Luiz Carlos Hauly e Bernard Appy participam de Seminário Reforma Tributária

Evento organizado pelo Cofecon, com o apoio do Corecon-DF, está disponível na íntegra no canal do Conselho Federal de Economia no YouTube 

O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira (29) o seminário Reforma Tributária. O evento ocorreu na sede do Cofecon e contou com a participação do deputado federal Luiz Carlos Hauly e do secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. O debate pode ser assistido na íntegra clicando AQUI.

“O tema é por demais relevante e de interesse evidente do Conselho Federal de Economia, porque trata de assuntos relacionados à riqueza e às altas rendas, que são elementos de natureza econômica intimamente ligados a esta matéria”, expressou o presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, ao iniciar o evento.

Hauly: modelo atual começou errado e criou o caos

O deputado Luiz Carlos Hauly foi o primeiro a falar e trouxe a informação de que primeiro imposto sobre valor agregado surge na década de 1960, na França. “As discussões da época eram sobre como ter um imposto sobre o consumo que não interfira nas relações de negócios – compra e venda – entre as pessoas jurídicas. Dali ele se espalhou para toda a Europa e hoje está em 174 países”, comentou Hauly. “Aqui adotamos o caminho contrário, partilhamos a base de consumo e ele interfere nas relações comerciais, destruindo a competitividade e os negócios”.

“O que começou errado criou esse caos de guerra fiscal entre estados e municípios, e o próprio governo federal foi perdendo. Ao dar a uma empresa um imposto que é o consumidor que paga, você cria uma situação que não tem precedentes”, avalia o deputado. “O acúmulo de problemas deste modelo é um contencioso de 75% do PIB. E não há punição para quem não paga imposto. Anualmente, 3% do PIB deixa de ser recolhido. Todos esperam um programa de refinanciamento para tirar as multas e juros e fazer caixa nas suas empresas”. Este mesmo modelo, aponta Hauly, permitiu renúncias fiscais da ordem de 650 bilhões de reais por ano – sendo 450 bilhões só na União.

Como o Brasil poderia eliminar estes problemas? Para o deputado, não existe solução fracionada. “Reformas fatiadas só trouxeram prejuízos maiores. Cada uma tem alguma pegadinha. Tenta-se consertar alguma coisa, mas o que nasceu torto vai morrer torto”, argumentou. Ao comparar os modelos brasileiro, norte-americano e da maioria dos países da OCDE, caracterizou o norte-americano como mais justo, mas que não poderia ser copiado no Brasil. “Precisaríamos aumentar em 150% os impostos patrimoniais”.

Ao comentar problemas como a inadimplência e a sonegação de impostos, Hauly defendeu um modelo de cobrança automática. Em 2016, conversando com um empresário, ele ouviu o argumento de que o Brasil tem o melhor sistema de nota fiscal do mundo e o melhor sistema financeiro e bancário, mas a nota fiscal não conversa com o boleto. “Você pode controlar o fluxo de pagamento e transformá-lo de mensal para instantâneo com a nota eletrônica. Há tecnologia para isso”, comentou o deputado. “O crédito financeiro é o coração da mudança. Eliminar todas as obrigações acessórias de uma vez só e fazer uma cobrança automática. É mais simples do que o Supersimples”.

A arrecadação dos cinco tributos que estão sendo reformados representa, em média, 13% do PIB – aproximadamente 40% da arrecadação nacional. “A reforma começa por eles e depois pode abarcar IOF, salário-educação, Sistema S, a folha de pagamentos no todo ou em parte. Todos os tributos que estão na base de consumo”, vislumbrou Hauly. “Todos os tributos que incidem sobre o preço são impostos de consumo, quem paga é o consumidor. Por isso hoje o Brasil tem a maior carga tributária do mundo sobre bens e serviços”.

Hauly finalizou afirmando que todos os sistemas de IVA são regressivos e acrescentou: “O imposto vai deixar de ser cumulativo, as empresas não vão colocar a mão no dinheiro, elimina a inadimplência e a guerra fiscal e vamos esmagar a sonegação”.

Appy: modelo proposto é melhor e mais simples que o de outros países

O secretário extraordinário de reforma tributária, Bernard Appy, iniciou sua fala explicando a proposta aprovada na Câmara. “O Brasil tem o sistema tributário mais complexo do mundo. O custo burocrático de apurar e pagar tributos indiretos é dez vezes maior que em outros países, em razão da proliferação de tributos, regras, exceções, regimes especiais, benefícios, e tudo isso gera um ambiente muito negativo”, argumentou, apontando que o modelo atual gera muito espaço para litígios. “Isso tem custo para as empresas, para o setor público e para o Judiciário. Cerca de 40% das ações no Judiciário são de execução fiscal. E o litígio também gera insegurança jurídica”, explicou Appy. “Por isso, investir no Brasil exige uma margem mais alta para compensar este risco que não se corre em outros países”.

