Artigo – Mulheres, Desenvolvimento Econômico e (Des)igualdade de Gênero

Por Celina Ramalho –  Graduada e mestre pela PUC-SP. Doutora pela FGV-SP. Consultora na Semear Consultoria e Treinamento. Professora da Fundação Getúlio Vargas. Delegada Municipal do Corecon-SP.

 

A economia, definida como ciência social, é uma ferramenta fundamental na análise e nas questões relacionadas à posição da mulher na sociedade. Em reverência ao dia 8 de março, esta breve análise apresenta alguns dos nomes de mulheres que contribuíram grandemente para as suas sociedades e para a humanidade no século XX. Cita também os autores da economia que proporcionaram a teoria do desenvolvimento econômico, e por fim como o Banco Mundial tem analisado a evolução do bem-estar das mulheres no índice Women, Business & Law e a indicação de uma agenda urgente nas sociedades com desigualdade de gênero acentuada.

A presença feminina no Século XX

O Século XX teve como marco histórico a emancipação da mulher na sociedade. Ela se tornou presente nos inventos tecnológicos do início do século, tão logo levando a polonesa Marrie Currie ser a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel em 1903, o da Física, por suas contribuições científicas junto ao marido nas descobertas sobre a radioatividade.

E o que falar de Bertha Ringer Benz, nascida no Grão-ducado de Baden, região sudoeste da Alemanha. A riqueza de sua família não lhe isentaou das restrições ao gênero feminino da época, como a negação de acesso à educação de meninas. Aos 9 anos de idade Bertha teve acesso à escola e demonstrou seu grande interesse pelas ciências naturais, em específico a mecânica. Ao se casar com o engenheiro Karl Benz, atendendo à exigência da época, cedeu seu dote familiar ao marido. Assim ele investiu na Benz & Cie., onde foi desenvolvido o primeiro protótipo do automóvel, o Benz Patent-Motorwagen. E foi Bertha Benz a primeira pessoa no mundo a dirigir um automóvel a longa distância no ano de 1888, sem permissão legal, viajando de Mannheim a Pforzheim, percurso que soma 92 km. Com ela estavam dois filhos de 13 e 15 anos. Em 1944, na data de seu aniversário de 95 anos, Bertha foi laureada com o prêmio de Senadora Honorável do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, vindo a falecer 4 dias depois.

A emancipação da mulher também se apresentou nas sociedades mais desenvolvidas a partir da II Revolução Industrial, que tinha como um dos resultados as inovações acessíveis para uso das famílias como os eletrodomésticos. Os refrigeradores e a preservação dos alimentos mudavam o sentido da mulher na plantação ou criação de animais para o sustento da família. Os fogões a gás e a energia elétrica facilitaram o processamento dos alimentos e a manutenção das habitações. A indústria de utensílios de matéria plástica e produtos químicos para uso doméstico também foi um avanço na organização dos lares. E o perfil social seguia essas tendências das novas tecnologias da época. Tudo isso modificava o tempo da mulher em casa para mais disponibilidade ao mercado de trabalho.

A sintetização e industrialização do hormônio feminino permitiu o planejamento familiar. Com mais essa condição as mulheres, na segunda metade do Século XX, passaram a ter mais exposição e presença no mercado de trabalho. Sua presença modificou não só o ambiente de trabalho até então eminentemente masculino, mas também a representação política na sociedade.

Esse foi um processo iniciado nos países mais desenvolvidos, em que se destacaram nomes como o de Margaret Tatcher. A britânica era formada em Química e em sua longa carreira política chegou ao cargo de primeira ministra da Inglaterra de 1979 a 1990. Nesse período da economia mundial a indústria e a economia dos países desenvolvidos enfrentavam o desafio do alto custo do petróleo, a matéria-prima essencial para o processo industrial instalado desde o início do século que movia as economias internas dos países e a economia internacional. Era um cenário de grande crise das economias centrais, principalmente da Inglaterra. Margaret Tatcher não por menos foi eternizada como A Dama de Ferro.

Atualmente, e em sentido oposto aos destaques femininos do Século XX, nos países de menor renda a escassez de recursos tangíveis e intangíveis impede a presença das mulheres nas escolas, no mercado de trabalho e nas representações sociais e políticas. Com isso, a diferença social nos países e entre os países é muito evidente entre os de renda mais alta e os de menor renda.

