Mulheres economistas discutiram gênero, trabalho e mobilidade ocupacional

O XXIII Congresso Brasileiro de Economia foi palco de mais uma edição do Fórum das Mulheres Economistas, que desde 2016 vêm ocorrendo nos principais eventos do ano do Sistema Cofecon/Corecons. Neste ano, o debate ocorreu no dia 17 de outubro e foi coordenado pela conselheira Denise Kassama Franco do Amaral, ao lado da coordenadora do Grupo de Trabalho Mulher Economista, do Cofecon, Maria Auxiliadora Feitosa.

Primeira a se apresentar, a economista Ana Claudia Arruda, presidente do Conselho Regional de Economia de Pernambuco (Corecon-PE) apresentou um histórico sobre como a mulher foi retratada na história da civilização humana até hoje. Citou discursos dos grandes pensadores na história das ideias, como Aristóteles, que de certa forma não relevam o papel da mulher na história da civilização humana. “Quando a gente observa, hoje, todos esses comportamentos em relação a mulher, percebemos que eles são frutos desse processo de construção dos discursos que levam às representações e que são importantes, inclusive, para definir o nosso papel e a nossa condição na sociedade no Brasil e no mundo”, disse Ana Claudia.

A economista acredita que o processo de violência a que a mulher está submetida é construído ao longo de muitos anos e que é possível observar isso a partir dos discursos dos pensadores que ainda hoje são referência para o mundo. Citou o exemplo de Aristóteles, em sua obra A Política, em que afirmou: “A relação de macho para fêmea é por natureza uma relação de inferior e superior e de governante a governado”, e ainda “a coragem do homem revela-se no comando e da mulher na obediência”. 

Já a economista Norma Casseb apresentou o retrato da crise da atividade econômica, com dados de desaceleração econômica a partir de 2013. “Precisamos reverter a crise para um quadro de crescimento. Há cerca de 60 milhões de pessoas fora do mercado formal de trabalho, num país pobre com uma das maiores concentrações de renda do mundo, e isto é muito preocupante e revoltante diante das possibilidades do nosso País”, disse.

Norma apresentou dados referentes a situação das mulheres no mundo: 34% trabalham com contratos temporários de pouca duração (parte explicada pela dupla jornada de trabalho), enquanto que, para o homem, esse percentual cai para 16%, segundo a OIT. “Mulheres que vão para o mercado de trabalho estão longe de atuarem dessa forma por razão de independência feminista. Vão por absoluta necessidade, porque não podem ficar em casa cuidando dos filhos ou desempenhando atividades domésticas. Essas profissionais serão super exploradas, com rendimentos menores, mas trabalham para aumentar a renda familiar”, completou a professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Norma também revelou dados como o de que as mulheres com filhos recebem 35% a menos do que as mulheres sem filhos, e que os homens recebem, em média, 29% a mais que as mulheres, embora as mulheres tenham nível de escolaridade maior.

Cristiane Mancini falou sobre assédio no trabalho, apresentando dados nacionais e internacionais sobre o tema. A economista afirmou que o estado da Bahia apresenta o maior número de casos de assédio por ano, no País. Ao todo, são registrados 27.782 casos por ano, sendo 232 de assédio sexual. “São dados muito alarmantes e preocupantes”.

Outro número apresentado por Cristiane é de que, no Brasil, apenas 13% dos cargos de CEO são ocupados por mulheres, o que refere-se a diretoras, vice-presidentes e membros de conselhos. “Mesmo que 40% da força de trabalho seja feminina, apenas 13% estão em cargos de relevância. Essas mulheres que ocupam posições de destaque certamente tiveram que passar por alguma situação de assédio”, lamentou a economista. Cristiane também chamou a atenção para o fato de que o maior percentual de mulheres que ocupam cargos de CEO encontra-se na área de vendas, em que precisam estar em contato com o cliente o tempo todo, o que aumenta ainda mais as chances de assédio.

Por fim, a economista Mariana Jansen apresentou dados sobre a mulher economista no mercado de trabalho, considerando a baixa representatividade. “Tem uma série de questões que a gente precisa refletir sobre qual é a participação da mulheres na própria formação da Economia. Por que há, hoje, uma participação tão pequena nas salas de aula, de mulheres ingressando na formação econômica? Como é o papel da mulher na Economia enquanto profissional e, pensando na academia, qual é o ambiente que a gente constrói para essas mulheres”, refletiu. 

Mariana trouxe uma reflexão sobre a própria construção da Ciência Econômica e da reflexão da Teoria Econômica, sobre como pensa o lugar da mulher e qual é a construção que as profissionais podem fazer de uma economia heterodoxa crítica a partir desta perspectiva. A economista abordou o fato de que em 2019 alguns dos principais cargos de economista-chefe de instituições importantes para a Economia do mundo são ocupados por mulheres, como FMI e OCDE. Além disso, duas mulheres venceram o Nobel da Economia. “Se eu analiso esses dois fatos isolados, eles podem passar a percepção de que nós temos uma evolução importante da participação da mulher dentro da Economia. É claro que isso não é mentira, esses cargos existem, nossa participação existe, mas embora tudo isso seja muito importante, isso escamoteia, na verdade, um processo de não transformação. É essencial a gente tentar entender qual é o papel da própria formação da Economia para a situação que a gente vive hoje e qual é o espaço que a mulher efetivamente tem para além de exceções que podem ser inspiradoras mas que não explicitam qual é o efetivo quadro das possibilidades da Economia para as mulheres”, finalizou Mariana Jansen.