Artigo – O Empreendedorismo e a participação das Mulheres

Por Bianca Lopes de Andrade Rodrigues – Economista, conselheira do Cofecon, foi vice-presidente da autarquia em 2018.

Panorama geral do Brasil

O desenvolvimento do empreendedorismo é um importante impulsionador do crescimento e do desenvolvimento econômico em todo o mundo. De acordo com a publicação Demografia das Empresas e Estatísticas do Empreendedorismo: 2016 feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, o registro de empresas ativas no Cadastro Central de Empresas – Cempre em 2016 foi de 4,5 milhões de empresas. Desse panorama, do total de empresas ativas, 85,5% (3,8 milhões) eram empresas sobreviventes e 14,5 % (648,5 mil) corresponderam as entradas de novas empresas: nascimento e reentradas. As empresas que saíram do mercado corresponderam a 719,6 mil empresas.

O relatório destaca que, como ocorreu em 2014 e 2015, o saldo de empresas foi negativo, considerando a diferença entre as entradas e saídas, uma vez que a entrada de novas empresas somaram 648,5 mil e as saídas totalizaram 719,6 mil. Um decréscimo de 1,6% no número de empresas registradas e ativas. Em números de pessoal ocupado, essas empresas ocupavam 38,5 milhões de pessoas sendo 32 milhões (83,1%) assalariados e 6,5 milhões (16,9%) na condição de sócio ou proprietário. No comparativo com 2015, também ocorreu um decréscimo de pessoal ocupado de 4,9%.

Em relação ao sexo, observou-se em 2016, o percentual de pessoal ocupado assalariado predominantemente masculino nas empresas sobreviventes (60,8%), nas empresas entrantes (58,1%) e nas que saíram do mercado (58,3%). No total geral das empresas ativas, as mulheres correspondem 39,2% do pessoal ocupado assalariado. Apesar de ter ocorrido um aumento da participação da mulheres no pessoal ocupado assalariado de 2009 (31%) para 39,2 em 2016, ainda é inferior a participação dos homens.

 

O empreendedorismo no Brasil

O relatório Empreendedorismo no Brasil 2017 do GEM trata do perfil do empreendedor e o utilizamos para essa análise. Como descrito no relatório GEM 2017, no ano de 1999, em caráter piloto, iniciou o projeto de pesquisa Global Entrepreneurship Monitor – GEM buscando retratar as características dos empreendedores e seus negócios. Essa iniciativa foi conduzida e liderada por duas instituições internacionais mais renomadas na temática do empreendedorismo, a Babson College, nos Estados Unidos, e a London Bussines School, na Inglaterra. Na ocasião apenas 10 países participaram do projeto. O Brasil, já no ano seguinte (2000), inicia a sua participação no GEM e desde então está presente em todas as edições da pesquisa tendo a responsabilidade da coordenação do projeto o Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), com suporte técnico e financeiro do Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

O estudo tem o foco central na pessoa do empreendedor, sendo a fonte primária da informação. Considera empreendedor “aquele individuo que realizou esforços concretos na tentativa de criação de um novo empreendimento, como por exemplo, uma atividade autonoma, ou uma empresa, seja ela formalizada ou não, bem como a expansão de um negócio já existente. Assim sendo, é o sujeito que empreende que apresenta suas características (idade, escolaridade, renda familiar…), manifesta suas expectativas (como criação de postos de trabalho ou inserção internacional) e descreve o negócio com o qual está envolvido (porte, estágio, inovação e segmento de atuação). O Estudo engloba além dos empreendedores que estão a frente de negócios bem estruturados e negócios de sucesso, os negócios muitos simples, que se encontram na base da pirâmide que empreendem para subsistência e os negócios de alto valor agregado e com conteúdo inovativo.

 

Taxa de empreendedorismo no Brasil (oportunidade x necessidade)

Esse estudo utiliza como amostra indivíduos com idade entre 8 e 64 anos de idade para calcular as taxas de empreendedorismo. Essas taxas que representam o percentual de empreendedores existentes no Brasil,demonstram o estágio do empreendedor e quais são as suas motivações para empreender: por oportunidade ou necessidade. 

Para o ano de 2017, o estudo mostrou uma taxa total de empreendedorismo (TTE) de 36,4% que, de acordo com o relatório, significa que 36 brasileiros adultos a cada 100 brasileiros estão conduzindo uma atividade empreendedora. Esse percentual corresponde a quase 50 milhões de brasileiros que realizaram alguma ação para criar um empreendimento ou aperfeiçoou um negócio já estabelecido. Esses números refletem o papel que o empreendedorismo tem na vida dos brasileiros que pensam em abrir o próprio negócio para realizar um projeto de vida ou por que se viram forçados a seguir este caminho por necessidade.

