Artigo – Inflação no Brasil voltou a pressionar as decisões dos agentes econômicos

A inflação no Brasil voltou a representar um aspecto relevante para as decisões dos agentes econômicos. Dessa vez, no entanto, esse movimento de elevação de preços não está relacionado ao aumento da demanda, mas a choques de oferta. Primeiro, houve uma disparada nos preços das commodities (matérias-primas e grãos, por exemplo), cujos preços são formados no mercado internacional, a partir do movimento de demanda física, mas também influenciados pelas posições nos mercados futuros.

Uma das consequências da financeirização observada na economia global nas últimas três décadas foi que as commodities também se transformaram em ativos financeiros, na medida em que, seja por operações de hedge, visando à proteção dos comerciantes, seja por posições especulativas de operadores, formam suas posições.

Os movimentos de preços, no entanto, têm sido díspares. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15), que é uma prévia da inflação oficial, atingiu 6,17% nos 12 meses acumulados até abril, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) chegou a 32% no mesmo período!

Tornou-se prática mercadológica no Brasil, também em função do longo histórico de inflação, a adoção de critérios de reajuste para contratos envolvendo as relações interempresariais. Em geral se estabelece o reajuste dos preços contratados baseado na variação porcentual acumulada de um determinado índice de preços, que são baseados na variação observada em uma determinada cesta de consumo média, referenciadas às faixas de renda.

Criado na década de 1940 pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o IGP-M é utilizado até hoje como a principal referência para correção de aluguel residencial e comercial e também no cálculo dos reajustes de tarifas como energia, telefonia e transporte público. O IGP-M é composto por três subíndices: o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60%, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com 10%.

O IPA, que tem maior peso no IGP-M, acumula 43,59% nos 12 meses até abril, é muito influenciado pela desvalorização do real, que afeta diretamente os custos de produtos importados, inclusive commodities como soja, no mercado agrícola, ou o minério, na indústria.

A expressiva elevação nos preços das commodities no mercado internacional, combinada com a desvalorização cambial, tem gerado significativos aumentos nos preços de insumos e matérias-primas por parte dos fornecedores. Estruturas de mercado de monopólio ou oligopólio também afetam a formação de preços. A situação também tem afetado o abastecimento comprometendo e afetando a cadeia produtiva.

Esses movimentos de preços não são, necessária e imediatamente, refletidos adequadamente em determinados índices de inflação, mesmo aqueles mais usualmente utilizados como parâmetros para fixação de critérios de reajuste de preços interempresariais, públicos e privados. Isso ocorre em razão de aspectos metodológicos já mencionados, como a composição e abrangência dos diferentes índices.

O quadro descrito aponta para um potencial desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados, o que afeta diretamente a viabilidade operacional e econômica, comprometendo a normalidade operacional. A situação exige uma repactuação de contratos, de forma a preservar minimamente os valores preestabelecidos, evitando que o desequilíbrio venha a inviabilizar o fornecimento de produtos e/ou a prestação dos serviços.


Antonio Corrêa de Lacerda é diretor da FEA-PUC-SP, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), publicou, entre outros, ‘O Mito da Austeridade’ (Editora Contracorrente).
Artigo publicado originalmente no Estadão.