Artigo – O ciclo vicioso da estagnação brasileira e a política autofágica do ajuste recessivo permanente

A retomada da atividade econômica no Brasil perdeu fôlego e o país resvala para a estagnação, ou algo pior. O IBGE divulgou na semana que se encerra o resultado do PIB para o 1º trimestre de 2018. O indicador avançou 0,4%, em comparação com o trimestre anterior (feito o ajuste sazonal), e apenas 1,3% no acumulado de 12 meses. Por conta deste resultado, e da persistência de enorme ociosidade indústria, assim como na estrutura ocupacional, os analistas de mercado reduziram a expectativa de crescimento do PIB em 2018 de cerca de 3,0%, para 2,0%, antes ainda dos efeitos da Greve dos Caminhoneiros e do agravamento da tensão política e social no país. Deverá ser menor.

Entre 2015 e 2017, foram fechados no Brasil, liquidamente, cerca de 2,8 milhões de empregos formais, com destaque para a Construção Civil e o Comércio e Serviços. Entre 2005 e 2014 foram gerados cerca de 20 milhões de empregos no Brasil (2 milhões por ano), majoritariamente nos setores da Construção Civil, Comércio e Serviços, sendo que mais de 80% concentrados na faixa até dois salários mínimos. No triênio 2015 a 2017 deveriam estar sendo criados liquidamente, apenas para absorver a mão de obra adicional agregada ao mercado de trabalho, cerca de 1,8 milhão de empregos formais.

Desde o primeiro trimestre de 2017, houve um aumento de 1,3 milhão no contingente de ocupados, sendo que 90% deste efetivo foi mobilizado através do trabalho precário, isto é Assalariado Sem Carteira, Conta Própria e Envolvidos no Trabalho Familiar Sem Remuneração. Não é de se espantar que tal estado de coisas se reflita em estagnação da massa de rendimentos e na continuidade do processo de demissões no subsetor Comércio.

Uma análise pela ótica da despesa evidencia as raízes da estagnação brasileira. O Investimento agregado (Formação Bruta de Capital Fixo) reduziu-se de cerca de 20% do PIB (média do período 2009-2015) para os atuais 16%, insuficientes para cobrir a depreciação do estoque de capital em vários segmentos da estrutura produtiva. O Investimento público tomou parte fundamental nesta queda, reduzindo-se de cerca de 4,6% no Biênio 2009-10 para os atuais 2,0% do PIB. É claro que tal contração de gastos não foi neutra setorialmente ou regionalmente, tendo afetado mais intensamente os segmentos petroquímicos e de transportes e os estados das Regiões Norte e Nordeste.

Continuando com as categorias de despesa, vimos uma brutal contração das importações (principalmente nos segmentos de insumos intermediários e bens de capital, contra o pico, em 2013). O Consumo Governamental vem sofrendo cortes sucessivos e redução de sua eficiência na geração de empregos. O consumo dos brasileiros está estagnado em patamar 10% abaixo do volume de vendas registrado no mesmo período de 2014. Finalmente: sobre as exportações, líquidas das importações, o dinamismo dos embarques de partes e peças de automóveis e outros manufaturados para os Estados Unidos e outros países latino-americanos no último trimestre de 2017, refluiu nos meses recentes, ainda mais com as incertezas da onda protecionista impulsionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Em resumo, não é possível retomar-se uma trajetória de crescimento minimamente estruturada no Brasil com a atual política econômica recessiva. Estados unidos e União Europeia adotaram uma forte flexibilização monetária (quantitative easing), levando a uma expansão monetária superior a 2 trilhões de dólares) e também na realização de gastos fiscais contracíclicos, para conter a elevação do desemprego. Infelizmente, os europeus abandonaram a política fiscal anticíclica após 2011/12, em nome de uma “necessária e urgente” consolidação fiscal. O resultado foi que a maior parte dos países da UE apenas recentemente, uma década após a crise de 2008, atingiram ou estão por atingir os níveis de ocupação da força de trabalho exibidos até o início da Crise Financeira.

No Brasil, em contraste, adotamos um rigoroso e autofágico ajuste fiscal, esperando, através da repetição incessante de cortes e adiamentos de gastos, obter algo que simplesmente não poderá resultar daí. E persistir nas mesmas práticas (ajuste recessivo) esperando obter resultados diferentes do que se vem obtendo (retomada do crescimento e não estagnação) é sinal de loucura. Como diria Albert Einstein.


Felipe de Holanda é Presidente do IMESC e Conselheiro Efetivo do Conselho Federal de Economia – COFECON. Artigo publicado originalmente no jornal O Imparcial (03/06/2018).