Sanções econômicas à Rússia mudam cadeias internacionais de suprimentos

“No entanto, para aproveitar a ‘janela’, precisamos ter políticas de competitividade”, diz Lacerda

O presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, participou na última segunda-feira (11) do seminário “Que País Queremos?”. O evento foi realizado pelo Grupo Brasil Primeiro e transmitido pelo YouTube no canal Revolução Industrial Brasileira. A participação de Lacerda se deu na mesa “Perspectivas para a Indústria Brasileira”, que também contou com a participação do economista Nelson Marconi. 

Em sua palestra, Lacerda abordou o processo de desindustrialização vivido pelo Brasil e o classificou como precoce. “Os países desenvolvidos tiveram a desindustrialização a partir de uma depuração do crescimento do setor de serviços”, avaliou o presidente do Cofecon. “A desindustrialização brasileira não se deu a partir da elevação da renda per capita a padrões médios internacionais e ocorreu num processo de reversão das estruturas produtivas. O que nós tivemos nas últimas décadas foi a perda de elos significativos da produção brasileira”. 

Neste contexto, o economista caracterizou dois mitos sobre a economia brasileira, sendo o primeiro deles a afirmação de que ela é fechada. “Nós temos pouquíssimos instrumentos de contenção das importações. Alguém pode lembrar: ‘tal setor tem uma alíquota elevada’. Sim, mas a média da indústria tem uma alíquota muito abaixo da ideal vis a vis a estrutura sistêmica de custos”, afirmou Lacerda. “Paralelamente, não temos políticas de competitividade, o que inclui política industrial, comercial e de ciência, tecnologia e inovação”.  

O segundo mito, na visão de Lacerda, é que somente a microecomia ou as decisões das empresas, como a busca por produtividade, são capazes de resolver a questão da competitividade da indústria brasileira. “Esse engodo é repetido por alguns economistas e também por empresários. A produtividade é importante. Mas sem um conjunto de políticas de competitividade já mencionadas, e sem um arcabouço macroeconômico que lhe dê suporte, não há medida microeconômica capaz de compensar essas diferenças”, argumentou. “Estados Unidos, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul são países altamente desenvolvidos no seu ramo industrial e contam com políticas de Estado bastante significativas para usar instrumentos como compras governamentais, proteção tarifária, incentivo à geração de tecnologia, entre outras”. 

Vários pilares da macroeconomia brasileira foram criticados por Lacerda, começando pela política cambial, que faz a cotação da moeda brasileira ser bastante volátil, e pelas altas taxas de juros que combinadas tornam o País um terreno fértil para operações de arbitragem e carry trade. “Este capital especulativo não traz benefício nenhum para o Brasil. É diferente de um investimento estrangeiro direto”, apontou o presidente do Cofecon. “No debate que chega ao grande público não há esta diferenciação (entre capital estrangeiro direto e especulativo). Imediatamente se “vende” capital estrangeiro como algo positivo. Mas com a volatilidade e a diferença da taxa de câmbio, cria um cenário absolutamente inóspito para decisões de investimentos”. 

Para Lacerda, parte das empresas brasileiras e das filiais de multinacionais atuantes no Brasil têm um bom nível de competitividade, em vários casos até melhor que a matriz ou as filiais no exterior. “O problema é que a competitividade sistêmica, o que popularmente se chama “Custo Brasil”, inviabiliza a transformação dessa boa posição que você tem”. O presidente do Cofecon também questionou a ausência do tema na agenda brasileira e no governo. A fusão de ministérios para criar o Ministério da Economia e a extinção do Ministério da Indústria e Comércio. Fez-se uma miscelânea de assuntos que é impraticável de ser conduzidos”. 

Ao falar sobre o futuro da indústria no Brasil, Lacerda argumentou que as políticas macroeconômicas precisam estar voltadas ao desenvolvimento industrial – referindo-se novamente às políticas de competitividade. Trouxe também ao debate a questão da participação nas cadeias globais de produção. “A pandemia e a guerra têm revelado a importância da segurança de fornecimento. A tese liberal de que você pode se especializar naquilo que você faz bem e se abastecer de importados do outro, carece de lógica. O Brasil, no início da pandemia, mesmo com pagamento adiantado, não teve acesso a vários produtos de proteção individual. Alguns muito simples como luvas, máscaras, gorros, respiradores e insumos para fabricação de vacinas e de outros medicamentos”, analisou o economista. “As sanções à Rússia significam um reposicionamento das cadeias globais de suprimentos. Para o Brasil, pode ser uma oportunidade. Se você construir um arcabouço favorável à agregação de valor, pode aproveitar essa janela para reinserir as empresas brasileiras nessas cadeias internacionais de valor”. 

Finalmente, o presidente do Cofecon pontuou que não há precedentes de um país desenvolvido que não tenha contado com um setor industrial forte. “Os poucos exemplos que são citados são risíveis comparados ao Brasil. Austrália e Nova Zelândia não têm 10% da população brasileira”, questionou. “Não estou entre os que desprezam esta indústria que temos por julgá-la superada. Se o Brasil estiver no processo, pelo menos estará no jogo. Para agregar os novos conceitos da indústria 4.0, da nanotecnologia, do 5G, da internet das coisas, da transição energética e verde, é preciso estar no jogo. O tema tem de estar colocado na agenda. Mas é uma ilusão pensar que podemos compensar as deficiências no campo meso e macro com medidas microeconômicas”.