Novo Arcabouço Fiscal: “Economistas devem fazer este debate”, afirma Paulo Dantas

Presidente do Cofecon falou na abertura do seminário Novo Arcabouço Fiscal: Possibilidades e Limites para o Desenvolvimento Sustentável, realizado nesta semana

O Conselho Federal de Economia realizou na última terça-feira (25) o seminário Novo Arcabouço Fiscal: Possibilidades e Limites para o Desenvolvimento Sustentável. O evento ocorreu no Espaço Israel Pinheiro, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e contou com a participação de economistas, representantes do Ministério da Fazenda e autoridades, proporcionando um debate com vozes variadas e falas favoráveis e contrárias ao modelo proposto pelo governo Lula e entregue no dia 18 ao Congresso Nacional pelo presidente e pelos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet.

A mesa de abertura do evento contou com o presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, e representantes das entidades apoiadoras do seminário. “Queremos discutir a questão que envolve o novo arcabouço fiscal, sem desconhecer que esta demanda tem origem em setores específicos da sociedade, que esperam que o Estado brasileiro mantenha suas contas em dia, de modo a assegurar os pagamentos que são devidos aos credores do próprio Estado”, afirmou Dantas ao abrir o evento. “É algo que os economistas devem enfrentar, e aqui estamos para essa discussão, na certeza de que haveremos de gerar conclusões e informações que venham a possibilitar o andamento deste assunto”.

O presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, José Luiz Pagnussat, procurou caracterizar o momento que o país vive. “Sem aprofundar a análise, percebemos um quase abandono dos povos indígenas, uma piora radical dos indicadores sociais. Políticas que vinham se encaminhando de forma consistente até alguns anos atrás estão se deteriorando”, pontuou o economista. “Para que o Estado cumpra sua função, não era mais possível manter algumas regras fiscais que já estavam furadas. O teto de gastos virou um fura teto. Me preocupa a forma como as mudanças estão sendo encaminhadas, porque se continuarmos mantendo uma rigidez exagerada nas regras fiscais, poderemos inviabilizar este governo”.

Odilon Guedes, vice-presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo, ressaltou que o Artigo 3º da Constituição Federal afirma que erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. “Temos uma das piores distribuições de renda do mundo e uma das cargas tributárias mais perversas. Precisamos desideologizar o debate sobre o Estado. No mundo inteiro ele está presente”, argumentou o economista. “A grande questão para resolver os problemas nacionais é a volta do crescimento do PIB para gerar emprego e distribuir renda, e para isso o Estado tem papel fundamental. Uma taxa de juros de 13,75%, com inflação de 5%, é inimiga do investimento, encarece o crédito, valoriza o real com a entrada de dólares e desnacionaliza a economia”.

Odilon trouxe o dado de que 70% dos ganhos da dívida pública estão nas mãos de 20 mil clãs (grupos familiares de até 50 pessoas) e pontuou que nos próximos anos haverá o pagamento de 450 bilhões de reais em precatórios. Diante disso, defendeu uma reforma tributária. “O Imposto Territorial Rural (ITR), no Brasil inteiro, tem uma arrecadação inferior a dois meses de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na cidade de São Paulo. Quando a princesa Diana morreu, deixou 30 milhões de dólares e o governo cobrou quase 15 milhões de imposto soberano”, argumentou. “A dívida ativa no Brasil é de 2,7 trilhões de reais. Cerca de 1 trilhão é possível de ser recuperado. Se fizer uma recuperação em 10 anos, são 100 bilhões a mais para o Tesouro Nacional”.

O economista Carlos Pinkusfeld Bastos, diretor-presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento falou que qualquer política econômica precisa de três eixos: um fundamento teórico, estimativas empíricas e um objetivo de onde se quer chegar. “Quero entender o segundo e discutir o terceiro”, pontuou. “Como um economista que acha que existe o produto determinado no longo prazo pela demanda efetiva, me causa muita espécie que você vá controlar quantitativamente um fator importantíssimo da demanda efetiva que é o gasto”. Pinkusfeld acrescentou que crescer acima de 0,6%, “que é o que todos nós desejamos”, vai diminuir o tamanho do Estado na economia. Isso porque o novo arcabouço traz uma regra pela qual a despesa anual pode ser aumentada em até 70% do crescimento das receitas do ano anterior, com uma variação real de no mínimo 0,6% e no máximo 2,5%. E ironizou: “A ideia do teto veio para ficar, porque aparentemente se quer diminuir o tamanho do Estado. E aparentemente temos um PIB potencial de 2,5%. Suponha que o governo queira crescer 4%: o gasto público só pode crescer 2,5%. Quando você olha os outros componentes do gasto, exportações crescendo 3%, quanto caberia ao setor privado crescer? Nas nossas contas, 9%. Nem no governo Lula 1 isso aconteceu”.

