Presidente do Cofecon defende tributação internacional para combater fome e miséria

Nos dias 16 a 20 de janeiro foi realizado em Davos, na Suíça, o Fórum Econômico Mundial. Na ocasião, a Oxfam, rede internacional que atua em mais de 80 países no sentido de reduzir as desigualdades, apresentou um relatório no qual aponta o aumento da desigualdade no mundo entre 2021 e 2022 e defende a tributação dos super ricos como caminho para solucionar a crise econômica.

Entrevistamos o presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, que falou sobre o assunto e apresentou suas ideias acerca do combate à fome e à miséria. Dantas defende uma tributação internacional sobre as movimentações financeiras entre países, que seja cobrada por um ente internacional e não baseada em práticas nacionais, a fim de que estes fundos sejam utilizados para o combate à fome e à miséria.

Leia a seguir a entrevista, na qual Dantas fala sobre o relatório da Oxfam e a sua proposta de tributação internacional.

De acordo com o relatório da Oxfam, Elon Musk tem uma fortuna avaliada em quase 200 bilhões de dólares e paga pouco mais de 3% de impostos, enquanto a comerciante Aber Christine, de Kampala, Uganda, ganha 80 dólares por mês vendendo farinha, arroz e soja e paga 40% de impostos. Esta situação encaixa com aquela que o senhor sempre comenta, de um mendigo pagar impostos no Brasil.

Tenho uma visão que vai na mesma linha. Pessoas que têm um patrimônio como este, de 200 bilhões de dólares, têm que pagar impostos. Na nossa realidade interna e na internacional, os modelos e instrumentos de tributação não têm eficiência, não têm produtividade fiscal. Na questão fiscal é assim: pode haver um resultado extraordinário com pouca gente, aí haverá uma boa produtividade.

Quero abrir um pouco mais o foco. Ele tem 200 bilhões. A pergunta é: quem vai tributar? Se o domicílio fiscal dele for nos Estados Unidos, na Inglaterra ou no Brasil, os instrumentos de tributação que conhecemos realizarão uma tributação nos padrões nacionais – me refiro ao imposto de renda. Como transformar isso em algo internacional? Por enquanto, não tem solução.

Como podemos construir um mecanismo para mudar esta situação tradicional da tributação pelo ente nacional? Se for internacional, como é que pode transformar isso em recursos mundiais? Tem formas. Tenho uma proposta que pode conferir muito mais produtividade fiscal para essa finalidade. Eu advogo a ideia de que se cobre um tributo internacional. Para você criar um tributo internacional, é necessário ter agentes internacionais. Nessa configuração, e em função desta necessidade, temos outra coisa muito pouco falada por nós, economistas: é a questão e a possibilidade de uma governança internacional.

Para cobrar um tributo internacional tem que ter um órgão com legitimidade internacional para isso. Hoje temos a Organização das Nações Unidas, seria preciso criar uma agência especial dentro da estrutura da ONU.

Exatamente. Para construir isso, seria necessário construir também um mega acordo internacional. No ano de 2015 tivemos a possibilidade de reunir 193 chefes de estado para discutir questões que são da mais elevada importância. Aquele evento teve um significado extraordinário. A grande preocupação deles era com o destino do globo terrestre e o destino das populações, especialmente das mais carentes. Ali foi aprovada a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. É composta por 17 objetivos, sendo que o primeiro é acabar com a pobreza em todas as formas e lugares, e o segundo é acabar com a fome.

Acho isso a coisa mais importante que a ONU fez. Como podemos atacar estes dois problemas que atingem de frente as mais pobres nações do continente africano, e por que não dizer, alguns recantos do Brasil, especialmente aqui na minha região nordestina? Temos a necessidade de uma governança internacional. Precisaríamos ter outro momento como esse que tivemos em 2015, que os chefes de estado se reuniram, e realmente deliberassem.

