, inclusive, criaram as classes dos proprietários, a classe estéril (artesões, comércio, pequenas fábricas e funcionários públicos) e a classe produtiva (trabalhadores da terra) geradora do excedente econômico que circulava e se distribuía de acordo com argumentos legitimamente baseado em um naturalismo providencial entre as classes aqui referidas.

Não foi muito tempo para ser contradito por outros pensadores a relevância de todas as atividades produtivas existentes a época, principalmente, das indústrias nascentes, e passam a dar ênfase ao que, realmente, gera valor: o trabalho, criando assim a potente teoria do valor-trabalho.

A partir daí ganha força não somente a busca pela produtividade, mas, também, a distribuição da riqueza gerada, em vista do crescimento populacional e escassez de alimentos e produtos, quando buscaram compreender como a riqueza era ou poderia ser distribuída entre lucro, renda da terra (aluguéis), salários, juros e tributos.

Disso tudo, o que importa é reconhecer como as necessidades e desejos humanos podem ser atendidas mediante os processos produtivos.

A teoria do valor-trabalho foi clara ao identificar e explicar a fonte de valor das riquezas, porém, perdeu-se no debate abstrato e subjetivo entre classificações teórico-ideológica pela ótica da propriedade, dividindo a sociedade entre capitalistas e trabalhadores, ricos e pobres, etc.. Responsável relatar, devido as precárias condições de trabalho e jornadas elevadas de trabalho, fonte da mais-valia absoluta resultante do trabalho não pago, geradora do lucro e da acumulação concentrada em poucas mãos capitalistas.

A bem da verdade pragmática, sempre, em realidade, o exposto até aqui não foi algo abstrato, porém, o que se transformou nesse cientificismo abstrato sobre a teoria do valor-trabalho foi a discussão sobre quem deveria auferir mais que quem, i. e.: se o trabalho do chão da fabriqueta ou o trabalho intelectual do capitalista, a partir dos conceitos de trabalho comandado e trabalho contido, vigentes nos primórdios de uma economia simples e mercantil.

Simplesmente, passar a pó de cal nesse debate não seria, obviamente, a melhor solução, entretanto, foi preciso mais de meio século para que novas idéias fossem estruturadas e transformassem a teoria do valor-trabalho subjetivista-abstrata pela teoria do valor-utilidade objetivista-concreta, criando, assim, a teoria do valor-utilidade.

Devido a essa teoria, nos dias atuais é possível diferenciar o que seja valor e o que seja preço.

Valor é tudo aquilo que um bem proporciona a determinada pessoa em termos de utilidade e satisfação; enquanto, preço é todo valor monetário de um bem a partir da composição dos custos totais guiado pela demanda e pela oferta (mercado).

Nesse ente institucional chamado mercado, criado pelas próprias forças sociais, e, apesar dos antagonismos (contradições) temporários, tanto capitalistas quanto trabalhadores tomam decisões que melhor lhes convier, todavia, torna-se inconteste a atuação da concorrência e a presença do Estado para equilibrar os interesses confusos e difusos que ocorrem durante as relações de produção, circulação, distribuição, acumulação, alocação, e, na atualidade deste século, a problemática da sustentação múltipla (bio-física, econômica, social e política).

Oportuno e razoável mencionar, em desfecho modesto destes apontamentos e no limite das questões atuais que crises cíclicas perversas, desigualdade e instabilidade global, não decorrem devido a existência do lucro, pois, para ele existe (ou deveria…) a concorrência, além de que é a remuneração dos empresários, assim como existem outras remunerações, e, isso é, fundamentalmente, a fonte de acumulação para novos investimentos (não há de se interromper a lufada reprodutiva, até porque, os capitais predatórios são varridos pela concorrência eficiente, institucionalizada e racional, e, também, pela regulação autônoma) que fortalecem a demanda efetiva autônoma, independente, de ações intervencionistas desnecessárias por parte do Estado.

Todavia, é sabido que não haverá lucro sem consumo; e, não haverá consumo sem salários. Porém, não nos esqueçamos que o salário médio direto pago aos trabalhadores, ainda, são salários de subsistência, todavia, a reivindicação é por salários cidadãos, mas não confunda com o que reza a Lei Maior brasileira quando preconiza que o salário mínimo deve atender as necessidades de uma família formada por 04 (quatro) pessoas; ora, o salário mínimo deve ser pensado para um trabalhador, porém, para suprir as necessidades de um cidadão, conforme garante a mesma Constituição Brasileira.

