“Situação fiscal não é confortável”, afirma Vilma Pinto

Para a diretora da Instituição Fiscal Independente, que participou de debate no Cofecon, superavit do ano passado ocorreu devido a situações não recorrentes

O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira um debate sobre perspectivas para a política fiscal no país. A convidada foi a economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI). Vilma abordou a realidade macroeconômica do país e também falou sobre sua trajetória profissional.

Na abertura do evento, o presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, destacou a importância do debate. “Esse é um tema atual, da mais elevada procedência e, aberto esse evento, desejo que possamos retirar daqui as melhores conclusões a respeito do tema”, disse Dantas. “Não podemos falar de redução de desigualdade no Brasil sem falar na questão de gênero, que é uma das principais fontes de desigualdades neste país, sem falar em questão de raça e também das populações que foram esquecidas”, completou o presidente do Corecon-DF, José Luiz Pagnussat.

Perspectivas para a política fiscal

Vilma abordou a criação da IFI, em 2016, num contexto internacional em que outros países criavam instituições semelhantes, enquanto no plano local o Brasil vivia uma crise econômica, com déficit fiscal elevado. “O objetivo era dar transparência às contas públicas e fazer um contraponto saudável com o poder executivo a partir de análises técnicas independentes e apartidárias”, comentou Vilma. “Nós monitoramos as regras fiscais, avaliamos as políticas e as propostas que tenham algum impacto fiscal relevante. Focamos na responsabilidade fiscal, mas sabemos que ela está associada à responsabilidade social. As duas devem andar de mãos dadas”.

Ao falar sobre a situação fiscal atual do Brasil, a economista apontou que a pandemia trouxe mais luz sobre os gastos com saúde e as transferências de renda e citou a PEC da Transição, aprovada com o objetivo de criar um espaço fiscal que permitisse atender às demandas sociais. “O governo fez a ampliação do gasto e não necessariamente sinalizou as fontes de financiamento. Isso impacta a trajetória da dívida pública e agora o governo começa a sinalizar com ajustes”, explicou Vilma. “Agora o governo começa a sinalizar com medidas de ajuste, que não só vão na linha de aumentar a receita ou diminuir a despesa, mas também na linha de melhorar a qualidade do gasto”.

O ano de 2022 foi de superavit fiscal – o primeiro em nove anos – mas esta situação se deu por circunstâncias específicas. “A situação fiscal não é nada confortável. Ano passado o governo teve superavit fiscal, mas foi essencialmente por fatores não recorrentes. O choque do petróleo aumentou o perfil das receitas, mas de forma temporária. Quando o preço internacional do petróleo cair, teremos menos receitas”, analisou. “Precisamos repensar a questão das regras fiscais, que o governo deve anunciar ainda este mês, de modo que possamos ter solidez, sustentabilidade e, ao mesmo tempo, avançar em pautas e agendas importantes”.

Para 2023, a Instituição Fiscal Independente projeta um déficit de 1,3% do PIB nas contas do governo. “Para que a dívida seja estável como proporção do PIB, precisamos de um superavit da ordem de 1,5% do PIB. Isso também precisa conversar com a qualidade do gasto público e com a importância das políticas públicas em termos de impacto econômico e social”, argumentou Vilma. “Eu sou de família pobre, todo o meu ensino foi em instituições públicas, exceto o mestrado. As políticas assistenciais ajudaram muito, assim como o ambiente familiar”.

Por fim, a economista abordou sua escolha pelo curso de economia. “Minha inspiração começou a partir de programas de televisão, onde via um economista no supermercado comentando o preço do arroz, do tomate, e eu me questionava por que isso era importante e por que precisava ter um economista falando sobre o assunto. Eu também me perguntava por que há pessoas pobres e pessoas muito ricas, e não encontrava resposta”, contou Vilma. “Eu vi que na economia poderia ter a resposta para isso. Quando comecei a estagiar na Fundação Getúlio Vargas, fui trabalhar com política fiscal e estou nesta área até hoje”.

“Viemos de muitos anos de recessão e estagnação econômica e o gasto público vai ter uma função fundamental agora na reconstrução do Brasil. Vemos uma preocupação do presidente da República não só com a política monetária, mas também com a qualidade do gasto”, observou a conselheira Flávia Vinhaes, mediadora do debate. Ela também abordou o ajuste fiscal de 2,8% do PIB. “A melhor coisa que aprendi em economia foi que orçamento público não tem nada a ver com orçamento privado e das famílias. Os gastos públicos, para além dos gastos, são investimentos que têm efeitos multiplicadores muito importantes”.

“Foi uma palestra maravilhosa e nós, da Comissão, estamos muito realizadas”, expressou a coordenadora da Comissão Mulher Economista e Diversidade, Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, após o evento. “Este foi o lançamento efetivo da nossa Comissão neste ano. Agradeço à Vilma, a todos os presentes e os que nos assistiram pelo Youtube”.

Participação em vídeo

A economista Luciana Servo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), também foi convidada para o evento e gravou um vídeo no qual abordou a representatividade feminina na profissão. “A economia ainda é vista como um campo de formação mais masculino ou mais atrativo para os homens. Isso demonstra a importância de ter uma comissão que discuta mulheres economistas e diversidade e amplie a participação e as discussões sobre a formação de mulheres economistas”, pontuou Luciana.

Na visão da presidente do IPEA, a presença de mulheres em posições de destaque pode servir de estímulo e inspiração para aumentar a presença feminina na profissão. “Vemos mulheres aparecendo no cenário nacional e se destacando, tanto no campo da macroeconomia como na educação, economia social e economia internacional”, observou Luciana. “Elas podem atrair jovens mulheres para que percebam a economia não como um campo de atuação dos homens, mas como uma área com possibilidades de formação desde a graduação para mulheres. Isso amplia as possibilidades de que as questões de gênero e as desigualdades e discriminações que vemos no mercado de trabalho sejam combatidas e reduzidas”.