Taxas de juros civilizadas – principal desafio da política macroeconômica

Por Fernando de Aquino*

A partir da crise de 2008, vários bancos centrais passaram a atuar diretamente sobre as taxas longas com programas de compras de ativos

Nas últimas três décadas, em apenas poucos e curtos períodos as taxas de juros no Brasil não estiveram entre as três maiores do mundo, mantendo a economia com crescimento pífio, mesmo nas melhores fases do ciclo. Esse fraco desempenho resulta do crédito ao setor real demasiadamente caro e das despesas do governo com juros exageradas, o que induz a compensá-las com drásticas retrações das despesas com investimentos públicos, travando a atividade econômica pelas duas vias. Não menos grave é o mecanismo de concentração de renda que estabelece, em favor do setor financeiro e dos outros detentores de títulos.

A situação persiste em função do uso de apenas a taxa de juros de curtíssimo prazo para controlar a inflação. O Banco Central do Brasil (BCB) e muitos economistas argumentam que os níveis de taxa de juros praticados são muito altos devido à rigidez da inflação entre nós, decorrente de um histórico de inércia inflacionária que fortalece os chamados efeitos de segunda ordem – disseminação de repasses de elevações de custos e de inflação passada. A adoção de outros instrumentos viabilizaria reduções substanciais dessas taxas.

Precisaríamos de um conjunto de instrumentos, com parte deles não estando ao alcance do BCB, mas do Governo Federal, que passaria a atuar sobre mercados do setor real, com vistas a amenizar o peso da estabilização de preços sobre as taxas de juros. Esse conjunto de instrumentos, à margem do BCB, abrangeria:

  • Formação dos preços internos da Petrobras por critérios que não pressionem desnecessariamente a inflação. A atual paridade de preços de importação (PPI) beneficia apenas a empresa e seus acionistas, reduzindo o poder de compra dos demais agentes. Uma alternativa é a formação de preços com base nos custos reais, que são tanto externos como internos, o que reduziria os impactos das oscilações vindas do setor externo. Outra opção é a criação de um fundo, financiado com os lucros extraordinários da própria empresa, para suavizar e até subsidiar os preços.
  • Calibrar impostos indiretos, inclusive os de exportação e importação, para compensar choques de custos em produtos de grande peso para a inflação.
  • Reorganizar o sistema de estoques reguladores para equilibrar a oferta dos produtos abrangidos, estabilizando, assim, seus preços.
  • Reestruturar a matriz energética, ampliando a capacidade de produção de modalidades de mais baixo custo e menos poluentes, como a hídrica, eólica e solar, a fim de não mais precisar, nem em períodos de estiagem, de fontes caras e poluentes, como a térmica.

Não menos importantes são as adequações nos possíveis instrumentos do BCB, para conseguirem efeitos satisfatórios sobre a inflação com taxas de juros menores que as que vêm sendo praticadas. Os atuais procedimentos operacionais da política monetária são similares aos dos bancos centrais em geral até a crise financeira de 2008. No caso do Brasil, o Conselho Monetário Nacional (CMN) explicita um intervalo prévio como meta para a variação do IPCA em um ano e o BCB utiliza, quase que exclusivamente, a taxa Selic – que é a praticada com os bancos para empréstimos por um dia – para manter a inflação dentro daquele intervalo.

Como mecanismos de transmissão, os mais relevantes seriam a contenção da demanda, pelo encarecimento do crédito, e o barateamento do preço da moeda estrangeira, pela atração de capitais externos para aplicação em títulos. Com a moeda estrangeira mais barata, ganha-se menos reais com exportações, aceitando-se preço menor vendendo internamente, e paga-se menos reais por importações, cobrando-se menos por importados e seus concorrentes internos.

A cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), cujos membros com direito a voto são o presidente e os diretores do BCB, a taxa Selic é estabelecida buscando-se atingir a “taxa de juros neutra”, que seria a curva de juros – taxas para os diversos períodos à frente – que levaria as expectativas de inflação convergirem para as suas metas. Os desvios podem ser sempre atribuídos a choques de oferta ou de demanda, assim como a resultados fiscais ou externos, não antecipados pelos agentes e por isso não incluídos nas expectativas de inflação. Em todo caso, em que pese tanta indeterminação, deve-se elevar a taxa Selic quando se identifica indícios e se obtém projeções de que a inflação extrapolará a meta e reduzi-la quando se espera que a economia acomode a redução sem pressões que levem a descumprir a meta.

Esse esquema convencional de política monetária exige que a taxa de juros por um dia seja suficientemente alta para elevar toda a curva na medida julgada requerida, quando se deseja reduzir a inflação. As curvas assim obtidas são muito voláteis, em função da reação do mercado aos eventos não antecipados. Quanto maior essa volatilidade da curva, mais elevada ela precisará ser mantida para se perseguir o nível de inflação pretendido. O gráfico mostra curvas de juros em três dias consecutivos, com a taxa Selic, controlada pelo BCB, exatamente a mesma, evidenciando a volatilidade resultante de um esquema em que elas são determinadas pelo mercado, com os agentes econômicos transmitido suas incertezas.

CURVAS DE JUROS

A partir da crise financeira de 2008, vários bancos centrais passaram a atuar diretamente sobre as taxas longas com programas de compras de ativos, um dos chamados, na literatura, “instrumentos não convencionais de política monetária”, induzindo a redução dessas taxas. Em resposta aos impactos da pandemia de COVID19, muitos outros bancos centrais, inclusive de economias emergentes, passaram a adotar esses programas.

Outro instrumento não convencional de política monetária, conhecido como “controle da curva de juros”, consiste no estabelecimento de meta, formal e explícita, para taxa de período mais longo que um dia, a qual o Banco Central garantiria por meio suas negociações com títulos ou swaps. Até agora são poucas as experiências com esse instrumento, destacando-se a do Banco do Japão (BoJ), que vem adotando a modalidade desde 2016. A avaliação do caso do BoJ, utilizando econometria de séries temporais (HATTORI et al, Yield Curve Control. 2020 Annual Meeting – American Economic Association, 2021), indica que as expectativas de rendimento dos investidores convergem, tornando os rendimentos dos títulos públicos japoneses, de todos os vencimentos, estacionários e menos voláteis, o que não ocorria, mesmo com a realização de programas de compra de ativos progressivos.

Caso esse instrumento fosse aplicado no Brasil e alcançasse resultados similares, o BCB conseguiria maior controle da curva de juros, que também teria menor volatilidade. Com isso, taxas menores seriam suficientes para controlar a inflação e a taxa por um dia perderia sua importância na determinação dessa curva, podendo assim ser deixada livre ou mantida com valores substancialmente mais baixos do que tem sido os valores da taxa Selic.

A conveniência de se utilizar outros instrumentos também precisa ser analisada. Seria o caso de se estabelecer limites para taxas de juros, impedindo que se tornem exorbitantes, como as do cheque especial e do rotativo de cartão de crédito, assim como da utilização mais ativa de condicionantes de alavancagem de crédito, como os recolhimentos compulsórios e os índices de Basileia de regulação prudencial.

Um conjunto de instrumentos dessa natureza, à medida que viabiliza o controle da inflação com taxas de juros mais civilizadas, traria benefícios inestimáveis para a economia brasileira:

  • Menores despesas com juros acomodariam melhor as despesas com investimentos públicos e outras que promovessem crescimento econômico e inclusão social.
  • Com custo de captação menor e mais estável, as instituições financeiras poderiam prover crédito mais barato ao setor real.
  • Com curva de juros mais baixa e a taxa por um dia substancialmente reduzida, a concentração de renda patrocinada pelas taxas de juros seria bem menos intensa.

*Fernando de Aquino Fonseca Neto, Economista, Conselheiro Coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon