Novo arcabouço fiscal: Quais são os limites das despesas do governo?

André Paiva Ramos, Eduardo Moreira, Fábio Terra e Simone Deos participaram de debate promovido pelo Cofecon

A segunda mesa do seminário Novo Arcabouço Fiscal: Possibilidades e Limites para o Desenvolvimento Sustentável, realizado na última terça-feira (25) pelo Cofecon com o apoio de várias instituições, teve como tema a trajetória das receitas, os gastos sociais e o investimento público. Algumas das questões colocadas durante o debate foram o limite de 2,5% do aumento anual de despesas como algo que também limita o crescimento público e os conceitos de responsabilidade fiscal – não como o assunto normalmente é tratado, mas sim em relação ao cumprimento da função do governo em relação às parcelas mais vulneráveis da população e que mais dependem das políticas públicas.

“Nos últimos quatro ou cinco anos tivemos uma deterioração significativa das condições socioeconômicas. O teto de gastos comprimiu significativamente os recursos para várias áreas de atuação do Estado, e principalmente os investimentos. Esta situação aumentou significativamente a vulnerabilidade e a desigualdade”, comentou o economista André Paiva Ramos, mediador da mesa. “Após a implementação da PEC da Transição, que trouxe um espaço fiscal maior para o governo Lula, surgiu a oportunidade de desenhar um novo arcabouço fiscal. De um lado, há economistas apontando que para que os parâmetros sejam efetivos, é necessário o aumento da arrecadação. De outro lado há economistas que apontam que as novas regras podem reduzir a participação do Estado na economia. Daí a importância de um debate mais amplo”.

Eduardo Moreira, fundador do Instituto Conhecimento Liberta, reconhece que há um avanço no novo regime fiscal, mas que ele continua colocando limites para o crescimento econômico. “O teto de gastos, uma excrescência que não existe em nenhum outro lugar, nos condenava à impossibilidade de crescer. Num país como o nosso, em que o número de pessoas que não têm emprego não para de aumentar, isso é algo muito sério”, criticou. “Este arcabouço, da forma como ele é colocado, segue tendo um limitador de crescimento, segue sendo um teto. É melhorado em relação ao que havia antes, é um teto que sobe, mas continua sendo um limitador”.

Moreira questionou sobre quem se beneficia deste limite de 2,5%. “Alguém está pleiteando, alguém tem que estar se beneficiando para justificar esta nova regra que nos joga no mesmo problema de não poder crescer muito”, argumentou. “Suponhamos que a taxa de juros caia e consigamos uma economia de 250 bilhões de reais em relação ao que temos hoje. Nada disso poderá ser usado para fazer a economia crescer, nada disso poderá virar investimento. Penso que temos um problema com todas essas amarras. Se você pecar pelo fiscalismo e cortar programas vai dar errado, e se criar uma possibilidade de tentar o crescimento pode dar errado também – mas sou a favor de errar tentando crescer e proporcionar aquilo que hoje as pessoas precisam com urgência”.

Fábio Terra, assessor especial da secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, fez uma explanação sobre as regras fiscais no tempo. O conceito surgiu entre as décadas de 1970 e 1980. “Os policy makers percebiam vantagens em praticar regras, como maior credibilidade na política fiscal e mais facilidade para alcançar os objetivos”, comentou. “No campo ortodoxo, as regras são bem-vindas porque limitam a ação discricionária. No campo heterodoxo, Keynes propôs uma lógica orçamentária bipartite, baseada em equilíbrio orçamentário e incentivo ao investimento público”.

No início as regras eram mais rígidas e tinham como objetivo zelar pelos recursos públicos e diminuir a ação discricionária. “A crise financeira e a pandemia mudaram a perspectiva. Hoje sugerem-se regras flexíveis e ágeis, que mudem com o ciclo, mirem o médio prazo, construam instituições fortes, tenham bandas para choques e ancorem a dívida pública”, explicou Terra. “O novo arcabouço é moderno, porque mescla como variáveis operacionais uma regra flexível de resultado e de gasto, mirando a estabilidade da dívida em médio prazo e preservando o investimento público como bônus por superar a banda superior do superavit primário. Descriminaliza a política fiscal, desconstitucionaliza a regra e introduz o custo reputacional. Substitui a ideia do corte de gastos pela de controle estável. Em vez de reduzir a União na demanda agregada, trabalha com a estabilidade”.

A professora Simone Deos se propôs a fazer uma discussão fiel ao princípio da demanda efetiva. “Os gastos não precisam ser pensados a partir de renda prévia ou poupança prévia, nem para as famílias, nem para as empresas, nem para o governo. Eles são financiados a partir do crédito e da emissão de moeda, que também é um crédito. A arrecadação tributária não financia o gasto – é a partir do gasto que temos um pulso para a renda nacional e para a parcela de renda que vai ser tributada e retornar”, argumentou Simone. “O fato de um governo arrecadar mais ou menos do que gastou não tem nenhuma justificativa macroeconômica. Ele não será mais ou menos responsável se tiver superavit ou deficit. Responsabilidade fiscal é você usar o poder fiscal, o poder do Tesouro Nacional, para atender aqueles que precisam”.

Ela também afirmou que o governo Lula tem uma agenda externa bastante ambiciosa e que o presidente da República pôs em discussão as ideias de moedas internacionais. “Ele poderia encampar uma discussão neste sentido, o que certamente o tornaria líder de uma frente de governos verdadeiramente progressistas na América do Sul ou na América Latina, o que poderia nos levar a outro patamar”, vislumbrou Simone. “Essa é a agenda da responsabilidade que deve ser abraçada por um governo progressista, não só para atender as demandas de uma população, mas para atender ao projeto de desenvolvimento de um país, e que permita investimentos estruturantes e a transição energética”.

Novo Arcabouço Fiscal

O início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pelo debate sobre o novo arcabouço fiscal, um conjunto de regras propostas pelo governo federal para substituir o teto de gastos instituído em 2016.

O novo arcabouço fiscal prevê que o crescimento das despesas do governo estará limitado a 70% da receita do ano anterior. Também estão propostos os objetivos de caso a meta de resultado primário não seja cumprida, há uma trava ainda maior no crescimento das despesas. Além disso, a regra possui mecanismo anticíclico limitado, que estabelece um crescimento real da despesa entre 0,6% e 2,5% – significa que, em situações de retração de receitas, um mínimo de crescimento das despesas está garantido.

Organizadores

O evento é promovido pelo Conselho Federal de Economia e tem o apoio das seguintes instituições: Associação Nacional dos Serviços da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Centro Celso Furtado, Coalizão Direitos Valem Mais, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Espaço Israel Pinheiro (EIP), Fundação Israel Pinheiro (FIP), Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP) e Unacon Sindical.