Artigo – Lições de viagem – conhecendo a Amazônia e a Região Norte

Recentemente, em palestra proferida na Fundação Espaço Democrático, centro de estudos e pesquisas do Partido Social Democrático (PSD), o pré-candidato a prefeito Andrea Matarazzo, fez uma afirmação em tom de brincadeira – mas que tem sem dúvida uma ponta de verdade – sobre o desconhecimento que os habitantes das zonas mais nobres da capital a respeito não apenas da periferia, mas até do centro histórico da cidade de São Paulo, parte do qual, infelizmente, encontra-se em acentuado estado de deterioração. Com evidente ironia, falou; “Tem gente que acha que depois da Avenida Paulista há um abismo que leva ao desconhecido”.

Exagero à parte, as colocações de Matarazzo remeteram-me a inúmeras situações em que me defrontei com pessoas que fazem afirmações repletas de certeza e convicção a respeito do Brasil e das ações que deveriam ser tomadas para que ele deixe definitivamente de ser o “País do futuro” para se transformar no “País do presente”.

Não raras vezes, tais afirmações são enunciadas por indivíduos que conhecem apenas algumas capitais, a maior parte das quais, diga-se de passagem, frequentadas em viagens de lazer, quando foi possível apenas visitar os pontos turísticos mais tradicionais, os chamados cartões postais dessas localidades.

Reconheço que é extremamnte difícil conhecer profundamente um país com as dimensões continentais como o Brasil, com enormes diferenças não apenas entre as regiões em que o País se divide, mas também dentro de cada região entre seus diferentes estados-membros.

Por uma série de circunstâncias, tive oportunidade de viajar bastante pelo Brasil, no início por conta de competições esportivas e, mais tarde, por conta de cursos, palestras e participações em eventos, quer representando a FAAP, quer como conselheiro do Corecon-SP e do Cofecon. Com isso, chego aos 60 anos numa condição rara entre os brasileiros, qual seja, tendo visitado todos os estados do País, com exceção de Tocantins, sendo que em muitos deles estive diversas vezes.

Vale destacar que em várias dessas viagens, não me limitei às capitais ou às principais cidades de cada estado, indo a rincões pouquíssimo conhecidos, a não ser pelos habitantes da região. Lembro-me da primeira vez que minha esposa viajou comigo a Sergipe. Estávamos em Aracaju e propus a ela que fôssemos até Mangue Seco, lindíssima localidade situada na fronteira com a Bahia, que se tornou nacionalmente conhecida graças à novela Tieta do Agreste. Alugamos um buggy e durante a viagem fui passando por diversas placas indicativas de cidades que se situavam à beira da estrada. À medida que avançávamos, passamos por várias cidades nas quais eu já havia dado aula ou ministrado palestra, entre as quais Estância, Lagarto e Itabaianinha. Diante da surpresa dela, falei que o mesmo ocorrera em diversos outros estados, o que ela pôde comprovar em sucessivas viagens a Pernambuco, onde pude trabalhar em cidades como Nazaré da Mata, Vitória de Santo Antão, Tracunhaém e Petrolina; Santa Catarina, onde estive a trabalho em cidades como Caçador, Chapecó e Indaial, além das mais conhecidas Joinvile, Blumenau e Itajaí; Mato Grosso do Sul, onde estive em Dourados, Ponta Porã, Deodápolis e Rio Brilhante; ou Rio Grande do Sul, em que pude me apresentar em Bagé, Cachoeira do Sul, Canela, Pelotas, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Santa Maria e Santa Cruz do Sul.

Para não me alongar muito, afirmo – com inegável orgulho – que algo parecido aconteceu em outros estados, tais como Paraná, Goiás, Bahia, Minas Gerais, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, no qual só a Santarém fui por cinco vezes. Numa dessas vezes, ocorreu um episódio que revela bem as diferentes formas de encarar a realidade num país como o Brasil. Como já estivera em Santarém outras vezes, fazendo escala em Manaus e em Belém, perguntei a um interlocutor local quanto tempo ficava cada um delas. Quando ele me respondeu “Depende”, minha primeira impressão é que ele estava brincando comigo. Foi quando ele completou a resposta: “Depende se você estiver subindo ou descendo o rio”. Só então compreendi que a noção de tempo da maior parte dos habitantes daquela região estava associada ao transporte fluvial, muito mais comum do que o limitado transporte rodoviário ou o caro transporte aéreo.

De 21 a 23 de maio, fui convidado a fazer a palestra de encerramento do X Encontro de Entidades de Economia da Amazônia (X ENAM), voltando assim uma vez mais a Manaus. O evento, que reúne representates dos Conselhos Regionais dos estados da região amazônica, tinha uma programação que contemplava na sua esmagadora maioria questões regionais, com paineis recheados de palestrantes de grande gabarito.

