Novo arcabouço fiscal: Como ele afetará a dívida e os juros?

Secretário de Política Econômica defende que proposta permitirá estabilizar a dívida e reduzir os juros; conselheiro defendeu ação do Banco Central mirando nos juros de longo prazo

A terceira mesa de debates do seminário Novo Arcabouço Fiscal: Possibilidades e Limites para o Desenvolvimento Sustentável, realizado na última terça-feira (25) pelo Cofecon com o apoio de várias instituições, debateu questões referentes à dívida pública e às taxas de juros praticadas no Brasil. A formação das expectativas e a necessidade de maior controle sobre os juros de longo prazo foram temas abordados pelos economistas Júlia Braga e Fernando de Aquino, enquanto Guilherme Mello apontou que a estabilidade trazida pelo novo arcabouço fiscal permitirá reduzir a taxa básica.

O mediador da mesa, Daniel Negreiros, abriu a discussão afirmando que o governo nunca enfrentou restrições financeiras reais. “O que impedia o governo de gastar mais nunca foi falta de dinheiro, e sim as regras fiscais. Mesmo depois da pandemia estamos fazendo regras que esgotam a capacidade do governo de fazer pagamentos”, pontuou.

Júlia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense, iniciou sua exposição argumentando que a dívida pública no Brasil é interna, tem pouca relação com o prêmio de risco e não é um indicador de solvência do Estado. Também apontou para o uso da dívida líquida, e não bruta, no debate. “Nem a literatura teórica mais convencional fala de um indicador de um limite para a dívida pública”, questionou. Na sequência, apresentou gráficos e tabelas sobre a taxa de juros, mostrando que boa parte da dívida pública está atrelada à Selic: “Ela é a principal componente das parcelas de juros da dívida pública”.

Júlia também abordou a taxa de juros como canal das expectativas, mas argumentou que estas expectativas apresentam muitos erros num cenário de crises intensas e sucessivas (como ocorreu recentemente com a pandemia e, em seguida, com a guerra na Ucrânia) e trouxe a taxa de preços no atacado como um indicador mais confiável. “No Brasil o mercado demorou para incorporar nas expectativas um fenômeno inflacionário que já estava desenhado nos índices de preços no atacado. Se antes todo arcabouço falava que o policy maker deveria se guiar pelas expectativas, mas elas erram: há uma reação pequena no momento do choque e exagerado quando ele persiste”.

O economista Fernando de Aquino Fonseca Neto contextualizou o novo arcabouço fiscal como sendo o principal instrumento do governo para elevar os investimentos públicos e acelerar a redução dos juros de forma conciliada com o Banco Central e o mercado financeiro. “De acordo com o governo anterior, ao controlar o gasto público se controla a inflação, aumenta a produtividade e gera emprego. Mas os resultados econômicos foram péssimos e desmontaram a política pública na perspectiva de tentar melhorar as condições macroeconômicas”, explicou. Na sequência, abordou o conceito de dívida bruta do governo geral, que é o mais usado para falar sobre a dívida pública, e abordou o que seria uma trajetória benigna e maligna do indicador. A trajetória maligna (explosiva) geraria fuga para ativos reais e fuga de capitais, pressionando o câmbio. “Neste sentido, o Brasil está em posição favorável. Nos últimos 21 anos, em apenas três não foi possível financiar totalmente as transações correntes com investimentos e empréstimos de longo prazo”.

Além dos instrumentos de política fiscal, outros instrumentos de política monetária poderiam ser usados. “Até 2008, os Bancos Centrais controlavam as taxas de curtíssimo prazo para influenciar a taxa de juros. Atualmente, negociam ativos para aumentar essa influência e desde 2016 o Banco do Japão adota metas explícitas para taxas longas. Outros BCs têm metas e não explicitam, mas o do Japão sim”, pontuou. “Se tivéssemos um controle da taxa longa, a Selic poderia cair muito mais facilmente”.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, iniciou sua fala dizendo que o novo arcabouço fiscal respondeu algumas questões tanto do campo progressista quanto do mercado financeiro. “Tínhamos um conjunto de regras fiscais que perderam a credibilidade. O fato de partirmos de um conjunto existente que precisava ser alterado, mais a necessidade de promover crescimento econômico, nos levou à circunstância de que, pela primeira vez na história, o governo eleito precisou aprovar uma PEC antes de assumir”, comentou. “Eu estava na equipe de transição, fiz entrevistas com pessoas de dentro. Eles diziam que pelo orçamento que o governo enviou, em setembro ou outubro haveria um apagão na máquina pública”.

Os passos seguintes foram, do lado do gasto, fechar o que Mello chamou de “verdadeiros sorvedouros de recursos, abertos por uma série de jabutis tributários, que não têm impacto sobre a atividade, apenas aumentam a rentabilidade de setores específicos” e trabalhar no que o governo pode oferecer para o Brasil de forma sustentável. E a sustentabilidade da dívida é uma delas. “Independentemente do entendimento teórico que eu gosto enquanto professor, há um consenso das autoridades monetárias de que a estabilização da dívida pública em algum prazo é um fator relevante, e isso tem que ser levado em conta por quem faz políticas públicas. Responsabilidade fiscal no médio prazo, um arcabouço de médio prazo e a sinalização da recuperação do resultado primário”.

Ao falar sobre regras fiscais, argumentou que há uma diferença entre as regras de terceira geração e o teto de gastos – “que eu não sei em que geração está porque não há paralelo no mundo e envolvia uma redução brutal no tamanho do Estado brasileiro”. A terceira geração de regras fiscais, explicou Mello, combina anticlicidade, progressividade, sustentabilidade e proteção aos investimentos públicos. “Criamos um piso para o investimento, algo que nunca houve no Brasil; tiramos a obrigatoriedade do contingenciamento, porque isso era feito sempre em cima do investimento; criamos uma meta de resultado primário que consideramos plausível, desde que consigamos recuperar o nível de arrecadação. O arcabouço fortalece as políticas públicas, garante a estabilidade e depois vem a redução da taxa de juros”, finalizou Mello.

Novo Arcabouço Fiscal

O início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pelo debate sobre o novo arcabouço fiscal, um conjunto de regras propostas pelo governo federal para substituir o teto de gastos instituído em 2016.

O novo arcabouço fiscal prevê que o crescimento das despesas do governo estará limitado a 70% da receita do ano anterior. Também estão propostos os objetivos de caso a meta de resultado primário não seja cumprida, há uma trava ainda maior no crescimento das despesas. Além disso, a regra possui mecanismo anticíclico limitado, que estabelece um crescimento real da despesa entre 0,6% e 2,5% – significa que, em situações de retração de receitas, um mínimo de crescimento das despesas está garantido.

Organizadores

O evento foi promovido pelo Conselho Federal de Economia e teve o apoio das seguintes instituições: Associação Nacional dos Serviços da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Centro Celso Furtado, Coalizão Direitos Valem Mais, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Espaço Israel Pinheiro (EIP), Fundação Israel Pinheiro (FIP), Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP) e Unacon Sindical.