Felipe de Holanda e Ricardo Paixão debatem as lições da pandemia

Os aprendizados econômicos da pandemia foram debatidos pelos economistas Ricardo Paixão e Felipe de Holanda. Enquanto o primeiro trouxe uma visão otimista com o uso das tecnologias, o segundo apontou para questões referentes ao emprego e se mostrou mais pessimista.

Paixão foi o primeiro a falar e contextualizou os aspectos negativos da pandemia, como o desemprego e a desestruturação das cadeias produtivas. Mas o que a pandemia trouxe de possibilidades? O uso de ferramentas tecnológicas nas organizações. E mencionou três softwares específicos: Microsoft Teams, Zoom e Google Meet. O uso de usuários se multiplicou nos últimos dois anos. “Isso mostra como a pandemia teve que existir para que descobríssemos novas possibilidades e as utilizássemos para que pudéssemos tocar a economia”, comentou Paixão.

O economista argumentou que as ferramentas trouxeram novas possibilidades com redução de custos e, inclusive, incremento da produtividade. “Como professor, sempre penso nas atividades acadêmicas. Quantos congressos, quantos eventos estas ferramentas podem viabilizar, eventos virtuais que antes pensávamos numa escala menor e deixávamos de fazer. Dei aula em Linhares-ES, era difícil trazer uma palestrante de Vitória”, afirmou. “Não digo que agora os eventos e trabalhos serão sempre assim. Temos problemas com a segurança do sistema e o final da internet. Mas o uso destas ferramentas permitiu que continuássemos desenvolvendo nossos trabalhos e projetos. Muitas empresas que poderiam encerrar suas atividades continuam ativas”.

Paixão trouxe exemplos concretos. A realização do IV Encontro de Economia do Espírito Santo, em 2013, custou em torno de 41 mil reais. O VIII Encontro, previsto para 2021, por enquanto não tem custos. O encontro de funcionários do Sistema Cofecon/Corecons, em 2019, realizado de forma presencial, teve um custo de R$ 130 mil. Em 2021, realizado de forma on-line, o custo foi de R$ 5 mil. “A diferença é brutal e pode viabilizar uma série de ações até para que empresas e outras organizações possam superar o momento de pandemia”, analisou. E terminou dizendo que “estamos diante de um grande desafio que a pandemia trouxe. Mas temos que pensar no pós-pandemia para usar estas ferramentas nos vários setores da economia com eficiência”.

Felipe de Holanda escolheu o mercado de trabalho como ponto central da sua fala e começou caracterizando a peste negra, que matou um terço da população europeia entre 1348 e 1351, gerando impactos demográficos durante 150 anos. “Ela foi um dos principais fatores que levaram à transformação nas relações de trabalho e no regime de propriedade territorial, que pavimentaram o caminho para o capitalismo moderno”, afirmou Holanda. “Nós não vamos nos livrar desta pandemia com duas vacinas nem com três. Ela trouxe interrupções em ciclos de atividades, principalmente serviços, e nas cadeias globais de suprimentos”.

As políticas keynesianas de enfrentamento aos danos econômicos trouxeram pressões inflacionárias – e o economista avalia que o Brasil colhe na integralidade os impactos da inflação de commodities por meio da depreciação do real. Quanto ao mercado de trabalho, falou que vem em um processo de desestruturação por meio de três ondas: a recessão de 2015/16, as reformas constitucionais (lei da terceirização, reforma trabalhista, ampliando o impacto da recessão sobre os salários) e a aplicação de um duro ajuste fiscal, que desde 2017 reduzem o gasto per capita do governo em educação, saúde, assistência, ciência e tecnologia. “E a formação bruta de capital fixo caiu para um mínimo de 1% do PIB. Tudo isso reduz a capacidade do consumo de sustentar a demanda agregada, analisa.

Holanda apresentou gráficos sobre a força de trabalho ocupada e mostrou dados do emprego. “O crescimento grande é dos que trabalham por conta própria, e a pandemia acrescentou insulto à injúria. Ela mesma é uma quarta onda desestruturadora. A inflação batendo nos dois dígitos aprofundará a erosão dos ganhos médios reais numa estrutura laboral crescentemente informal”, pontuou o economista. “Alguns cenaristas apontam a emergência de um complexo industrial da saúde e que tem que ser mais nacional. Mas a adoção forçada de muitas empresas ao home office acelerou um processo que terá impactos demissionários no curto prazo. Como professor, mantive meu emprego, tenho um bom equipamento e uma boa banda larga, mas usufruí de referências educacionais e do mundo digital de uma forma que não é verdade para muitas camadas da população. No Brasil, a discussão do 5G simplesmente não é prioridade, quando deveria ser para servir à educação pública do país”.