Teoria econômica e mais mulheres em posições de destaque no Século XXI

Recentemente a autora britânica Linda Yueh em seu livro The Great Economists cita doze economistas cuja contribuição às análises do crescimento e desenvolvimento econômico se fazem presentes. O primeiro a ser citado pela autora não poderia deixar de ser Adam Smith, por ter sido o primeiro autor a estabelecer a economia como ciência. Sua consideração à riqueza das nações e os meios que tornavam as sociedades economicamente supridas tinha cunho iminentemente social.

As vias para a melhoria da vida de todos também foram investigadas por David Ricardo, Alfred Marshall, Irving Fischer, Joseph Schumpeter, Friedrich Hayeck e Milton Friedman. John Maynard Keynes explorou a saída da economia americana da Grande Depressão.

A mulher economista de destaque na história do pensamento econômico é Joan Robinson, britânica e discípula de Keynes, considerada pós-keynesiana. Nos anos 1930 foi a única economista autora de reconhecimento mundial em sua investigação sobre a formação de preços dos bens de capital, sobre concorrência e a criadora do termo monopsônio para a situação de mercado em que há tão somente um agente demandante.

Roberto Solow, Prêmio Nobel de Economia em 1987, desenvolveu o Modelo de Solow-Swan, procurando responder por que uns países são mais ricos que outros.

E a dizer de Douglass North, Prêmio Nobel de Economia em 1993, que criou a teoria da economia institucional. O institucionalismo, enquanto garantidor do direito de propriedade, garante as restrições humanamente concebidas, que estruturam as interações políticas, sociais e econômicas, sendo a via para o crescimento econômico.

Tanto para Solow como para North a contribuição com o conceito e modelo de desenvolvimento econômico e instituições preveem equidade nas sociedades, e portanto a igualdade de gêneros como premissa.

Por sua vez, ao tempo da evolução da ciência econômica até os nossos dias, na segunda década do século XXI destacam-se cargos ocupados por mulheres nas organizações internacionais. Em junho de 2011 a advogada francesa Christine Lagarde foi eleita Diretora-Gerente do FMI, o maior posto do organismo internacional ocupado por uma mulher pela primeira vez. Iniciava-se a formação do time feminino da análise econômica do FMI, que em 2018 foi seguido pelo cargo de economista-chefe do Fundo ocupado pela indiana Gita Gopinath. Na OCDE ficou para Lawrence Boone o cargo de economista-chefe. Kristalina Georgieva, economista búlgara, é a primeira executiva-chefe do Banco Mundial, reportando diretamente ao presidente. A cidadã americana e grega Pinelopi Goldberg foi nomeada economista-chefe do Banco Mundial, destacada por publicações sobre os efeitos da globalização na distribuição de renda e desigualdade nas economias emergentes. Essas mulheres estão ocupando os cargos até os dias atuais.

 

E o que tem sido estudado e destacado sobre as condições das mulheres na sociedade?

Ao considerarmos a história do pensamento econômico, uma evidência prevalecente das sociedades menos desenvolvidas no século XXI é a diferença social entre homens e mulheres. Visando uma observação de como evolui a inclusão das mulheres na sociedade, o relatório do Banco Mundial Women, Business & the Law 2019: a decade of reform, destaca que a igualdade de gênero é fator crítico do desenvolvimento econômico. O relatório, que neste ano completa 10 anos é assinado pela economista Kristalina Georgieva como Presidente Interina do Banco Mundial.

A teoria e o modelo de crescimento econômico de Solow considerou as variáveis capital fixo e capital humano, e seus respectivos parâmetros de tecnologia e conhecimento. O relatório Woman, Business & the Law (WBL) considera que a igualdade de gênero é um componente crítico do crescimento econômico, que pode ser considerado no modelo como parametrização do capital humano de um país. Sendo as mulheres metade da população mundial, e nossa ênfase em criar um mundo mais próspero, isso não será possível se as leis nos retroagem.

A edição do WBL de 2019 visa a melhor compreensão de como os empregos e o empreendedorismo das mulheres são afetados pela discriminação. Para isso usa a metodologia que considera 10 anos de dados que resultam um índice baseado em decisões econômicas que as mulheres fazem durante a sua vida no que se refere ao trabalho. Inicialmente considera-se a mulher de 25 anos que tem o seu primeiro emprego, a mãe que tenta equilibrar o trabalho com os cuidados com os filhos, até a mulher que chega à aposentadoria. O índice explora como as decisões econômicas que as mulheres fazem são afetadas pelas leis.

