Artigo – Desnacionalização

  • 26 de dezembro de 2018
  • Artigo

A desnacionalização de empresas brasileiras, públicas e privadas é sempre polêmica. Não sem razão. De fato, a aquisição de empresas brasileiras por estrangeiros, a par de qualquer traço de xenofobia, representa, inquestionavelmente, a transferência de centros de decisão para o exterior. Trata-se de uma mudança que representa impactos significativos para a estratégia nacional de desenvolvimento, implicando questões como, cadeia de fornecedores, nível de tecnologia e emprego, grau de concorrência, balanço de pagamentos, etc.

A visão liberal de mercado se mostra favorável aos ingressos de investimentos diretos estrangeiros, levando em conta as externalidades. Já se apurou que, no entanto, isso não ocorre de forma automática, dependendo do ambiente sistêmico, das políticas de competitividade, além de uma necessária negociação com as empresas, no âmbito das cadeias globais de valor e o papel a ser representado pela empresa sediada no país hospedeiro. Daí a importância de um maior conhecimento do tema, assim como a formulação de estratégia, tendo em vista os vários aspectos envolvidos na questão.

A internacionalização das empresas, intensificada especialmente a partir da década de 1990, impulsionada pela globalização financeira que potencializou a capacidade de expansão além-fronteira das empresas transnacionais. Vários países, mais recentemente, com destaque para a China têm ampliado a atividades no exterior das suas empresas com vista a autossuficiência energética, hídrica e alimentícia.

Nesse sentido, como exemplo, a aquisição por parte de uma empresa estrangeira de uma distribuidora local de energia, para além dos aspectos de segurança e defesa envolvidos, há a questão da cadeia de fornecedores envolvida. Muitas vezes há um objetivo claro do investidor de ampliar o espaço das suas empresas no fornecimento de equipamentos e serviços especializados. Assim, há impactos potenciais significativos não apenas na política de investimentos, mas, na cadeia de fornecedores e, portanto, de emprego.

Sob o ponto de vista concorrencial nos casos em que a desnacionalização envolve uma privatização, concessão, ou ainda uma Parceria Público Privada (PPP), a questão adicional é quanto as consequências da transformação de um monopólio, ou oligopólio público, em privado. Embora o Estado não precise ser necessariamente o operador em áreas como energia, saneamento, transportes, dentre outras, esse não pode se eximir da tarefa de regulação, coordenação e fiscalização das atividades. O risco é deixar vulneráveis as empresas, os cidadãos e consumidores, no que toca à fixação dos preços e tarifas cobradas, das contrapartidas de realização de investimentos, definição de padrões tecnológicos, manutenção e geração de postos de trabalho, etc

Todas essas questões não são necessariamente novas. Nos anos 1990 houve um processo representativo tanto de desnacionalização de empresas brasileiras, em muitos casos envolvendo a privatização. No entanto, pouco se debruçou sobre uma avaliação dos aspectos positivos e negativos do processo, apesar da relevância do tema e das experiências passadas, nacionais e internacionais.

Há o ainda aspecto das contas externas. Todo ingresso de capital estrangeiro tem como contrapartida a remuneração aos seus acionistas. Grande parte dos ingressos está relacionada não a novos projetos, mas, a transferências patrimoniais. O agravante é que em muitos casos se dá em setores não exportadores, ou seja, que não gerarão receitas em dólares, mas e demandarão remessas futuras de pagamento de lucros e dividendos, além de outras despesas, nessa moeda.

Daí a importância da análise e discussão da desnacionalização de empresas privadas e públicas no Brasil, que precisa ser melhor compreendida e analisada no âmbito do desenvolvimento e o papel a ser exercido pelas políticas públicas.

Antonio Corrêa de Lacerda – Professor-doutor, diretor da FEA-PUCSP, autor, entre outros livros, de “ “Economia Brasileira” (2018- 6ª. Edição, Saraiva). Site: www.aclacerda.com

  • Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 21/12/2018