Artigo – PEC 241, autoengano e a economia do lar

O governo Temer obteve ampla maioria na votação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, que limita a expansão dos gastos públicos pelos próximos 20 anos. A proposta tem encontrado expressiva repercussão e aparente apoio, num autoengano coletivo, muito do qual baseado na visão predominante, um senso comum, de que o Orçamento público funciona como o “orçamento do lar” e de que, na crise, é preciso cortar gastos.

Trata-se de um evidente equívoco, por vários motivos. Primeiro, porque não há razão para o Brasil ser o único país que trate da questão dos gastos públicos mediante emenda na Constituição e por um período tão longo.

Segundo, porque, sob o ponto de vista macroeconômico, é uma insensatez engessar a política fiscal, importante instrumento para a política econômica, sem precisar efetivamente fazê-lo.

Terceiro, porque, especialmente em meio a uma crise internacional e uma recessão interna, os investimentos públicos representam a única saída à vista. Ao contrário do orçamento doméstico, é preciso que o Estado aumente o seu investimento para que os efeitos “demonstração” e multiplicador do seu gasto fomentem o investimento privado.

Assim, há um quarto equívoco importante, que é considerar o investimento no total dos gastos a serem limitados. Vale lembrar, aqui, que esta é a rubrica mais fácil de ser cortada e é o que na prática ocorre quando o governante se vê às voltas com a necessidade de reduzir gastos.

O quinto fator a ser considerado é que, no período de abrangência da PEC 241 – até o ano de 2036 – há uma estimativa de crescimento populacional de 10,1%, um acréscimo de cerca de 20 milhões de pessoas. A população idosa, por sua vez, terá sua participação aumentada dos atuais 12,1% do total para 21,5% em 2036 (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Ambos os aumentos significarão uma maior demanda por serviços de saúde e, evidentemente, previdência. Ou seja, será impraticável atender a tamanha demanda com os mesmos recursos despendidos hoje.

Sexto ponto relevante é o extraordinário custo de financiamento da dívida pública, que tem representado cerca de R$ 500 bilhões ao ano (2015) e para o qual não há qualquer limitação. Apenas a crença de que, com a aprovação da PEC 241, eles serão naturalmente reduzidos.

Alternativas. Neste cenário, é preciso discutir alternativas e levar em conta aspectos importantes no bojo da política macroeconômica: realizar uma profunda reforma tributária, com a simplificação do sistema, corrigindo distorções e ampliando o universo de tributação, e também eliminar a regressividade na incidência do Imposto de Renda, regulamentar a cobrança de impostos sobre herança, tributar lucros e dividendos, entre outros; promover uma reforma administrativa com o objetivo de aumentar a produtividade do setor público, eliminando desperdícios; reestruturar pelos mecanismos de mercado a dívida pública, premiando o longo prazo em detrimento do curto prazo, com isso diminuindo a pressão sobre os juros; promover uma desindexação de preços de tarifas e contratos para diminuir o efeito inercial da inflação.

A resistência da inflação tem sido utilizada como justificativa para as elevadas taxas de juros predominantes na economia. Além de restringir o crescimento, juro elevado também implica maior gasto com o financiamento da dívida, ampliando o déficit nominal e, consequentemente, a dívida pública; e, por último, mas não menos importante, é preciso ter consciência de que é impossível realizar um ajuste fiscal diante de uma recessão. Pelo contrário, é com a economia em crescimento que se geram maior arrecadação e a diminuição proporcional da dívida relativamente ao Produto Interno Bruto (PIB).

Portanto, recriar as condições para a economia voltar a crescer é a prioridade, e isso não vai acontecer automaticamente, ao contrário do que prega o discurso oficial.

Antonio Corrêa de Lacerda – Ex-presidente do Cofecon.