Bráulio Santiago Cerqueira, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle (Unacon Sindical), criticou o teto de gastos e afirmou que este limite constitucional não tem paralelo no mundo: “O que estava contratado para 2023 era o fechamento das universidades, era não ter vacina. O gasto público federal cai de 20% do PIB para 18%, para 17% e chegaríamos em 16% ou 15% daqui a dois ou três anos. É o completo caos orçamentário, cada ano é preciso furar o teto e mexer na Constituição”. O auditor explicou que esta situação não se dava por falta de dinheiro. “O gasto público aumentou 30% na pandemia e não faltou dinheiro. Porque para quem emite a própria moeda e tem dívida na própria moeda, não falta dinheiro nunca”, argumentou.

O novo arcabouço fiscal, apontou Cerqueira, tem que dar ao governo um raio de manobra para implementar as políticas para as quais foi eleito. Ele também vê como uma melhora o fato de ter uma regra orçamentária no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentários e não mais na Constituição, e na proposta de que o descumprimento da meta de superavit primário não mais caracterize desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. “São mudanças que podem revolucionar a gestão das políticas públicas”, argumentou.

Márcio Gimene, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, elogiou o debate promovido pelo Cofecon e apontou para dois pontos de consenso: a necessidade de flexibilidade para elaborar e implementar as leis orçamentárias e um arranjo institucional que possibilite a adoção de políticas anticíclicas. “A própria exposição de motivos do que veio a ser o teto de gastos tinha uma crítica ao fato de que as regras fiscais vigentes eram pró-cíclicas”, comentou. “Temos que discutir se o que está sendo tratado agora no projeto de lei complementar é suficientemente anticíclico ou não”.

Mas Gimene abordou também a necessidade de coordenação entre as políticas monetária, fiscal e cambial, e questionou: “É possível haver esta coordenação com uma autoridade monetária independente?”. E defendeu a inclusão de duas exceções no Artigo 3º, Parágrafo 2º do Projeto de Lei Complementar 93/2023, que trata das despesas que não entrarão no limite de gastos: as despesas de capital estruturantes, definidas no plano plurianual, e as despesas com transferências de renda às famílias que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza.

Livi Gerbase, coordenadora executiva da Coalizão Direitos Valem Mais, vê com preocupação o pouco espaço de debates sobre o novo arcabouço fiscal. “Estamos discutindo o final de teto de gasto, que é algo importante e precisa ser comemorado. Mas depois vem a discussão do Plano Plurianual Participativo, da reforma tributária, mas não adianta pensar nisso se não tivermos recursos”, observou. “Precisamos trazer a discussão dos direitos humanos para a política fiscal. Vamos conseguir financiar o básico de direitos após quatro anos de desmantelamento? Há uma gama de direitos humanos que são gastos discricionários. A retomada do Sistema Único de Assistência Social, das políticas ambientais, da fiscalização, da demarcação das terras indígenas, tudo isso precisa de recursos e vamos ter que lutar por eles”.

Novo Arcabouço Fiscal

O início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pelo debate sobre o novo arcabouço fiscal, um conjunto de regras propostas pelo governo federal para substituir o teto de gastos instituído em 2016.

O novo arcabouço fiscal prevê que o crescimento das despesas do governo estará limitado a 70% da receita do ano anterior. Também estão propostos os objetivos de caso a meta de resultado primário não seja cumprida, há uma trava ainda maior no crescimento das despesas. Além disso, a regra possui mecanismo anticíclico limitado, que estabelece um crescimento real da despesa entre 0,6% e 2,5% – significa que, em situações de retração de receitas, um mínimo de crescimento das despesas está garantido.

Organizadores

O evento foi promovido pelo Conselho Federal de Economia e teve o apoio das seguintes instituições: Associação Nacional dos Serviços da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Centro Celso Furtado, Coalizão Direitos Valem Mais, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Espaço Israel Pinheiro (EIP), Fundação Israel Pinheiro (FIP), Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP) e Unacon Sindical.