Carlos Pinkusfeld Bastos: “Novo Prebisch é subir nas cadeias de valor”

Na programação de abertura do XXVII Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia (SINCE), o economista Carlos Pinkusfeld Bastos, diretor-presidente do Centro Celso Furtado de Políticas Para o Desenvolvimento, falou sobre “Superação da crise: o debate ausente, mas necessário”.

“Falou-se muita coisa sobre fake news e ofensas, mas os temas relevantes para tentar superar a crise não apareciam e não tinham o destaque merecido”, iniciou Bastos. “Nosso papel aqui é este: pensar racionalmente, com alguma base do conhecimento que temos, e dar uma contribuição para o debate. Quero mostrar aos economistas que, mais do que vontade de fazer as coisas, temos de ter uma fundamentação, uma ciência.”

Ao fazer um parêntese para falar de Celso Furtado, Bastos destacou que ele “tem a característica de um verdadeiro economista: uma visão de mundo e de Brasil muito clara. Sempre foi nacionalista, teve uma preocupação com as populações menos favorecidas”. E acrescentou: “Ele tem ideias sobre como o mundo ou a economia deveria funcionar, mas sempre buscou fundamentar em modelos. Um homem público não pode estar capenga, principalmente um homem público que é economista”.

O economista falou sobre a relação entre o estruturalismo e a economia política clássica. “Raúl Prebisch via uma distinção muito forte entre centro e periferia e falava que as condições aplicadas ao centro não podem ser as mesmas para a periferia, porque temos particularidades. São condições diferentes. Todos tinham na cabeça que a periferia precisava crescer mais rápido que o centro para se aproximar dele. Essa é a ideia básica da CEPA”, expôs. “Ela nasceu no bojo de algo mais amplo, que foi a teoria do desenvolvimento, que nasceu com a descolonização. Ela acabou fundamentando a forma dominante de manejar a política econômica abaixo do Equador no pós-guerra, e é muito herdeira da economia política clássica.”

Ao abordar a economia brasileira, caracterizou alguns períodos diferentes. Até 1930 ou 1932, havia um modelo primário exportador de café e um crescimento de 4% ao ano. No período Vargas e pós-guerra vem o desenvolvimentismo. “Não foi algo brasileiro. O mundo era desenvolvimentista”, pontuou. Neste período, crescia-se a 7% ao ano. Em seguida, dos anos 80 a 2002, vem um período de crescimento médio de 2%. “Derrubamos uma inflação altíssima para algo mais baixo com impacto nulo sobre o crescimento”, argumentou. Entre 2004 a 2012, um período com crescimento superior a 4%. “Depois disso, vem a desgraça completa. A média desde então é 0,3%. Retrocedemos mais de dez anos. A renda per capita está caindo. Não é comum na história da humanidade.”

Em termos comparativos, entre 2014 e 2020 o Brasil fica na posição 175 (entre 194 países) em crescimento econômico acumulado. “Não se pode colocar a culpa no mundo. É um desempenho ruim nosso mesmo”, criticou. “Isso tem como consequência a piora dos indicadores. Não é coincidência, é um projeto. Tem nome de autor, tem gente que votou no Congresso.” E classificou a legislação trabalhista como um tiro no pé. “O maior crédito no Brasil é o consignado. Quanto menos gente no mercado formal, menos crédito. Se houver uma fonte de renda permanente, é possível crescer via crédito. Foi uma ideia ruim do ponto de vista social e péssima do ponto de vista econômico.”

Não faltou uma crítica ao teto de gastos. “A maior fake news foi dizer que o país estava quebrado e o dinheiro acabou. Gastamos 520 bilhões na pandemia. A dívida pública chegou a 90% do PIB, agora está na casa dos 70%. Não aconteceu nada. Países não quebram em sua própria moeda”, explicou. “O teto de gastos foi furado porque ele é claramente inviável.”

Ao questionar se as ideias de Prebisch ainda valem, apontou para as cadeias globais de valor, onde é cada vez mais difícil competir nas escalas mais baixas com os salários pagos em países mais pobres. “O novo Prebisch é subir na cadeia de valor. Não se pode entrar por baixo. Precisamos entrar do meio para cima.” E encerrou questionando se há acordo social para um programa mínimo de desenvolvimento para o Brasil.