A pesquisa procura identificar motivação que leva pessoas a se envolverem com uma atividade empreendedora. Cabe um pequeno destaque a respeito desse tema pois permite analisar de que forma parcela da população considera a atividade empreendedora como alternativa de geração de renda e ocupação laboral de acordo com conjuntura econômica. Assim, o projeto classifica, para fins de estudo e mensuração, o empreendedorismo por oportunidade e por necessidade. Os empreendedores por oportunidade são considerados aqueles que, afirmam ter iniciado o negócio por terem, principalmente, percebido uma oportunidade de negócio no ambiente. Já os empreendedores por necessidade são aqueles que se engajaram em abrir um negócio pela falta de oportunidade de vínculo empregatício e geração de renda.

Conforme gráfico abaixo, houve um crescimento dos empreendimentos por necessidade no Brasil nos anos de 2015 e 2016. Esse aumento pode ser explicado pela crise econômica vivenciada no Brasil nesses anos e, a abertura de um negócio, pode ter sido alternativa para geração de renda face a falta de postos de trabalho remunerados disponíveis. Contudo, já em 2017, observou-se um pequeno aumento dos empreendedores por oportunidade que passaram a corresponder a 59,4% comparado a 57% do ano de 2016. Essa melhora na taxa do empreendedorismo por oportunidade pode ser explicado pela aparente recuperação da economia em 2017, sobretudo aos setores ligados ao mercado de trabalho mas ainda encontra-se acima do patamar verificado em 2014 (71%) que significa que o empreendedorismo por necessidade, que em 2017 foi de 40%, ainda está acima da proporção verificada em 2014 (29%), ano anterior  crise econômica.  

 

As mulheres empreendedoras

Tendo como pano de fundo para este artigo o mês que celebramos o Dia Internacional da Mulher, é importante apresentar o tema “empreendedorismo” e a participação feminino. Como acontece esse empreendedorismo? O que motiva as mulheres a empreenderem? Existe diferença entre homens e mulheres? Qual é a participação das mulheres na condução de negócios no Brasil? De acordo com a projeção do IBGE, as mulheres são maioria da população brasileira.

O relatório do GEM 2017 também identifica a intensidade da atividade empreendedora por segmentos da população. Cabe destacar que a metodologia adotada pelo estudo classificam os empreendedores por empreendedores iniciais, empreendedores estabelecidos e total de empreendedores. 

De acordo com os dados apresentados, a participação de homens e mulheres nas atividades empreendedoras, verificou-se que, em relação ao total dos empreendedores, os homens estão ligeiramente empreendendo mais do que as mulheres, uma diferença de 3 pontos percentuais e entre os empreendedores estabelecidos, a diferença é de 4 pontos.

 

Contudo, quando analisamos separadamente os empreendedores iniciais, as mulheres (20,7%) superaram os homens (19,9%) em quase um ponto percentual mostrando um movimento forte de entrada de mulheres em atividades empreendedoras.

Em relação a motivação empreendedora, pelos dados apresentados podemos perceber que a taxa de empreendedorismo inicial por necessidade tem ligeira prevalência das mulheres (51%) deixando evidente que a maioria delas iniciaram algum negócio em 2017 motivadas por alguma necessidade. Contudo, mesmo que o empreendedorismo feminino não tenha sido motivado pela oportunidade favorável ao mercado e sim por necessidade, esse fator contribuiu para melhorar participação feminina no mundo dos negócios empreendedores.

Interessante citar que, no relatório GEM publicado no ano de 2016, quando comparado com o resto do mundo, o Brasil e o México apresentam taxas mais balanceadas de empreendedores entre homens e mulheres responsáveis por novos negócios. Para aquele ano, a taxa de participação de mulheres nos empreendimentos iniciais foi de 19,9% enquanto que para os homens foi de 19,2%. Comparando o ano de 2016 com 2017, constata-se um ligeiro crescimento maior da participação das mulheres empreendedoras em novos negócios em relação aos homens.

O levantamento feito pela Rede Mulher Empreendedora em todo o Brasil em 2018 identificou o perfil da empreendedora brasileira: jovens empreendedoras, tem em média 39 anos, tem curso superior, é casada e tem filhos. Outro dado levantado pela pesquisa mostra que a maioria das empreendedoras decide empreender após a maternidade e que as razões emocionais são os grandes alavancadores dessa decisão, a possibilidade de trabalhar com o que gosta, flexibilidade no horário, alcançar uma renda melhor e inspirar as pessoas são alguns dos motivos apresentados pelas empreendedoras como motivador para encarar um novo negócio.

Outros dados interessantes coletados pela pesquisa da Rede Mulher Empreendedora mostram que empresas que já alcançaram o seu 3º ano,  3 em cada 10 negócios representam sustento único da família, a sua atuação está concentrada em Serviços (69%), comércio (25%) e terceiro setor  sendo 32% MEIs,  23% micro empresárias e 19% ainda atuam na informalidade. Quanto ao faturamento 46% faturam até 5 mil reais e apenas 4% conseguem um faturamento acima dos 50 mil reais. 60% não tem sócios e 37% empregam apenas mulheres. Disponibilizam de capital própria para iniciar os negócios e a maioria delas inicia sem capital. Quanto ao planejamento dos negócios, 86% das empreendedoras não planejam antes de iniciar, 65% delas misturam a conta da empresa com a conta pessoal e 45% evitam pedir empréstimos bancários com medo de assumir dívidas.

