Cofecon realizou seminário Políticas de Estabilização

Participaram como debatedores os economistas Adriana Amado, André Paiva, Antonio Corrêa de Lacerda, César Locatelli, Fernando de Aquino, Paulo Nogueira Batista Jr. O evento contou com a mediação de Luis Nassif (GGN) e Rosana Hessel (Correio Braziliense)

O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira o seminário Políticas de Estabilização, no qual discutiu maneiras de controlar a inflação sem prejudicar o nível de emprego e a intermediação financeira. O evento ocorreu na sede do Cofecon e foi transmitido pelo canal da autarquia no YouTube, podendo ser assistido AQUI.

“O Cofecon com muita satisfação realiza mais um evento que busca discutir questões econômicas e, nesse particular, tratamos hoje de políticas de estabilização”, afirmou o presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa, na abertura do evento. “Quero registrar também que o economista Marcio Pochmann está assumindo a presidência do IBGE. O Cofecon não tem nada a ver com iniciativas de qualquer governo, mas entendemos que esta iniciativa vem ao encontro da nossa aprovação e do nosso agrado”.

“Me incomodava a forma como a imprensa tem comentado e avaliado a nomeação do professor e economista Marcio Pochmann, meu amigo desde os anos 80 e que acompanhei de perto toda a trajetória profissional”, expressou o presidente do Corecon-DF, José Luiz Pagnussat. “Acompanhei de perto sua gestão no IPEA, foi uma gestão diferenciada que ampliou fortemente o quadro de pessoal com pesquisadores preocupados com as questões sociais”

Pagnussat também falou sobre o tema do evento e a condução da política monetária por parte do Banco Central. “Totalmente equivocada, com juros absurdamente altos, que contrariam o que seria recomendado para uma política de estabilização, de combate à inflação no Brasil, considerando que nós temos um desemprego elevado, uma capacidade ociosa na indústria, poderíamos combater a inflação pelo lado da oferta e não da demanda”, argumentou. “Acompanho as políticas monetárias de outros países e me impressiona a diferença de políticas implementadas. Muitos países não adotaram essa política de combater uma inflação que não tem sua origem no excesso de demanda”.

Locatelli: “BC é difusor de sentimento negativo”

O economista César Locatelli comparou os R$ 696 bilhões pagos em juros da dívida pública nos últimos 12 meses (“a 20 mil famílias”, mencionando pesquisa do economista Marcio Pochmann) aos R$ 170 bilhões gastos com o Bolsa-Família (atendendo 21 milhões de famílias). Também mencionou um estudo detalhado feito por ele nas atas do Copom. “Ali há previsões de inflação, de juros, de câmbio. O que me ocorreu foi fazer uma tabela vendo quanto estas previsões, de fato, previam. Elas são usadas num modelo que resulta no nível de juros. Quero saber se o ingrediente que forma os juros é compatível com a realidade”, explicou. “Em maio de 2021 o boletim Focus previa um IPCA de 5,04% para aquele ano. O resultado foi 10,06%. Preços administrados: o Copom previu que cresceriam 8,4% em 2021. Cresceram 16,9%. Em 2022, previa alta de 5%. Caíram 3,82%. Este é um exemplo. Minha conclusão é que não interessa qual o modelo que será usado se o insumo básico, que são as previsões, está longe da realidade e não tem credibilidade”.

Ele também tratou do Banco Central como “Um difusor de sentimento negativo” à população. “Eles questionam que as reformas não foram feitas e o desempenho fiscal é insuficiente. Vi um monte de problemas que este regime de metas de inflação tem e eles precisam ser discutidos abertamente. Ele pode ter cobrado um alto preço em empregos e desenvolvimento no mundo todo”, criticou. Ele citou um estudo do professor Fernando Nogueira da Costa, de que a inflação tende a uma média em cada país, e que nos últimos 20 anos esta média, no Brasil, é de 6%. “Recebi uma frase de um economista do FMI, na qual ele diz que o efeito do regime de metas de inflação pode ser pior do que o de um placebo”.

Aquino: Governo Federal controlando pressões de oferta, BC controlando pressões de demanda

O coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon, Fernando de Aquino, trouxe dados de emprego e da queda da produção industrial e da construção. “Setores como a indústria e a construção civil, que dependem do crédito, tiveram queda. Temos uma taxa de juros que está levando a economia a uma semiestagnação permanente”, argumentou. Como política de estabilização favorável, sugeriu que o Governo Federal controle as pressões de oferta, enquanto o Banco Central controle as pressões de demanda. “Para combater pressões de oferta precisamos de outras instituições, com outros instrumentos como impostos de importação e exportações, estoques reguladores, regras de precificação adequadas, como foi feito recentemente com os preços da Petrobras, e uma política de barateamento da matriz energética”.

