Artigo – A crise: nas mãos do Congresso ditar o seu futuro, e das instituições

Por Dercio Garcia Munhoz. Economista Emérito pelo Corecon-DF. Foi Professor Titular de Economia da UNB. Ex-Presidente do Conselho Federal de Economia e do Conselho Nacional da Previdência Social.

O Brasil atravessa um momento crucial, ao ter de enfrentar, ao lado da batalha contra a coronavírus – que é uma luta pela vida, outros desafios paralelos, como agir na proteção das pessoas e das famílias, e atuar visando impedir a desorganização da economia e da administração pública.

Esse rol de tarefas envolve a busca de novos recursos, por parte do Governo, que dêem suporte às maiores demandas na área da saúde, garantam ações de transferência de renda para a população mais vulnerável, minorando as agruras do desemprego, e permitam ajudar empresas mais frágeis. E, ainda, meios que propiciem a recomposição de perdas fiscais dos estados e municípios, e do próprio orçamento federal, devidas ao recuo das atividades econômicas, visando com isso assegurar o funcionamento dos serviços públicos essenciais.

Se as questões a quem assistir, e como, e a quem fazer as transferências institucionais, e em que níveis, estejam definidas – embora em termos precários e claramente insuficientes, continua pendente um ponto fundamental – já que danoso o encaminhamento até agora presenciado – que é a escolha de um modelo adequado de financiamento dos dispêndios extraordinários a cargo do Tesouro.

Definir como buscar recursos financeiros é objetivo prioritário, dadas as implicações da escolha. Pois a forma modelada nas propostas em discussão – um explosivo déficit orçamentário de muitas centenas de bilhões de reais – inevitavelmente levará ao amordaçamento do Congresso. E, consequentemente, a sua submissão futura aos desígnios do super-ministério que domina a Esplanada; o que significaria um enterro sem fanfarras do sistema político assentado na separação dos poderes.

É imperioso concluir, portanto, que ou o Congresso desperta para o que vem sendo construído, ou jamais será perdoado. Não só pelo coração e mente dos brasileiros, como pelo espírito de um afrontado Montesquieu.

Existem dois caminhos para o financiamento dos dispêndios emergenciais:

(a) jogar todos os gastos no orçamento fiscal, como admitem os projetos de lei em debate – implícito também na genial criação do orçamento paralelo; ou

(b) financiar o programa emergencial, incluindo a recomposição de perdas fiscais dos orçamentos federal, estaduais e municipais – com recursos não orçamentários.

Sim, existem recursos suficientes, de diferentes fontes, dentro do Governo. Que permitem cobrir as necessidades emergenciais, sem refletir no orçamento ou na divida publica (v. A Crise: Um Fundo de Emergência de R$ 1,0 Trilhão de Reais. Sem Mexer no Orçamento e Sem . . . In blog www.economiasemrodeios.com.br). Nada de excepcional. Nem mesmo emissões extraordinárias de papel moeda.

OS RISCOS QUE CORREM O CONGRESSO E O PAÍS

A diferença entre as alternativas de financiamento possíveis é a mesma da água para o vinho. Déficits orçamentários vão requerer a emissão de novos títulos públicos, aumento da divida federal, elevação das despesas com juros – cujo montante já alcança entre R$ 350,0 e R$ 400,0 bilhões anuais, o que faz do país um indefeso e exaurido refém.

Se o Governo fizer em 2020 um gasto efetivo da ordem de R$ 700,0 bilhões nos programas emergenciais – nada a ver com empréstimos bancários que sufoquem as pequenas e médias empresas – com o desequilíbrio fiscal já existente, e mais a atual conta dos juros, o déficit do ano vai tangenciar 1,2 trilhão de reais. Opção que provocaria um aumento em 2021 de mais de R$ 100,0 bilhões nas despesas de juros do Tesouro – algo próximo dos gastos federais com saúde em 2019. Juros que se multiplicariam nos anos seguintes.

Com um déficit explosivo, adeus Congresso. O Parlamento se tornará presa fácil na armadilha do covil de fake news. Depois disso, a mesma enxurrada de dados adrede preparados, já rotineira, que tem inundado o Congresso e o conjunto da nação, anuviando o debate em momentos de discussão de temas relevantes.

Com o descontrole orçamentário o clima estará propicio para a repetição de advertências ministeriais, vinculando verbas ou programas sob apreciação legislativa à um liberalismo medieval obcecado pelo estado anão; e assim lançando os torpedos na direção da privatização da Eletrobrás, da Casa da Moeda e da Caixa Econômica, da Petrobrás e do Banco do Brasil. E daí porque não aos centros de pesquisa como a Embrapa, às universidades, SAMU, hospitais públicos e hemocentros ?

O Parlamento brasileiro tem agora a oportunidade de reafirmar sua autonomia, com o que estará preservando um sistema político onde a independência dos poderes é o marco da construção, a pedra fundamental, a base da estabilidade institucional.