As perguntas feitas para a composição do índice estão divididas em 8 seções na cronologia das fases de trabalho das mulheres. São elas:

1 – Acesso aos locais e ambientes de trabalho

2 – Iniciação de um trabalho

3 – Remuneração

4 – Casamento

5 – Ter filhos

6 – Iniciação de uma atividade empreendedora

7 – Gestão dos recursos

8 – Obtenção da aposentadoria

 

O resultado mostra que houve muito progresso no sentido da igualdade legal de gênero na última década. Em 131 economias houve 274 reformas de lei e regulamentação que levaram ao aumento da igualdade de gênero. Isso inclui 35 economias que implementaram leis de assédio sexual no ambiente de trabalho, o que protegeu aproximadamente 2 bilhões de mulheres na última década. Isso mesmo! Mais da metade da população feminina do mundo.

Na escala de 0 a 100, indicando que quanto mais próximo de 100 há total condição da mulher na evolução da sua carreira, a média global é de 74,71. Esse resultado de índice mostra que uma economia padrão oferece às mulheres apenas três quartos dos diretos dos homens no mercado de trabalho. O índice aumenta conforme as condições de trabalho para as mulheres tendem a equivaler às dos homens. E assim elevam-se junto as condições sociais e econômicas.

Tabela: Índice WBI em 2.019, países selecionados.

 

Índice

Países

100

Bélgica, Dinamarca, França, Letão, Luxemburgo, Suécia

97,50

Áustria, Canadá, Finlândia, Grécia, Portugal, Espanha, Reino Unido

86,25

China, México, Nicarágua

83,75

Estados Unidos

81,88

Brasil, Tajiquistão, Vietnã

74,71

MUNDO

73,13

Rússia, Marrocos, Uganda

71,25

Índia, Etiópia, República Central Africana

Abaixo de 50

Egito, Malásia, Banladesh, Congo, Paquistão, Sudão, Iraque, Afeganistão, Jordânia, Kuwait, Quatar, Irã, Emirados Árabes, Arábia Saúdita

 

Fonte: Base de dados Women, Business and Law, 2019.

 

O índice 81,88 do Brasil significa que o ambiente de trabalho para as mulheres cumpre aproximadamente 4/5 das condições dos homens.

Mas ainda muitas leis e regulamentações continuam impedindo a entrada das mulheres no mercado de trabalho ou a iniciação de um negócio. Essa discriminação pode ter efeitos perversos sobre a inclusão econômica das mulheres e sua participação na força de trabalho. As economias que falharam na implementação das reformas em favor da igualdade de gênero nos últimos dez anos tiveram um aumento percentual menor das mulheres que passaram a trabalhar e na porcentagem de mulheres trabalhando em relação à porcentagem de homens.

O relatório cita que para se atingir a igualdade de gênero é necessário mais do que mudanças nas leis. As leis devem ser efetivamente implantadas, o que requer um arcabouço político, a liderança de homens e mulheres nas sociedades, e mudanças nas normas culturais e nas atitudes. Ainda que o progresso observado pelo índice WBL de 2019 seja positivo, é evidente a necessidade de muita proliferação da igualdade de oportunidades para as mulheres no mundo.

Na seção sobre como as reformas acontecem em favor da inclusão das mulheres, o relatório WBI cita o exemplo do Brasil na promulgação da lei Maria da Penha contra a violência doméstica, que leva o nome em honra à brasileira e o fato ocorrido com ela.

Outros países, principalmente os do sul da Ásia e leste da África apresentaram evolução institucional em favor das mulheres no direito à propriedade e independência nas decisões econômicas. O alerta crítico fica para os países cujo índice resultou menor que 50.

Ainda que as prerrogativas do Banco Mundial no relatório estejam presentes na motivação aos governos que garantem a participação plena e igual das mulheres, considerando que o mundo pode ser melhor com as oportunidades de talento de toda a população mundial, fica a lacuna dos mais de 25% das condições adversas da inclusão das mulheres na sociedade e no mercado de trabalho no mundo. Essa é uma tarefa que requer a atenção de todos os países, independentemente do seu resultado de índice e mesmo aos que o tenham próximo de 100. Há muito a se considerar sobre a igualdade de gênero no mundo em benefício às diferenças feitas às mulheres e os impactos na sua condição de vida.