Vou usar um termo técnico: quem seria o sujeito ativo do tributo? Quem é que vai cobrar? Penso que deveria ser a ONU, talvez não pelos instrumentos normais que ela tem, mas criando algo novo. A ideia original não é minha. É o modelo de James Tobin. Ele tinha uma expectativa de que os recursos fossem destinados à constituição de um fundo para atenuar o caráter especulativo que havia na movimentação internacional de recursos. Ainda existe hoje, mas aconteceram duas coisas. Isso diminuiu muito, e o volume dos recursos que são transacionados entre nações, entre agentes em países diferentes, aumentou de forma exponencial. O último dado que vi foi de abril do ano passado, 7,5 trilhões de dólares rodam o globo terrestre diariamente. É um número que sempre acompanho e é sempre crescente. Meu foco é esse: criar um modelo de tributação em cima dessa movimentação de recursos.

Nós brasileiros tivemos a CPMF. A minha ideia é aquilo ali, cobrar um valor que eu estimo em 0,1%, sem deixar de mencionar que Tobin chegou a falar em 1%, destinando estes recursos a um fundo que fosse resolver a questão da pobreza. Como é que se resolve a pobreza no papel e na ótica das grandes nações do mundo? Em 2021 os ministros de finanças e presidentes dos BCs do G7 fizeram a proposta de um imposto corporativo global, com alíquota de 15% sobre o lucro das grandes multinacionais. Tem aquela deficiência que falei: cobrar tributos nacionais. Depende, fundamentalmente da generosidade das grandes nações.

Minha ideia, partindo de James Tobin, é fazer uma tributação sobre movimentação internacional, e o dinheiro ser conduzido, talvez, por um órgão da ONU que tivesse autonomia, e que esses recursos fossem utilizados para os objetivos da Agenda 2030, acabar com a pobreza e com a fome. Não teria que ficar na dependência de tributar Elon Musk.

Segundo a Oxfam, um imposto de até 5% sobre os super ricos do mundo poderia arrecadar 1,7 trilhão de dólares por ano, o suficiente para tirar 2 bilhões de pessoas da pobreza e financiar um plano global para acabar com a fome. Qual o seu pensamento a respeito?

É exequível, mas tem a mesma deformação: depende da boa vontade e generosidade das grandes nações. Posso falar com bom grau de certeza: não podemos contar com isso. O que defendo são coisas como o que temos aqui no Brasil: você paga seu imposto e é retido na fonte, você pode ficar contrariado, mas o imposto está sendo cobrado. É automático. E é este automático que eu gostaria que fosse criado no mundo. Qual é o fato gerador? Movimentação financeira internacional. E chamo a atenção para um aspecto: com o uso intensivo das criptomoedas, a base de incidência pode ficar vulnerável.

Basta que exista um grande tratado internacional. Quando houver, a despesa decorrente do imposto que eu quero criar não é obrigação das grandes nações, mas de particulares que realizam operações internacionais. Isso é uma formatação que tem uma origem em práticas já adotadas, e traríamos para gerar fundos e receitas para atacar os graves problemas da humanidade.

Um dos tópicos do relatório da Oxfam afirma que todo bilionário representa um fracasso das políticas. Qual a sua opinião a respeito? Na mesma linha, é possível dizer que a teoria da economia de gotejamento fracassou?

A ideia do gotejamento, a maior parte dos economistas não gostam disso e já vi algumas observações dizendo que é algo criado à revelia da teoria econômica. Mas, sem querer entrar nessa discussão, o fato é que precisamos descobrir uma base em cima da qual se possa cobrar uma tributação. O que se movimenta diariamente, 7 trilhões e meio por dia. O PIB mundial hoje está na faixa dos 95 trilhões. Quando se compara com o PIB do Brasil, isso é quase 4 vezes o PIB brasileiro de um ano. Existe uma liquidez internacional que é algo que chega a assombrar, e que dá conta de certas contradições do próprio sistema capitalista.

Quando essa movimentação financeira começou a se intensificar, estamos falando dos anos 80, em 1984 tínhamos um PIB de 10 trilhões de dólares e poupanças internacionais de 12 trilhões. Uma razão de 1,2. O PIB hoje é de 95 trilhões. As poupanças internacionais hoje são de quase 600 trilhões. Quando faço o gráfico, isso forma uma boca de jacaré enorme, uma diferença fantástica. Isso permite ter uma ideia visual da concentração da riqueza no âmbito financeiro no mundo inteiro.