Embora tenha estado por mais de vinte vezes nos estados daquela região, jamais tivera uma oportunidade tão boa para conhecer inúmeras peculiariedades, que me foram chamando a atenção à medida que as palestras se sucediam.

Tão rica foi a programação, que fica difícil apontar qual o melhor painel ou a melhor palestra ou depoimento. Não gostaria, porém, de deixar de registrar a exposição do general Geraldo Antônio Miotto, comandante do Comando Militar da Amazônia, em que fez uma ampla explanação a respeito do papel e das ações da instituição na região, que vão muito além da óbvia proteção das fronteiras, combatendo a entrada de drogas e armas, englobando inúmeras ações em parceria com o governo estadual e os municípios, medidas que também contemplam as áreas de saúde, engenharia, logística e social.

A outra marcante exposição foi do Prof. Eduardo Monteiro da Costa, meu colega no Cofecon e atual presidente da Fundação (Fapespa). Especialista em desenvolvimento regional, Eduardo mostrou todo o conhecimento que possui da região amazônica, apresentando dados reveladores do potencial e dos problemas enfrentados, quer pela região como um todo, quer pelos seus estados-membros em particular, no que recebeu a colaboração dos presidentes dos Conselhos Regionais de Rondônia, Roraima e Tocantins.

Os quadros que se seguem, que me foram gentilmente cedidos pelo Eduardo para serem utilizados neste artigo, refletem bem tanto o potencial como os problemas e desafios da região. O primeiro fornece uma detalhada visão da história recente (1960 em diante) da região, enfatizando a ativa participação do estado em seu processo de formação, do qual resultou uma sociedade marcadamente dualista.

O segundo revela a matriz econômica da Amazônia Legal[1], destacando a importância da Zona Franca de Manaus, bem como aspectos ligados à energia, à mineração e ao agronegócio.

O terceiro focaliza a questão da sustentabilidade, dividindo-a em dois pilares: um relacionado ao bem-estar humano e outro ao bem-estar ambiental. O quarto focaliza os principais desafios da região, sintetizados por Eduardo como “O enigma do ‘I’”, representado a seguir.

O quinto, que despertou enorme atenção da plateia, constituída em sua maioria por economistas, professores e estudantes de economia, mostra os impactos por região decorrentes da Lei Kandir, evidenciando as desvantagens da região Norte.

O sexto e último revela a participação relativa das Unidades da Federação na Receita Corrente no ano de 2014.

Por fim, uma observação de ordem pessoal com base no que pude constatar tendo viajado, no espaço de um mês, para as duas principais capitais da região, Belém e Manaus. Em que pese seja possível sentir a presença da crise que se abate sobre a economia brasileira como um todo, os efeitos dessa crise afetam diferentemente os dois estados por conta do modelo de desenvolvimento praticado em cada um deles. A economia do estado do Amazonas, em que o peso do Polo Industrial de Manaus (denominação do que se conhece genericamente como Zona Franca) é muito relevante, está sendo mais afetada. Afinal, tratando-se de um modelo substituidor de importações voltado ao fornecimento principalmente de produtos eletroeletrônicos para o mercado interno, ocorre uma espécie de crise dentro da crise, decorrente da redução acentuada da demanda interna de seus produtos. O Pará, cuja economia possui um grau bem mais acentuado de diversificação, tem condições mais favoráveis de enfrentar a dura situação vivida pela economia brasileira.

Este simples exemplo serve para evidenciar quão rica, diferenciada e multifacetada é a realidade do Brasil, razão pela qual sugiro que se olhe com desconfiança a quem faz afirmações do tipo “eu conheço o Brasil” ou mesmo “eu conheço bem esse estado ou essa região”.

E um alerta àqueles que vivem se vangloriando por viajar apenas ao exterior: há, no Brasil, uma enorme variedade de locais extraordinários e desafiantes que devem e merecem ser descobertos e explorados!

 

Luiz Alberto Machado, conselheiro do Conselho Federal de Economia.

 

 

Referência webgráfica

MACHADO, Luiz Alberto. Lições de viagem 6 – Conhecendo o Mato Grosso do Sul. Disponível em http://www.souzaaranhamachado.com.br/2014/08/licoes-de-viagem-6-conhecendo-o-mato-grosso-do-sul/.

Referência musical  

RIO AMAZONAS. Emerson Maia. Boi Garantido, 1993

 

[1] Amazônia Legal é o nome atribuído pelo governo brasileiro a uma determinada área da Floresta Amazônica, pertencente ao Brasil, e que abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. A área corresponde a aproximadamente 5.217.423 km2, cerca de 61% do território brasileiro.