Artigo: Nova proposta sobre imposto global

*Por Paulo Dantas

A reunião realizada em junho de 2021 pelos ministros das finanças do G7 (Reino Unido, USA, França, Itália, Japão, Canadá e Alemanha), em Londres, resultou no entendimento de que seja criado um imposto global com alíquota de 15%, a incidir sobre os lucros das grandes corporações  multinacionais, em especial  as gigantes digitais, as chamada big techs, nos países onde são gerados tais lucros, mesmo que isso ocorra nos paraísos fiscais, no contexto de um projeto que foi definido como uma vasta reforma tributária, a ser conduzida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na sequência, começo de julho/2021, a mídia internacional deu conta de que o projeto já contava com o apoio de 130 países.

No papel, parece uma boa ideia, pois, além de combater a ação dos paraísos fiscais, também possibilita a criação de fundos financeiros que poderiam impulsionar e reconstruir as economias dos países pobres, abalados pela pandemia do corona vírus, conforme foi destacado.

Formalmente, contudo, algumas deformações são identificadas, cabendo de pronto destacar que o projeto para uma reforma tributária global demanda procedimentos essencialmente globais, o que não ocorreria com o imposto idealizado em junho/2021, que tem no seu desenho a aplicação de práticas próprias dos atuais tributos nacionais, basicamente o imposto de renda. Além disso, ainda à luz do que foi divulgado, o imposto global seria cobrado e arrecadado por sujeitos ativos nacionais que, no caso brasileiro, por exemplo, poderia ser a Receita Federal do Brasil, fazendo parte, naturalmente, do orçamento também nacional, mesmo que o produto da arrecadação seja transferido para o sujeito ativo da potencial relação tributária.

Um tributo mundial sobre as transações cambiais é o mais indicado para superar as deficiências da proposta do G7. A indicação se justifica em razão das características essencialmente globais possíveis, ou seja, que o fato gerador a ele relacionado envolva agentes internacionais residentes ou estabelecidos em países diferentes, além de ter boa base de incidência (volume de transações). Acrescente-se ainda a necessidade de que o tributo seja arrecadado em âmbito global, com uma característica toda especial, a ser adotado completamente fora dos orçamentos nacionais, com o objetivo de evitar interferências dos dirigentes nacionais, dentro de um contexto de nova governança financeira global, no que seria o aperfeiçoamento da ideia do economista norte-americano James Tobin, nos anos setenta do século passado.

A proposta presume a atuação na atividade financeira internacional buscando tributar o extraordinário fluxo financeiro global (hipótese de incidência), cujo fato gerador seria a realização de operações cambiais internacionais, tendo como sujeito passivo (o contribuinte) apenas o remetente do recurso. A base de cálculo seria o valor de cada operação, sobre o qual incidiria uma alíquota de 0,1% (muito se fala em alíquotas de 0,01% a 1%). O local da operação seria sempre o país do pagador.

A proposta do G7 para que a OCDE conduza o que seria “uma vasta reforma tributária” também não é a mais indicada, em razão das limitações da própria Organização que congrega apenas 38 estados internacionais, com alguns candidatos ao ingresso, incluído o Brasil. O mais adequado para tal fim seria a escolha da própria ONU como sujeito ativo de uma bem estruturada relação tributária global, com a eleição de Alto Comissariado para a condução dos procedimentos operacionais.

No final de 2020 o saldo dos ativos financeiros globais era da ordem de US$ 582,0 trilhões, o que corresponde a 6,6 vezes o valor do PIB mundial daquele ano de US$ 87,7 trilhões (Fonte: Banco Internacional de Compensações – BIS).

Originado daqueles ativos financeiros, consta que um volume de operações cambiais de US$ 5,5 trilhões ocorre diariamente (Fonte: BIS), que, submetida a hipotética tributação com alíquota de 0,1%, resultaria numa arrecadação diária de US$ 5,5 bilhões, ou US$ 1,375 trilhão anual, em 250 dias úteis, o que corresponde a mais de nove vezes os US$ 150 bilhões projetados pelo G7 com o proposto imposto mínimo global, o que indica a possibilidade de boa produtividade fiscal para a sugestão aqui apresentada.

A arrecadação aqui projetada poderia sim ser aplicada pelo sujeito ativo exclusivamente nas nações mais pobres do mundo em ações nas áreas da educação, saúde, habitação, saneamento, questões climáticas, combate à fome e, principalmente, na saúde, bem a propósito das evidentes necessidades decorrentes do Corona vírus.

Alguns outros detalhes ainda merecem destaque no tocante à demonstração da viabilidade na adoção do tributo global nos termos aqui sugeridos: não dependeria da generosidade dos dirigentes dos países ricos; não afetaria a livre movimentação de capitais; poderia contribuir significativamente para diminuição ou até eliminação do movimento de dinheiro sujo no mundo, com reflexos perante as operações dos paraísos fiscais; favorece o combate à guerra fiscal entre países; pode alcançar todas as operações cambiais, inclusive as realizadas por bancos centrais; seria necessária a instalação de uma robusta plataforma de pagamentos eletrônicos.

Em setembro de 2015 os líderes internacionais, em Nova York, adotaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com destaque para o “Objetivo 1. Acabar com a pobreza” e para o “Objetivo 2. Acabar com a fome”. Pretendeu-se aqui demonstrar que o mundo tem recursos mais do que suficientes para enfrentar essas chagas, a pobreza e a fome; até porque é inadmissível que se veja os retratos da miséria na África faminta e de partes das regiões Norte e Nordeste brasileiras sem que nada toque as mentes e corações dos homens e mulheres do terceiro milênio.

Thomas Piketty, na sua magistral obra O Capital no Século XXI, diz que a sua ideia de um imposto mundial sobre o capital é uma utopia útil (p. 501). O que está aqui proposto não é diferente. É utopia, mas é viável. O que conforta é a certeza de que a humanidade não avança sem o concurso dos utopistas.

Paulo Dantas é especialista em Direito Tributário e Administração Financeira Governamental e vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

Publicado originalmente no veículo Reconta Aí.