O debate é longo e pouco consensual, entretanto, das reivindicações e propostas apresentadas sucintamente naquele Seminário foi dado ênfase para que na relação de produção, capital/trabalho, há de se buscar o valor da cooperação recíproca.

O sentido de cooperação que importa, a meu ver, é a cooperação em busca de resultados comuns: salários e lucros, ambos mediados pela produtividade, e, produtividade se desdobra em absoluta, vinda da força de trabalho, e relativa, vinda das máquinas e equipamentos, quando bem utilizados pelos trabalhadores e alocados eficientemente pelos empresários, daí a razão da cooperação recíproca.

Razoável pormenorizar, que máquinas e equipamentos são poupadores de mão-de-obra, porém, eles libertam e liberam o trabalhador do trabalho árduo, cansativo e repetitivo.

Sem almofadas, é sabido que a revolução tecnológica é geradora de desemprego estrutural, entretanto, o trabalhador há de estar flexivelmente habilitado e apto para buscar emprego em ramos de menor intensividade em capital e em setores/ramos de seu conhecimento, ou por outra, estar apto para enfrentar novos desafios no setor de serviços e comércio, que representam entre 50 a 75% do PIB (Produto Interno Bruto) nos países de desenvolvimento elevado.

Cooperar, portanto, é a união de forças em torno de objetivos comuns, juntamente com o respeito mútuo, capacidade de trabalhar e empresariar, enfim, a busca por produtividade, competitividade e bem-viver.

Em suma e na essência: a melhor função social de qualquer empresa, independente de seu porte, é pagar bons salários, pagar impostos e crescer inovando sempre que possível, pois, assim agindo, sua capacidade produtiva, devido a alocação dos investimentos, influencia uma vasta cadeia interna, local, estadual, regional, nacional e global de valor que assegurem um dinamismo cíclico duradouro.

É fato verdadeiro, pela longa história do sistema capitalista, que as crises (cíclicas) fazem parte do funcionamento desse sistema, porém, eficiência e cooperação podem responder pela durabilidade do dinamismo do mesmo, proporcionando renda, riqueza e conhecimento revolucionários, junto a um Estado cumpridor do seu papel de “azeitador”, no que tange as condições de garantia de oportunidades e ambiente institucional claro e ágil para inibir e destruir as barreiras à entrada cartorial e inoperantemente estabelecidas.

Alcançar tais objetivos requerer-se-ão inadiavelmente os seguintes pontos:

– ambiente e condições de trabalho. Há de existir zelo e cuidado no chão da fábrica, tanto por parte dos patrões como por parte dos trabalhadores;

– estabelecer compromissos cooperativos a partir de consenso entre patrões e trabalhadores a serem afixados na entrada das empresas;

– acelerar o processo de reforma tributária, previdenciária e trabalhista, diferenciando-o de desonerações pontuais e temporárias;

– criar ambientes atrativos para novos investimentos;

– fortalecer as relações entre governos, empresários e trabalhadores;

– estimular a poupança privada em bancos privados a partir dos micros e pequenos negócios em geral, agentes informais, combate a sonegação de tributos, visando o barateamento do custo do capital;

– buscar a manutenção da indústria e consequente empregos, observando as causas de suas dificuldades ou seu fechamento;

– aproveitar as oportunidades do setor primário-exportador nacional para estimular e/ou fortalecer a indústria local;

– elaborar idéias em torno de novos programas para indústria nacional com ênfase na produtividade, invenção e inovação.

Estabelecer as prioridades referidas será garantia de Ordem para sistematizar ações e alcance de resultados; Progresso, técnico, para possibilitar autonomia, soberania e competitividade a continentinalidade produtiva brasileira; Democracia, efetiva, para realizar equilíbrio entre representatividade e participação junto a democracia até os dias atuais realizada, e, Cidadania alcançada a partir do dever não-anárquico fundamentado no trabalho digno, cooperativo e consciente.

Um povo coeso e racional constrói uma Nação, além de honrar o encontro histórico-evolutivo das três raças.

E é só.

Ernani Lúcio Pinto de Souza – Economista do Niepe/Fe/Ufmt, Ms. em Planejamento do Desenvolvimento pela Anpec/Naea/Ufpa e conselheiro do Codir/Fiemt pelo Corecon-MT.