Artigo – O mercado de trabalho pós-recessão

Encerramos a semana passada com a esperada divulgação do resultado do PIB de 2017. Como estimado pelo mercado, foi registrado um aumento de 1% no produto, fortemente influenciado pelo desempenho da supersafra agrícola (milho e soja principalmente) e por um pequeno (1%) aumento do consumo das famílias (despesa com forte importância no PIB), que havia registrado queda em anos anteriores.

Em relação ao mercado de trabalho, já no segundo trimestre de 2017 pudemos observar uma ligeira queda da taxa de desocupação após dois anos seguidos de expansão. Ainda assim o mercado de trabalho fechou o ano de 2017 com a maior taxa média de desemprego de toda a série histórica, registrando 12,7% de desocupação, estimado pela PNAD Contínua/IBGE.

Em novembro de 2016, no auditório do BNDES, o economista Gabriel Palma, professor nas Universidades de Cambridge, Inglaterra e Santiago, no Chile falava da capacidade do Brasil em gerar emprego. Concluiu, em seus estudos sobre a produtividade do trabalho após as reformas neoliberais, que de 1970 até hoje os países latino-americanos foram capazes de gerar emprego na mesma velocidade com que o PIB cresceu, o que não ocorre em nenhuma outra região do mundo. Ou seja, o resto do mundo não é capaz de gerar emprego nem equivalente à metade do crescimento do PIB enquanto nós, latino-americanos, geramos duas vezes mais empregos do que os demais países, mediante um crescimento da economia.  Entretanto, esse fenômeno ocorre exclusivamente devido ao setor de serviços não superiores. Senão, vejamos, de todas as vagas de trabalho criadas em 2017, aproximadamente 70% foram no setor de serviços. Este setor, acrescido do comércio, é responsável por iguais 70% do emprego do país. E qual a característica deste tipo de emprego? Baixos salários, eventualmente ausência dos direitos trabalhistas e um potencial de crescimento da produtividade muito baixo, o que faz este tipo de trabalho precário não apenas sob o ponto de vista dos trabalhadores mas também sob o ponto de vista do crescimento econômico, pela pouca capacidade de aumentar a produtividade no longo prazo.

Outro ponto negativo apontado pelo professor Palma, é que este tipo de emprego pode fazer a economia crescer em torno de 3% ao ano e, sendo assim, por que investir? Por que fazer política industrial se temos a singular capacidade de crescer a esta taxa apenas com geração de emprego precário? A contração da taxa de investimento em 2017 parece confirmar a teoria.

Para melhor entendermos o que se passou no mercado de trabalho brasileiro faço algumas ilustrações. De 2014 a 2017 perdemos aproximadamente 3,2 milhões de vínculos de trabalho com carteira assinada. Neste mesmo período a atividade que relativamente mais gerou postos de trabalho foi Alojamento e Alimentação, no setor Serviços, com incremento de 21,4% do emprego. Temos nesta atividade um pouco mais de cinco milhões de pessoas trabalhando, englobando hotelaria e outros tipos de alojamento; enquanto na parte da alimentação temos os restaurantes, os serviços de bufê, etc; e os serviços de ambulantes de alimentação. São estes os ambulantes que vendem comidas, marmitas, churrasquinho, brigadeiros, sanduíches, tapioca, tanto nas ruas como nas empresas e residências. Eles totalizaram no ano passado 490 mil pessoas (das quais 401 mil eram conta própria). Em 2014 esse contingente era de um pouco menos de 84 mil. Foram 406 mil ou 484% a mais de pessoas realizando esta atividade. Esse é o pessoal que está se virando e por isso não está desempregado.

Para este ano, há previsão de uma safra agrícola 6% inferior a do ano passado, mas, ainda assim, uma das maiores da série. Portanto, se o crescimento do PIB for mais uma vez tributado ao crescimento do setor agropecuário e não houver outro vetor de dinamismo da economia, teremos uma melhora ainda menos consistente do emprego, principalmente do emprego de qualidade. Preparem as marmitas.

 

Flávia Vinhaes, doutora em Economia pela UFRJ, economista do IBGE, conselheira do Corecon-RJ e professora da UCAM.