O principal instrumento para conter pressões de demanda é a taxa de juros. “A fim de obter taxas menores, poderíamos ter metas explícitas para taxas de juros mais longas. O que o Banco Central controla é a taxa de um dia. Desde 2016 o Japão tem metas explícitas para taxas de juros de dez anos. Assim, reduziu a volatilidade da curva de juros”, pontuou. Outra sugestão foi que parte da Dívida Bruta do Governo Geral, atualmente em operações compromissadas, pode ser convertida para depósitos voluntários remunerados se houver condições favoráveis. “Há ajustes que podem ser feitos e diminuiriam a dívida bruta, proporcionando a aceitação de taxas de juros menores e deixando a dívida do Brasil abaixo da média mundial”.

Adriana Amado: “diagnóstico de inflação de demanda vai matar o paciente”

A professora Adriana Amado apresentou uma abordagem teórica do que está por trás da decisão da taxa básica de juros. “Falamos em economia, mas é economia política, passa por aspectos de classe e poder. Ela não existe em abstrato, não é apenas técnica. Em economia há opções para todos os gostos. Quem toma a decisão é quem tem os votos”, considerou. “Quem deve decidir para onde quer ir é a sociedade. Não cabe ao economista dizer qual o tamanho ótimo do Estado, mas à sociedade dizer o que ela quer, e que estes objetivos sejam repassados ao técnico, que dará um marco teórico compatível com isso”.

Adriana apresentou a visão ortodoxa e a visão heterodoxa sobre as políticas de estabilização. “São métodos diferentes que têm uma consistência interna”, observou. Na visão ortodoxa, o principal componente a ser estabilizado é a inflação. Na visão heterodoxa, cabe ao Estado evitar grandes crises e estabilizar os ciclos. Neste contexto, a moeda deixa de ser neutra, porque interfere nas posições de emprego da economia. “Colocar o Banco Central e o Tesouro para brigarem é o pior dos mundos. Amarrar as mãos do Estado faz com que se inviabilize a manifestação da sociedade, do ponto de vista político, e que as pessoas tenham a capacidade de implementar políticas coerentes”.

Por fim, em relação ao quadro atual da economia, defendeu que é preciso um diagnóstico adequado para dar um remédio efetivo. “Alguém tem dúvida de que houve um problema com as cadeias produtivas globais? Há uma guerra que afeta a energia e os grãos, que são preços fundamentais na economia global. Há processos inflacionários globais. Alguém tem dúvida de que um diagnóstico de inflação de demanda vai matar o paciente?”, questionou.

Lacerda: R$ 700 bilhões para a dívida contra R$ 70 bilhões para investimentos

O ex-presidente do Cofecon Antonio Corrêa de Lacerda comparou a inflação brasileira à de outros países, mostrando que em 2023 ela tem sido menor no Brasil. “O mesmo não ocorre com os juros. O Brasil insiste em se manter no topo das taxas nominais. Estamos fora da curva, com a taxa muito elevada comparativamente à situação inflacionária. Isso afeta a economia como um todo”, criticou. “Nosso déficit nominal, de 4,7%, é parecido com a média dos países do G20. A relação dívida/PIB também, existem oito países com dívidas muito superiores à do Brasil. Qual é o ponto fundamental? Temos um gasto com o serviço da dívida superior a 7% do PIB, embora não tenhamos uma das maiores relações dívida/PIB do mundo. Este ano são R$ 700 bilhões para financiar a dívida, contra R$ 70 do orçamento de investimentos”.

Neste ano a meta de inflação teve seu horizonte mudado: ela passou a ser contínua em vez de estar restrita ao ano-calendário. “Isso era uma anomalia que engessava a decisão de política econômica. Mas as mudanças são muito tênues”, argumentou Lacerda. “Outro fator relevante são as estruturas de mercado. Temos muitos mercados oligopolizados ou monopolizados. É o caso de vários produtos da indústria alimentícia. Chama a atenção a ausência do papel dos estoques reguladores de alimentos, que agora está sendo retomado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário”. Outros problemas da economia brasileira a indexação e a volatilidade do câmbio.

