Artigo – Do Poço ao Topo

Quando aprendi a nadar com meu mano velho, literalmente conheci o fundo do poço – isto porque ele não dava mole nos seus ensinamentos e cobranças sobre mim.

Lembro que o primeiro nado forçado foi em 1971 às margens, estreitas, do rio Coxipó. Pela metade da manhã o rio encontrava-se cheio, devido a uma forte chuva que tinha ocorrido bem mais cedo. Ficamos a observar: ele, Chico Alicate e eu. Alguém embaixo de uma figueira diz: logo, logo, ele vai baixar.

Não deu outra. Rio mais baixo, os dois já foram entrando naquela forte correnteza e avançaram de uma margem à outra. Em verdade, ficaram igual a “silimbu” subidos num grande galho de sarãzeiro, à beira do rio, na margem oposta à praia.

Continuei à beira do rio, e meu mano velho chamando-me: venha, você não quer aprender a nadar? Então? Vem já, rápido. E o chamamento não parava.

Fez uma ou duas aulas teóricas: entre na água até próximo a cintura, dê um impulso e bata o braço e as pernas fortemente para poder chegar até nós.

Tanto insistência que não tive outra saída. Era um rio estreito, em média, seis metros de largura, naquele trecho que a gente frequentava. A coragem veio e em rápidas braçadas consegui chegar ao galho de sarã onde os dois encontravam-se.

Passado o susto, quando estava me acalmando, meu mano diz: hora de pular e voltar para outra margem, “bora” logo. Eu ali parado, igualzinho a “silimbu”, também, como eles. Ele insistia: pula, pula logo, senão eu te empurro. Ele dizia, ainda: pule e nade a favor da correnteza, que você vai sair ali embaixo. Outra rápida aula teórica.

De tanta insistência, e o “senão eu te empurro” aos ouvidos, tomei coragem novamente e pulei em pé, e não de bico, como falávamos antigamente, com os braços e as mãos estendidas, inclinados para baixo, com o corpo quase que alinhado ao nível da água.

Nesse pulo, fui lá embaixo, consegui bater com os pés ao fundo do rio, que naquele local não era muito profundo, e voltei à flor d’água batendo os braços com toda força até voltar à beira da praia.

Ele ficou todo contente, mas, mesmo assim, dizendo: isso é pra você deixar de ser mole.

Vieram outros desafios: pular da Hidráulica (fundo pra caramba), determinado ponto de coleta de água, localizado na Beira Rio, próximo ao mercado do Porto, para tratamento e abastecimento de água; pular do arco da Ponte Velha (Ponte Júlio Muller); atravessar as correntezas da melancólica “estória” da Pedra 21, abaixo a referida ponte; dentre outros desafios superados, mas, sempre, com a ladainha: “senão eu te empurro”…

Esse aprendizado forçado com meu mano velho veio ser útil para mim passados, aproximadamente, 20 anos, quando levei para pescaria minha jovem dona patroa.

Estávamos em 4: minha patroa, meu tio Júlio, o primo Januário e eu. Era cedo, 6:30 da manhã, prontos para sermos atravessados de uma margem à outra, por um ribeirinho, lá na famosa Praia do Rebojo, em Santo Antonio de Leverger.

De pronto ele tinha dito: o barco está com um furinho bem ali no bico dele, mas não tem perigo. Dona patroinha já me olhou ressabiada, fiz que não percebi, mas, ela estava bem do meu lado, e se aproximou mais um pouquinho, devido a notícia dada.

Muito bem, remada daqui, remada dali, e quando estávamos aproximando da outra margem, ele alerta: vamos rápido porque está entrando muita água no barco.

Sei que meu tio e meu primo, como estavam mais próximos da proa do barco, quando saltaram, conseguiram imediatamente alcançar o começo do barranco; como a patroa e eu estávamos próximos a popa do barco, e com o barco já cheio de água, não vi a hora que ela segurou ao meu pescoço, com o barco a afundar.

Eu pedia para que ela soltasse do meu pescoço, e ela nem sabia nadar.

Foi aí que, naqueles tempos-relâmpagos quando tudo acontece, só via o pirangueirinho tentando segurar o barco junto a um galho de sarã, enquanto eu, passando de tudo pela cabeça (até o “senão eu te empurro”), dentre muitas coisas ruins, deixei a coisa fluir. Segurei a patroa – jamais a soltaria mesmo – e demos sorte com a Força Superior, e mais uma vez cheguei ao fundo de um pequeno poço, onde encontrei apoio e me impulsionei ao tocar com pés na areia. Foi o suficiente para que pudéssemos alcançar uma parte mais rasa e sairmos salvos.

