O que esperar das medidas de recuperação fiscal?

No dia 12 de janeiro, em entrevista coletiva, o ministro Fernando Haddad apresentou um conjunto de medidas visando recuperar as contas públicas do País. Elas incluem o programa Litígio Zero, que permite renegociar dívidas e aumenta o limite para acessar o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); a extinção do modelo paritário no mesmo CARF e o retorno do voto de qualidade; e PIS/COFINS não serão mais calculados sobre o ICMS. A apresentação do ministério pode ser vista AQUI.

Estas medidas foram o tema da primeira edição deste ano do Economia em Debate, realizada na última sexta-feira (27) por ocasião da 719ª Sessão Plenária do Cofecon. Os debatedores foram os economistas Fernando de Aquino Fonseca Neto e Júlio Miragaya.

Carga tributária

Aquino caracterizou três momentos: o primeiro conjunto de medidas para transformar um déficit de 231 bilhões num superavit de 11 bilhões; o novo arcabouço fiscal (que deve vir até agosto); e, mais tarde, uma proposta de reforma tributária. “A narrativa hoje, na grande mídia, é de que o setor privado ganha com mérito e o setor público extrai para desperdiçar ou desviar com funcionários inúteis e corrupção”, comentou o economista.

“Há também o argumento de que temos uma carga de mais de 35%, o que é verdade; que os países em desenvolvimento têm uma carga menor, o que também é verdade; e alegam que isso compromete a competitividade do País”, continuou Aquino. “Não necessariamente vai reduzir. Depende da estrutura tributária, que incide de forma bastante diferente entre diversos setores. Pessoas de média e baixa renda pagam uma carga muito maior que o padrão dos países afora”. Ele aproveitou para citar o Sistema Único de Saúde como exemplo de política pública eficiente.

Miragaya, por sua vez, trouxe dados sobre a receita líquida do governo central. Entre os anos de 2005 e 2013, ela foi da ordem de 18,5% a 19% do PIB, exceto em 2010, que foi de 20,2%. No período de 2014 a 2021, crise do governo Dilma, passando pelos governos Temer e Bolsonaro, a arrecadação esteve entre 17,4% e 18,2%, passando para 18,7% em 2022. “O governo acredita que as receitas foram subestimadas na Lei Orçamentária Anual; as ações de receita permanente somariam 83 bilhões; ações de receitas ordinárias e com ativos do PIS/PASEP somariam 73 bilhões, a redução de despesas seria de 50 bilhões e assim sairíamos de um déficit de 231 bilhões para um superavit de 11 bilhões”.

Miragaya também apontou para a eficiência ou não das medidas. “Muito embora o documento apresentado fale não em gerar superavit, mas em reduzir o déficit para algo entre 0,5% e 1% do PIB (contra 2,16% previstos). Ficamos sem saber ao certo qual é o objetivo”, criticou. “A meta de gerar superavit é extremamente ousada. Há o risco de termos um resultado satisfatório e parecer um fracasso”.

Cobrança a sonegadores

Em relação às medidas apresentadas pelo governo, Aquino aponta como positiva a cobrança sobre os sonegadores. “É uma questão de justiça. Outras pessoas e empresas pagam, eles têm que pagar. O Programa de Recuperação Fiscal dá uma visibilidade a este processo. Mas dá vantagens privilegiando maus pagadores e até incentiva algumas pessoas a atrasar pagamentos”, avaliou. “Esperamos que este governo tenha mais empenho nas execuções fiscais. Pondera-se que pode quebrar empresas ou gerar desemprego, mas isso é uma desculpa e não podemos deixar de executar a dívida em função destes argumentos”.

Ao falar sobre as medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda, Júlio citou a quantidade de processos administrativos existentes no CARF e o programa Litígio Zero. “Não vou discordar muito das medidas. O voto de qualidade para o representante da Fazenda Nacional é justo do ponto de vista dos interesses da própria nação. A retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, muita gente no governo conta com essa medida, mas a questão pode ser judicializada, as empresas vão questionar na justiça. Não se pode contar com o ovo dentro da galinha”, ressaltou.

Arcabouço fiscal e reforma tributária

Fernando de Aquino fez uma crítica ao Teto de Gastos. “Em agosto vamos ter um novo arcabouço fiscal. O Teto é elogiado pela mídia, mas é um péssimo instrumento de controle. Ele é atualizado apenas pelo índice de inflação. Mas o PIB cresce, a população cresce e a necessidade de políticas públicas aumenta. O Estado é mínimo para alguns, mas para outros é bem grande”.

Miragaya lembra que o contexto econômico geral também não é favorável. “Temos uma desaceleração global, um orçamento curto e engessado, a margem de manobra para buscar investimentos não é grande e a taxa de juros é elevada. A pressão inflacionária se mantém sobre combustíveis, energia e alimentos. A informalidade está elevada e o endividamento das famílias também é um limitador de crescimento”, ponderou. “A projeção feita pelo governo leva em conta apenas as situações favoráveis. A questão dos juros impacta o aumento do investimento público, e neste ano pagamos 650 bilhões em juros sobre a dívida pública. Não vamos ter como fugir de uma reforma tributária que reduza a tributação sobre o consumo e aumente sobre a riqueza”.

Presidente do Cofecon critica modelo tributário

O presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, é um especialista na área de tributação e trouxe também algumas questões para discutir. “O Imposto de Renda tem o leão como símbolo, mas ele é muito manso, porque gosta de atacar o contracheque dos trabalhadores e esquece quem de fato ganha muito neste país”, argumentou. “A questão do imposto sobre lucros e dividendos é uma das faces desta moeda. O que queremos dizer é que o Imposto de Renda incide brandamente sobre os rentistas”.

Ele criticou também a tabela do imposto de renda, há anos sem correção. “A partir de 2 mil reais a pessoa já paga imposto de renda. Mas se compararmos com o que acontece nos outros países, nos principais países capitalistas a alíquota máxima é de 38% a 40%, muito superior aos 27,5% no Brasil. E estamos falando de altas rendas, não do que estamos praticando aqui”, disse Dantas. “O pessoal de classe média alta reclama do imposto predial. Não precisa reclamar. Se não tem patrimônio, não tem por que estar preocupado. Este seria um bom imposto, porque só paga quem tem”.

O debate pode ser assistido clicando AQUI.