Na visão de Appy, um modelo de IVA bem desenhado e não cumulativo desonera investimentos. “No Brasil, nossos impostos oneram investimentos e exportações. Há impostos pagos ao longo da cadeia e não recuperados. O ISS não gera créditos, o imposto se torna um custo que o nosso produto carrega e o produto estrangeiro não”, apontou, citando uma variedade de exemplos. “Acumular um saldo credor de ICMS é algo que pode levar anos para ser recuperado. Há estados que fazem leilão e quem der o maior desconto leva”.

Outro prejuízo gerado pelo atual modelo é a distorção da organização da produção – e, para isso, o secretário citou o exemplo da construção. “Se fizer um prédio em concreto armado, o valor é adicionado no canteiro de obras, paga X. Se for pré-fabricado, o valor é adicionado na indústria, e é mais caro. Com a mesma quantidade de trabalho e capital que se constrói 10 prédios de concreto armado seria possível construir 11 pré-fabricados, mas no Brasil construímos 10. Esta é a realidade do nosso país”, exemplificou. “Por causa de benefícios fiscais, um caminhão sai de um estado A para B, de B para C e de C para A, criando um trabalho completamente improdutivo para economizar tributos. Com os créditos tributários, devido às isenções fiscais, alguns estados têm que devolver impostos que não arrecadaram”.

O economista também citou que o Brasil é “o último país relevante que separa tributação de mercadorias e serviços” e argumentou que o período de transição cria previsibilidade para uma empresa que fez um investimento com base num benefício que deixa de existir. “O modelo que estamos propondo de gestão compartilhada é melhor que em outros países. É mais simples e permite compensação de débitos e créditos entre estados”, afirmou Appy. “O impacto sobre o crescimento é positivo. Há estudos apontando entre 4% e 20% do PIB. Acreditamos que 12% é um cenário bastante factível e com este crescimento, literalmente todos os setores seriam beneficiados”.

O secretário ainda apontou que a reforma tributária teria um efeito positivo na distribuição de renda porque os tributos sobre o consumo são regressivos. “No Brasil é ainda pior: o consumo do rico é menos tributado que o do pobre, porque rico consome serviços e isso é menos tributado do que mercadorias. Então ela trará um efeito positivo na redução das desigualdades”.

Comentários

Paulo Dantas da Costa, presidente do Cofecon, lembrou que o Conselho Federal de Economia tem manifestado sua opinião nos últimos anos. “A reforma tributária é marcadamente necessária. Mas no Brasil falamos muito sobre a tributação sobre os bens e serviços e esquecemos da tributação sobre o patrimônio e a renda”, afirmou. O presidente também defendeu a aplicação de alíquotas de acordo com a essencialidade de um bem. “Faço esses comentários, mas tenho a certeza absoluta de que nós, brasileiros, encontraremos o caminho para a montagem do modelo tributário, levando em conta as questões sociais”.

Para o conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda, o IVA não impedirá a guerra fiscal, mas trará melhorias. “Há uma vertente que é a da competitividade, que tem a ver com a capacidade de crescimento econômico ou de investimentos produtivos, e quanto mais complexo for o sistema, pior será sob o ponto de vista da competitividade”, pontuou. “Nosso sistema é bastante complexo e nem todas as empresas têm departamentos e profissionais para dar conta de cumprir com as obrigações tributárias, o que gera uma indústria do planejamento tributário muito bem remunerada. Assim, há um evidente ganho com a introdução do IVA”.

O conselheiro federal Fernando de Aquino chamou a atenção para outras medidas que vêm sendo discutidas, como a tributação sobre os fundos offshore e a revisão das desonerações. “É possível que grande parte delas não tenha justificativa aceitável para continuar. De que maneira o governo vai enfrentar esta questão?”, indagou. “A regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, o retorno do retorno sobre lucros e dividendos – e o Cofecon foi um dos primeiros a insistir nisso – além da progressividade da alíquota do imposto de transmissão, todas estas seriam medidas que poderiam reduzir a regressividade do nosso sistema”.

Para o presidente do Corecon-DF, José Luiz Pagnussat, a reforma tributária não traz “o avanço que gostaríamos agora”, mas esta talvez seja a única estratégia viável. “Se olharmos do ponto de vista da história deste debate, fazer um avanço no caos tributário que são os impostos sobre consumo, sinalizar para a sociedade que não haverá aumento da carga e dar respostas aos questionamentos que foram surgindo ao longo do tempo é a única maneira de chegar ao avanço de uma questão tão complexa”, avaliou. “O que me preocupa um pouco é que o potencial para avanço, em termos de justiça tributária, da tributação do consumo não é tão grande quanto seria o dos impostos diretos”.