Artigo – Esplêndida combinação

Há expressões que, pelas mais variadas razões, ficam marcadas em nossa memória. Uma delas me veio imediatamente à cabeça ao iniciar a leitura do novo livro do jornalista Fábio Piperno, recém-lançado pela Editora do SESI-SP. Minha mãe costumava utilizá-la sempre que se oferecia a oportunidade de fazermos algo que nos agradava. Dizia ela: “juntou a fome com a vontade de comer”.

No caso do referido livro, essa expressão acaba sendo potencializada, pois não bastasse minha paixão pela leitura, o livro de Fábio Piperno, ao aliar dois temas pelos quais tenho especial interesse, o esporte e a política, notadamente quando envolve as relações internacionais, me proporcionou um prazer redobrado, razão pela qual eu o “devorei” em poucas horas.

Jogada política no esporte, que tem como subtítulo O confronto entre os jogos políticos e os esportes olímpicos não poderia ter sido lançado em momento mais oportuno, uma vez que estamos às vésperas do início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, onde novas histórias poderão surgir para eventuais futuras edições ampliadas do livro.

Aliás, a primeira forte impressão que o livro me causou apareceu antes mesmo do primeiro capítulo. O Prefácio, assinado por Caio Luiz de Carvalho, ex-ministro de Esportes e Turismo (2001 a 2003), apresenta uma abalizada reflexão a respeito da nossa realidade esportiva e do nosso fraco desempenho na história dos Jogos Olímpicos, que, infelizmente, poderá se repetir na edição do Rio de Janeiro.

Para não me estender muito a esse respeito, reproduzo apenas um pequeno trecho da análise de Caio Luiz de Carvalho:

Tempo de Olimpíadas, tempo de governos repensarem os gastos vultosos que os grandes eventos hoje exigem dos destinos sede.

Poderíamos hoje celebrar a escolha vitoriosa do Rio de Janeiro como responsável pelo fato de o governo brasileiro ter, com visão estratégica, aproveitado para adotar uma política de Estado para o esporte e atividade física no País, oferecendo cenários mais saudáveis para as gerações futuras do que o da monocultura do futebol.

Mais uma vez nada foi feito. No entanto destaco que ao contrário do fracasso anunciado na Copa do Mundo de Futebol, que nada de legado deixou para o País, dessa vez a cidade do Rio de Janeiro terá ganhos com as obras de infraestrutura que a cidade recebeu e que ficarão para seus moradores e visitantes. Perdeu-se, porém, a chance de conquistarmos com campanhas toda uma geração de jovens brasileiros para a prática de esportes olímpicos e atividade física.

A conclusão realista de Caio Luiz de Carvalho frente a esse diagnóstico é a seguinte:

Um país há décadas sem políticas de Estado voltadas para a prática da atividade física desde os primeiros bancos escolares, que ignora os seus 350 mil profissionais de educação física, que não promove o chamado Esporte para Todos, que não dispõe de Centros de Referência e Excelência Esportiva regionais, que não cria um banco de talentos e que teve nos últimos anos um Ministério de Esportes voltado mais para o futebol não pode mesmo ter expectativas de grandes performances em Jogos Olímpicos.

Com esse histórico pífio em termos de resultados olímpicos, caracterizado até hoje muito mais por conquistas de extraordinários talentos individuais – os sucessos recentes do voleibol talvez sejam a única exceção – é evidente que o Brasil praticamente não aparece nos dezessete capítulos do livro, a não ser de forma marginal no primeiro desses capítulos, que relata a inesquecível partida final do basquete em 1972, nos Jogos de Munique, quando a até então invicta seleção norte-americana foi derrotada pela seleção da União Soviética, num episódio polêmico que teve profunda influência na trajetória posterior da modalidade.

Embora algumas das histórias relatadas por Fábio Piperno, com base na exaustiva pesquisa por ele realizada, refiram-se a questões de ordem local ou regional, como, por exemplo, a segregação racial ou as intolerâncias religiosas, a leitura de Jogada política no esporte reforçou minha convicção de que as relações internacionais se alteraram profundamente com o fim da Guerra Fria, que foi durante décadas uma referência clara para a formulação de ideias e para a tomada de decisões nos âmbitos político, econômico e diplomático. A Guerra Fria, como pano de fundo e marco de referência, pode ser percebida na maior parte das histórias contidas no livro.

Atualmente, sem essa referência, para o bem ou para o mal, a formulação de ideias e as tomadas de decisões parecem bem mais complexas.

Luiz Alberto Machado, conselheiro do Conselho Federal de Economia. Economista pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP e conselheiro efetivo do Conselho Federal de Economia.