Um dado que o relatório da Oxfam trouxe sobre concentração de riqueza é que o 1% mais rico, de 2021 para 2022, concentrou seis vezes mais riquezas que os 90% mais pobres.

É uma contradição estúpida. Quando eles falam do crescimento da riqueza dos mais ricos, isso é um problema que, na prática, é difícil de conter. A própria dinâmica capitalista favorece quem tem mais acumulado. Se você tem muito acumulado, tem a possibilidade de crescer de uma forma muito mais rápida do que os que estão em padrões de riqueza inferiores. O capitalismo funciona assim. Existem outros modelos, acredito que sim, mas retroceder toda essa máquina, essa estrutura que se criou em nome dessa coisa chamada capitalismo é difícil e complicado.

Em quase todos os lugares a alíquota mais alta de imposto de renda é mais baixa hoje do que nos anos 90 e bastante mais baixa do que nos anos 80. É possível fazer a correlação entre este fato e o crescimento da desigualdade, contrastando com as décadas anteriores de desenvolvimento econômico?

A evolução das práticas tributárias tem uma história própria. Se pegarmos nossa realidade hoje, temos um imposto de renda em que a alíquota máxima é de 27,5%. Mas já foi muito maior, de mais de 50%. As pessoas que militam nessa área tributária têm uma ideia, não tem tanta fundamentação acadêmica, mas é o que se fala no meio. Ter uma carga de tributação acima de 50% denota um pouco de confisco. Não se passa de 50%. As pessoas entendem que há de ter um limite, e que o limite seria esse. Li num jornal sobre o quanto a nossa carga tributária é elevada. Não é. Mundo afora chegou-se a um entendimento de que o padrão aceitável seria um terço do PIB. É exatamente a nossa carga, por aí. Nestes últimos anos as variações são mínimas, mas sempre em torno de 32 a 33%. Nos países da Escandinávia há uma incidência maior. Na Dinamarca é 50%, mas está fora da curva. A maior parte dos países têm uma carga tributária nessa ordem.

O imposto de renda é o imposto mais importante que existe em qualquer lugar do mundo. A alíquota máxima que temos é de 27,5%. Nas grandes nações do mundo, a alíquota máxima é de 38 a 40%. Temos que tributar quem ganha mais, mas aí quando se ganha mais mesmo. Quando fazemos a opção da tributação indireta, você não consegue. Entram um pobre e um rico no armazém, vão pagar imposto sobre o leite, a mesma coisa; o açúcar, a mesma coisa. Isso está errado.

Gostamos de fazer comparações com o que acontece nos Estados Unidos. Quando falamos em tributação direta no Brasil, o total que é arrecadado, a nossa tributação direta representa mais ou menos 22% de tudo o que é arrecadado. Nos Estados Unidos essa mesma tributação direta se aproxima de 60% do que é arrecadado. Nossa tributação indireta é de quase 60%. As pessoas que viajam para Miami ficam encantadas porque veem na nota fiscal o que pagam de impostos, mas se esquecem disso. Aquilo é mínimo. O que se arrecada em imposto de renda nos Estados Unidos é muito mais.

Na maioria dos países, a valorização de ações é considerada um ganho de capital não realizado. De acordo com a Oxfam, este valor não será tributado. Assim, se o preço das ações da Amazon dobrar, Jeff Bezos ganha bilhões de dólares, mas como esse ganho não é visto como renda em termos jurídicos, nenhum imposto precisa ser pago, desde que Bezos não venda ações. Este raciocínio faz sentido? E como fazer esta tributação?

Não existe possibilidade, a não ser quando vende as ações. O raciocínio é o mesmo para o que você tem de imóveis. Meu apartamento, assim como poderia ser uma ação, é o meu apartamento. Ele se valorizou. Vou pagar algum tributo no meio do caminho? Não existe uma prática que leve a isso, a não ser que se invente. Como se trata de tributar o patrimônio, teoricamente eu nem seria contra. E no caso da ação, se acontecer uma desvalorização, tem alguma repercussão quanto ao que eu devo de imposto de renda? Neste particular, não há opção.