Mercado tem que contribuir com a justiça social

Equilíbrio fiscal, teto de gastos, reforma tributária, taxa de juros e controle da inflação foram alguns dos assuntos abordados pelo conselheiro federal Júlio Miragaya. Ele participou do programa A Entrevista, apresentado por Rodrigo Orengo no Canal Empreender, que pode ser assistido clicando AQUI. 

O equilíbrio fiscal foi a primeira questão debatida por Miragaya. “É fundamental entendê-lo a partir da retomada do crescimento econômico. Temos uma economia estagnada, que não está gerando receita para o Estado. A saída é retomar o crescimento econômico, aí a receita aparece. Retomamos o equilíbrio fiscal atacando o problema social”, apontou. “Temos que enfrentar o problema social e rapidamente retomar o crescimento. Nosso PIB potencial está travado: são cerca de 10 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados e 30 milhões de subocupados. São 45 milhões de pessoas que poderiam acrescentar muito mais à produtividade do País”. 

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tem apontado o combate à fome como prioridade. “É inadmissível que o terceiro maior produtor de alimentos do mundo tenha 33 milhões de pessoas passando fome e 91 milhões em insegurança alimentar”, criticou Miragaya. “Temos recursos. Pode agravar o resultado fiscal, mas não será isso que vai quebrar o país. Um Estado como o brasileiro não quebra”. 

O conselheiro federal apontou que a inflação ocorrida recentemente – e que levou o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros para 13,75% – vem de duas fontes principais: alimentos e combustíveis. “O governo abandonou políticas essenciais para o controle dos preços. Abdicou dos estoques regulatórios, deixou de investir na agricultura familiar, que é quem efetivamente põe comida na mesa do trabalhador”, criticou. “No caso dos combustíveis, privilegiou-se o pagamento de dividendos aos acionistas. A política que segue os preços internacionais é equivocada, porque 67% dos custos são gerados no Brasil. E a taxa de juros poderia estar num patamar menor se o governo tivesse sido mais atento à contenção da inflação”. 

A necessidade de uma reforma tributária passa por três aspectos. Um deles, que é consenso, é a necessidade de simplificação. Nos outros dois, as divergências aparecem. “Um deles é a disputa federativa. A redução dos preços dos combustíveis se deu pelo ICMS, o que penalizou os estados. Deveria haver uma compensação, ela veio pela metade e os estados perderam receita, num momento em que eles já questionam a grande concentração das receitas na União”, analisou Miragaya. “Outra questão é quem é tributado. Temos um sistema regressivo, que tributa principalmente o consumo. O Brasil precisa tributar mais a renda e a riqueza, com impostos que têm maior peso na estrutura tributária de outros países. A vantagem disso é estimular a atividade econômica. Para as micro e pequenas empresas, seria excepcional, porque grande parte das mercadorias e serviços no Brasil são comercializados por elas”. 

Tributar lucros e dividendos? “Das 60 maiores economias do mundo, só duas não tributavam lucros e dividendos: Brasil e Estônia. E a Estônia passou a tributar. Se houver uma percepção mais social do papel destes grandes empresários e investidores, eles vão ganhar também. Pagarão mais, mas numa economia em crescimento, vão ganhar mais também”, argumenta o economista. 

Ao discutir o pagamento de programas sociais fora do teto de gastos, Miragaya lembrou que a conta que não possui esta limitação é a de juros da dívida pública. “Pagamentos de juros para investidores e o sistema financeiro superarão 700 bilhões neste ano; o bolsa-família representa um décimo disso. Por que um pode ficar fora do teto e outro não?”, questionou. “O teto de gastos acabou neste último ano, com o pacote de bondades do governo. Vamos ter que repensar isso, com responsabilidade fiscal, mas discutir onde está sendo gasto o dinheiro arrecadado da população brasileira”. 

Por fim, o economista mencionou que é preciso estabelecer um instrumento que impeça o comprometimento do equilíbrio fiscal, mas que “não funcione como garrote” para os gastos sociais. “O resultado é que o farmácia popular não tem remédio disponível; a merenda escolar paga 36 centavos para cada aluno, distribuindo bolachinha e ki-suco. Não é um número, são milhões de crianças que dependem daquela alimentação, inclusive para estudar e ter sucesso. Em economia, é fundamental: temos que olhar as pessoas que estão por trás daquele número. Crianças, trabalhadores, pessoas passando fome. O mercado como um todo tem que ter esta sensibilidade. Não é se rebelar contra o mercado, é que ele dê sua dose de contribuição para que o País promova alguma justiça social”.