Presidente fala ao Valor sobre manutenção de reservas internacionais

Ex-secretário do ministério da Economia, Alexandre Manoel publicou artigo no blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) questionando o porque de o Brasil manter um volume de reservas internacionais muito acima do que seria o “nível ótimo”. O colchão em moeda forte está em US$ 354,4 bilhões e é um dos poucos indicadores que o Brasil conserva de uma economia com grau de investimento pelas agências de rating, condição perdida em 2015.

“Parece razoável solicitar esclarecimentos sobre a motivação relativa ao aumento de reservas cambiais, principalmente quando também se considera o atual endividamento bruto (86% do PIB) e que eventual desfazimento de reservas ajudaria a diminuí-lo”, diz o texto. “Ademais, é possível que isso ajude a mitigar os prêmios de risco e a diminuir o descolamento do câmbio de seu patamar de equilíbrio entre R$ 3,70 a R$ 4,50.”

Ele reconhece que a acumulação de divisas tem benefícios, como deixar o país menos vulnerável a crises externas, mas pondera que também há custos, já que a taxa de juros interna normalmente é mais alta que a dos Estados Unidos. No artigo, porém, lista estatísticas. Uma delas, do ex-presidente do BC Ilan Goldfajn, mostram que, com a desvalorização do real, os resultados financeiros das reservas também foram positivos para o país.

Desde 2019, o BC tem vendido dólares, como parte de uma estratégia acertada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para reduzir a dívida, aproveitando momentos de maior volatilidade, como o início da crise da pandemia.

Manoel considera, contudo, que é preciso ir além, em um quadro mais tranquilo nas contas externas. E sugere a venda de até 5% do PIB dos dólares guardados.

Ele lembra que, com a desvalorização cambial, as reservas, mesmo com vendas, cresceram em relação ao tamanho da economia, passando de 18,8% do PIB em dezembro de 2019 para 23,9% em fevereiro de 2021. “Por sua vez, antes do início da pandemia, a dívida bruta era de 75,2% do PIB, enquanto a dívida líquida equivalia a 52,5% do PIB. Um ano depois, a dívida bruta aumentou para 90% do PIB, enquanto a dívida líquida aumentou em menor proporção, indo para 61,6% do PIB (beneficiando-se da valorização das reservas internacionais)”.

Manoel evoca o problema da recente alta de preços para reforçar sua tese “Agora temos uma inflação pressionada no curto prazo e o BC diz justamente que a parte mais importante para explicá-la foi a depreciação cambial, que inflou sobremaneira o preço dos bens comercializáveis (alimentos, combustível, etc). Logo, contribuir para um câmbio menos depreciado poderia ajudar (indiretamente) o BC a combater a inflação e com isso poderia ter ciclo e ritmo menor de normalização taxa de juros”, disse ao Valor.

O que ele propõe é o oposto do que ocorreu nas gestões petistas, principalmente no governo Dilma Rousseff, quando a compra de dólares visava reverter a forte valorização do real e tentar melhorar a competitividade industrial.

Manoel defende que o BC precisa esclarecer suas motivações em manter as reservas elevadas. “É possível especular que o sistemático acúmulo de reservas em proporção do PIB ocorra com o objetivo de manter o real mais depreciado que o seu valor justo.

Neste caso, o acumulo sistemático tende a resultar não apenas em maior custo de carregamento e endividamento bruto, mas também menor poder de compra dos consumidores domésticos”, afirma no artigo.

Procurado, o BC não quis se manifestar. Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Fabio Terra discorda da tese de Manoel e diz que o Brasil deveria era até acumular mais reservas, aproveitando a fase de juros baixos internamente. Ele ressalta a importância desse “seguro” para momentos de adversidades.

“Reservas funcionam como um seguro de duas frentes: i) prática, permitindo intervenções amplas e contínuas quando há choque, amenizando sobredepreciações, e ii) dissuatória, por reduzir riscos cambiais, reduz chance de que o capital estrangeiro faça saída em manada”, explica. “Toda reserva que parece muita, quando há choques fortes pode ser insuficiente.”

Para Terra, embora o câmbio de fato afete os juros (pela via da inflação), as reservas não teriam poder de reverter tendências, apenas de atenuá-las. “Elas ajudam a amenizar a reação do juro Selic à volatilidade do câmbio. Contudo, a reserva não é capaz de ditar o destino do câmbio: isso depende do fluxo internacional de capital”, diz.

Terra também contesta o argumento fiscal. “Vender reservas não reduz dívida pública”, comenta, lembrando que o pagamento de dívida pelo Tesouro se transforma em dívida por meio das operações compromissadas do BC, que só deixará de ocorrer com os depósitos voluntários. “Reservas trazem ganhos, e não apenas contábeis, à União. Sempre que o BC vende reserva acima do preço médio de compra delas, ele ganha – e este ganho é um retorno de um patrimônio público”, disse. “Os anos de 2020 e 2021 vêm ensinando: reservas nunca são demais. Não por menos a China tem US$ 4 trilhões.”

O presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Correa de Lacerda, avalia que o Brasil pode reduzir as reservas, entre 10% e 15% do total. “Costumo dizer que acumular reservas é como fazer seguro de casa ou automóvel, em geral dispendiosos: terminado o período e não ocorrendo nenhum acidente você pode chegar à falsa conclusão que não valeu a pena”, disse, ressaltando a necessidade de mantê-las.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/07/23/economista-defende-reducao-de-reservas-para-ajustar-divida.ghtml.