No que diz respeito à formação de expectativas, Lacerda criticou o fato de o Banco Central ouvir apenas o mercado financeiro. Sugeriu também a formação de um colegiado composto por especialistas em política monetária para auxiliar as decisões do Copom, e também falou sobre a autonomia do Banco Central. “Não há o menor sentido em interpretar esta autonomia como dissociação das políticas do governo, e muito menos que esta autonomia se dê somente em relação ao governo”, ironizou. “A sincronia da política monetária com as demais políticas macroeconômicas pode ser realizada”.

Paiva Ramos: “Copom piora a capacidade de oferta da economia”

O economista André Paiva Ramos discutiu uma série de dados para analisar a inflação atual e suas causas. “Os impactos da pandemia, em termos de valorização cambial e desarticulação das cadeias produtivas, afetaram significativamente os preços das commodities e o lado da oferta. Podemos verificar olhando os índices de inflação. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-DI) chegou a variar perto de 50% no acumulado de 12 meses. E como é um preço de atacado, depois vai ser repassado de forma total ou parcial, a depender da demanda”, explicou. “Mas hoje o IPA tem uma variação negativa de 11%. A demanda está muito fraca. Nossa inflação está sob controle, mas além disso, há uma preocupação com o lado da oferta, que tem impacto negativo, e é preocupante para o setor produtivo e para as contas públicas”.

O economista também trouxe dados do crédito no Brasil: a taxa média para pessoas jurídicas é de 25%, e para pessoas físicas, 60%. “Não há negócio que tenha uma geração de caixa suficiente para pagar por uma captação tão onerosa. O Banco Central pode iniciar um ciclo de redução da Selic, que é um componente do spread, mas há outros que acabam impactando, inclusive o comportamento de aversão ao risco dos bancos privados. Assim, é importante ter os bancos públicos para realizar uma política anticíclica”, ponderou. E caracterizou o momento econômico do primeiro trimestre: “Apesar do crescimento de 1,9%, ele foi basicamente do setor agropecuário. O próprio índice do Banco Central apresentou queda de 2% em maio. É um indicativo de que o desempenho econômico está fragilizado”.

“Olhando os comunicados do Copom, eles trazem uma informação: um dos fatores da alta taxa de juros é a atividade econômica resiliente. Olhando os dados, me parece que está muito fraca, e no mercado de trabalho há uma precarização significativa. Por que é preciso deprimir ainda mais para começar a baixar os juros?”, questionou. “A política para a estabilização deve criar condições para que os investimentos concorram para a modernização, melhoria tecnológica e de produtividade. O que o Copom tem feito é piorar a capacidade de oferta da nossa economia”.

Paulo Nogueira Batista Jr: “não devemos nos surpreender se continuarmos crescendo pouco”

O economista Paulo Nogueira Batista Junior, ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, expressou que as quatro principais políticas de estabilização são a monetária, fiscal cambial e de renda. “O conceito teórico de estabilização deriva da noção de que a economia capitalista passa por flutuações cíclicas. A estabilização deriva da necessidade de suavizar essas flutuações. Quase todas as escolas aceitam isso”, comentou Batista. “E como estabilizar? Dependendo da conjuntura, usando os instrumentos macroeconômicos para conter ou impulsionar a economia. Isso se complica quando há estagflação, e é o que nós temos hoje no Brasil. Uma inflação ainda acima da meta, com uma economia estagnada desde 2014”.

Batista observou que no início do governo Lula houve choques de oferta positivos. “Aconteceu justamente o que precisava acontecer. Do ponto de vista da inflação de 2023, este foi o principal fator, e não a política monetária”, observou. Ele apontou também que a principal dificuldade para o novo governo era livrar-se do teto de gastos e abrir exceções para a política fiscal com o teto ainda em vigor. “Isso foi feito por meio da PEC da Transição. Depois, o governo Lula tinha que administrar o risco fiscal, o que foi feito com certo sucesso com o arcabouço” – e, mesmo assim, o arcabouço foi alvo de críticas do economista, que o considera “uma barafunda”.

Ao falar sobre a atuação do Banco Central, caracterizou que ela produz pelo menos quatro danos: “Restringe o crescimento, desequilibra as contas públicas, concentra a renda nacional e introduz um choque de oferta negativa via recursos financeiros. Todos achamos que haverá uma redução nos juros na próxima semana – pode ser até de meio ponto, mas será tardia e insuficiente. Não quero ser pessimista, mas não devemos nos surpreender se a economia continuar crescendo pouco e a renda continuar concentrada”.