Artigo – Ditadura amiga

  • 24 de novembro de 2017
  • Artigo

Os que se dedicam a estudar um pouquinho de História sabem que o conceito de democracia é vago e carregado de subjetividade. Na cidade-estado de Atenas, onde surgiu a democracia há 2.500 anos, ela valia para menos de 20% de seus moradores, pois excluía escravos, mulheres, estrangeiros e cidadãos não proprietários. Do mesmo modo, quando foi instituída a chamada democracia moderna nos EUA, no final do século XVIII, os direitos democráticos eram para poucos, pois excluiam milhões de escravos negros, indígenas, mulheres e cidadãos pobres.

Aliás, a história recente dos EUA é marcada pela própria negação da democracia: a repressão macarthista; a privação dos direitos civis aos negros e, agora, aos imigrantes pobres; a falta de liberdade sindical; a ditadura dos dois partidos “únicos”; o extremo poder dos financistas de Wall Street e do complexo industrial-militar; e o apoio político-militar a ditaduras espalhadas pelo planeta, cinicamente coberto pelo discurso de defesa da liberdade.

É o que ocorre agora na Arábia Saudita, monarquia absolutista das mais sanguinárias. Fortemente armada pelos EUA, atua como verdadeiro aríete contra os povos do Oriente Médio, financiando a guerra civil na Síria, promovendo o boicote comercial ao Catar e bombardeando o Iêmen, numa agressão com milhares de vítimas, convenientemente esquecida pela grande mídia “livre”. Num país em que a justiça é o desejo da família real, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman vem promovendo prisões arbitrárias e chegou a sequestrar o primeiro ministro do Líbano quando seu avião pousou na capital Riad, numa absurda violação do direito internacional, com a benção de Trump, que tuitou: “O rei e o príncipe sabem o que estão fazendo”.

No planeta sob hegemonia do capital financeiro, democracia significa “direito” ao desemprego, fome, devastação ambiental, guerras, racismo e não acesso dos povos à boa educação, à saúde e ao saneamento. Mas com direito a trocar de capataz a cada quatro ou cinco anos.

Júlio Miragaya – Presidente do Conselho Federal de Economia