No agronegócio, comparativamente em relação ao Brasil como um todo, a participação da mulher nos negócios agropecuários ainda é baixa, mas, apesar de ter sofrido uma redução ao longo dos anos, apresentou uma leve recuperação nos últimos anos (2012 a 2015).  É o que mostra o estudo Mercado de Trabalho do Agronegócio Brasileiro: Mulheres no Agronegócio, edição especial, volume 1 (2018) realizado pelo CEPEA – ESALQ/USP.

As mulheres empreendedoras no mundo

Como no Brasil, também cresceu o número de mulheres que começaram a empreender em outros países. Segundo o estudo The Female Entrepreneurship Index (2015),  realizado pelo Instituto Norte Americano Global Entrepreneurship and Development Institue (TheGedi) . Estima-se que cerca de 30% de todos os negócios privados do mundo são operados ou tem como idealizador uma mulher. Quanto as características dos negócios, são quase similares aos das brasileiras, de baixo impacto. O estudo mostra também que para crescer os seus negócios, elas enfrentam barreiras sociais e econômicas. 

Quando o assunto é investimento externo, menos de 10% das empresas lideradas por mulheres recebem esse tipo de investimento, recebendo tratamento desigual das instituições financeiras. Se essas empresas lideradas por mulheres recebessem uma ajuda financeira igual ao dos homens, o número de empregos gerados poderia aumentar de forma considerável. Além desse obstáculo, a maioria delas, ainda declara ter menos conhecimento e ter menor grau de autoconfiança que o homem. 

Como vimos, o empreendedorismo feminino no Brasil, em sua maioria, ainda acontece por necessidade, refletindo a forte motivação de empreendedorismo por sobrevivência e o medo acarretado por não conseguir se inserir em uma ocupação remunerada. O mercado de trabalho sempre foi desafiador para a mulher, primeiro porque os homens sempre foram considerados mais competentes do que as mulheres, segundo porque muitas mulheres enfrentam o dilema de equilibrar vida familiar com o cuidado dos filhos e a vida profissional. Motivadas por sobrevivência, empreender tem sido uma porta de saída para obter recursos financeiros para seu sustento e de sua família o que tem elevado a sua taxa de participação no empreendedorismo brasileiro, mesmo sendo ainda ligeiramente inferior aos homens. 

Empreender é algo desafiador, ainda mais para os empreendedores que podem enfrentar problemas bem maiores por serem mulheres, afinal ainda vivem em um mundo pouco acostumado com a presença feminina na gestão dos negócios. Assim, para uma mulher empreender serão necessários convicção, força de vontade e engajamento para enfrentar os obstáculos que poderá encontrar no caminho.

 

Referências

IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA). Demografia das Empresas e Estatísticas do Empreendedorismo: 2016. Site do IBGE, 2018. Disponível em < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101612.pdf>. Acesso em 4 mar. 2019.

GEM (Global Entrepreneurship Monitor); IBPQ (INSTITUTO BRASILEIRO DE QUALIDADE E PRODUTIVIDADE); SEBRAE (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS); FGV-EASP (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS). Empreendedorismo no Brasil: Relatório Executivo 2017. Site do SEBRAE, 2018. Disponível em <https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Relat%C3%B3rio%20Executivo%20BRASIL_web.pdf>. Acesso em 4 mar. 2019.

GEM (Global Entrepreneurship Monitor); IBPQ (INSTITUTO BRASILEIRO DE QUALIDADE E PRODUTIVIDADE); SEBRAE (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS); FGV-EASP (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS); UFPR (UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ). Empreendedorismo no Brasil: 2016. Site do SEBRAE, 2017. Disponível em <https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Relat%C3%B3rio%20Executivo%20BRASIL_web.pdf>. Acesso em 4 mar. 2019.

REM (INSTITUTO REDE MULHER EMPREENDEDORA). Empoderamento feminino e empreendedorismo. Site do REM, 2019. Disponível em < https://rme.net.br/2019/02/15/empoderamento-feminino-e-empreendedorismo/. Acesso em 06 mar 2019.

REM (INSTITUTO REDE MULHER EMPREENDEDORA). W20: uma missão global para a igualdade de gênero . Site do REM, 2018. Disponível em https://rme.net.br/2018/10/08/w20-missao-igualdade-genero/. Acesso em 06 mar 2019.

REM (INSTITUTO REDE MULHER EMPREENDEDORA). Mulheres empreendedoras enfrentam grandes desafios no mundo dos negócios . Site do REM, 2018. Disponível em <https://rme.net.br/2018/03/27/empreendedoras-grandes-desafios/>. Acesso em 06 mar 2019.