Grande susto. Ficamos sentados ao chão daquele barranco, sem saber se ríamos ou sei lá o quê. Todavia, ninguém queira deixar de pescar e foi o que fizemos, com muita fartura de peixe naquele dia.

Mas bom mesmo foi a volta. Na estrada já, a patroa e eu no nosso Fiatzinho 147-C, branco, AC-4688, 1989, e meu tio e o primo, em um fusca branco, 1989, um pouco mais distante. Foi quando minha parceira de pesca me agradeceu muito e ainda disse: como seu tio Julinho está mais atrás, vamos aproveitar e catar uns pequis sob esse lindo entardecer. Só respondi: como não, minha paixão corajosa e amor! A estação do pequi estava no auge. Tinha muito pequi, era o topo do fenômeno natural produtivo.

Contrariamente a toda essa história real , nossa economia encontra-se no poço ou no vale do ciclo econômico.

A esse respeito, a pergunta que faço hoje é: por que nossos ciclos econômicos têm sido curtos em seus períodos de expansão e com baixos níveis de crescimento em anos recentes?

Responder a essa indagação, requer que nos escudemos em G. ARRIGHI, 1978, ao ponderar que os Ciclos Sistêmicos de Acumulação, ciclo Genovês, ciclo Holandês, ciclo Inglês, ciclo Americano e ciclo Chinês??? (menção indagativa nossa) foram capazes de gestar e gerar uma acumulação encadeada que fortaleceram e deram dinamismo ao capitalismo nessas economias-mundo.

No Brasil, nossos ciclos foram os não-sistêmicos, pau-brasil e ouro, e os sistêmicos, cana de açúcar, algodão, borracha, café, gado, e isto, sim, foi o que gerou nossas primeiras riquezas, pois, parte do lucro foi reinvestido internamente.

Esse longo processo de acumulação, porque não se produz e não se distribui sem acumular, foi fundamental para o processo de transformação da economia brasileira, que era basicamente primário-exportador, tornando-se industrializada, também com a participação ativa do Estado brasileiro.

Não me alongarei em repetir quão custoso e complicado foi todo esse processo, pois já me referi a esse respeito em outros artigos aqui publicados, porém as principais dificuldades têm a ver com as questões do financiamento do crescimento e desenvolvimento e a problemática da integração inacabada.

Dito isto, como corolário, enroscamo-nos em diversos problemas, a exemplo de inflação, distribuição de renda, dívida pública, juros altos, câmbio fora de lugar, etc., o que requereu um inteligente plano de estabilização para rebuscar níveis de emprego, renda, produto e preços a níveis compatíveis às necessidades e potencialidades brasileiras.

Oportuno dizer que a estabilização não concorre com o crescimento, pelo contrário, ela é condição para o crescimento e o desenvolvimento; por isso as reformas, na ordem de muitos dias atrás, hão de ser negociadas junto ao Congresso, mesmo neste período de eleições municipais, porque somente assim haverá possibilidades para que os políticos representativos inovem em seus discursos, explicando e conclamando o povo organizado politicamente, sentido de Nação, a participarem dessa nova transformação que se aventa ao Brasil.

Portanto, numa visão keynesiana efetiva, é importante que o Estado brasileiro não caia na armadilha das crises, isto é, a cada crise ampliar a sua participação na economia através de gastos correntes plenos (consumo e investimento).

Que me permitam os economistas do Grupo A, diante da potencial tríade destrutiva (fundo do poço) dívida pública / juros / riscos (default), parece-me que não é o momento para política anti-cíclica, via gastos públicos, como alguns economistas deste grupo já ressaltaram, porque, a demanda efetiva faz parte da demanda agregada que se realiza na aquisição de serviços e bens, e não somente a potencial procura por esses, mesmo que reprimida.

Por isso, a criação de ambiente institucional – estabilidade institucional – será a melhor política econômica que o atual governo poderá fazer para continuarmos a sair do poço da recessão e trilharmos caminhos para o alcance do topo de um novo ciclo econômico latente, de maneira duradoura e sustentável, que proporcionará a retomada do gasto público eficiente, gerador de inclusão racional e autônoma, oriunda dessa mesma estabilização institucional e acumulação eficientemente produtiva e distributiva, suavizando ou eliminando dessa forma as flutuações cíclicas críticas de médio e longo termos.


Ernani Lúcio Pinto de Souza, 57, cuiabano, economista da UFMT, especialista em DRH pelo programa MEC-BID III/UFMT/UFAL e mestre em planejamento do desenvolvimento pela ANPEC/NAEA/UFPA. Foi vice-presidente do CORECON-MT. ([email protected])