Quando problemas urgentes não podem esperar uma solução futura

“No longo prazo todos estaremos mortos”

John Maynard Keynes

A frase de John Keynes, citada pelo presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, em entrevista ao programa Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes, no último sábado (12), chama a atenção para a inadiável necessidade de solução dos problemas atuais para garantir, principalmente aos mais vulneráveis, uma chance de futuro. A fome, o desemprego, a inflação, a (falta) de saúde, nesse contexto, não podem esperar uma solução a longo prazo.

Assim, ao longo da entrevista, Lacerda levantou pontos importantes incluindo preço dos combustíveis, privatizações e efeitos da guerra na economia brasileira. Ele defende que setores estratégicos, que afetam a vida do cidadão e da nação, devem permanecer sob controle estatal. “Nestes setores há monopólios ou oligopólios naturais, e isso não pode ser deixado ao sabor do mercado”, argumentou o economista. “Estamos falando de segurança alimentar, energética e hídrica. Além disso, o cidadão será “jogado aos leões”. Mesmo nos casos em que houver privatização, é preciso um poder regulatório muito forte do Estado para proteger o mercado e o cidadão”.

Ao discutir as privatizações, comentou o caso da telefonia – normalmente citado como um caso de sucesso, mas que, na visão do presidente do Cofecon, foi exatamente o contrário. “Antes era muito caro ter um telefone e hoje todos têm. Isso não decorreu só da privatização. Decorreu de uma mudança tecnológica que foi mundial, e houve um barateamento com a telefonia móvel”, comentou. “Mas a regulação no Brasil é precária e o consumidor fica sem alternativa. É um oligopólio. As empresas exploram seus assinantes. O usuário reclama, reclama, e quando se cansa e vai para outra operadora, corre o risco de ter os mesmos problemas: péssimos serviços e tarifas absurdas”.

Falando especificamente da Petrobras, Lacerda pontua que a União ainda é a principal acionista e tem muito controle sobre a empresa. “Mas a lógica presente na gestão atual é privatista e adota a paridade de preços com o mercado internacional. Então temos dois impactos: um é o preço internacional do petróleo e o outro é a cotação cambial”, explicou. “Hoje o Brasil é quase autossuficiente, só não consegue ser totalmente porque não tem capacidade de processamento. Um ouvinte lembrou muito bem: se a Petrobras tem tanto lucro, por que não investe mais em refinarias?”.

Embora também tenha argumentado que “não dá para congelar os preços ou ignorar o mercado internacional”, Lacerda critica o repasse imediato da cotação do petróleo para os preços dos combustíveis. “Gera um efeito benéfico exclusivamente para a empresa. No ano passado a Petrobras distribuiu mais de 100 bilhões de reais em lucros. Isso não é ilegal, mas também não é lógico, porque significa que a empresa está tendo um lucro exorbitante em cima da população brasileira”, questionou. “Temos de ter mecanismos que amenizem a volatilidade e criar ferramentas para que o consumidor não seja tão onerado. Este reajuste onera o trabalhador mais pobre”, completou, fazendo referência ao cidadão que, mesmo sem ter carro, é afetado em todo o seu consumo pela alta nos preços do gás e do transporte, afetando muito do que consome.

O investimento em novas refinarias, para aumentar a capacidade brasileira, passa por uma questão importante: a matriz energética do mundo encontra-se em mudança. Qualquer decisão a respeito deve equilibrar presente e futuro. “O petróleo é um bem em extinção, tenderá a ser substituído nas próximas décadas, mas hoje ainda dependemos dele. Precisamos de um planejamento, atraindo recursos do setor privado para suprir as necessidades de investimento dentro de um plano energético, para um mínimo de 10 anos, para a sustentabilidade da matriz energética brasileira”, propôs o presidente do Cofecon. “Hoje já temos uma razoável autossuficiência. Precisamos de uma matriz mais justa de precificação e do repasse dos preços ao consumidor final”.

Para isso, o economista considera relevante o planejamento – e o fundo soberano fazia parte desta visão. “O melhor exemplo que conheço é o da Noruega. O fundo é abastecido por uma parte das receitas do petróleo e serve para ações estratégicas, ligadas a ciência e tecnologia, economia verde, tudo o que é necessário”, apontou o presidente. “O Brasil tem outra riqueza importante que são as reservas cambiais. São cerca de 370 bilhões de dólares para que, nos momentos de crise, seja possível intervir no mercado para evitar a desvalorização. Mas isso fere a lógica privatista que prevalece no governo atual”.

Finalmente, o presidente do Cofecon falou sobre a alta dos preços dos alimentos causada pela guerra. Segundo a FAO (Food and Agriculture Organization, órgão das Nações Unidas), a elevação será de 20%. “Nos últimos 30 anos tivemos a globalização da economia, elevando o poder das chamadas cadeias globais de valor. O mundo é muito interdependente quanto a fornecimento de matérias-primas e alimentos”, comentou Lacerda. “Precisamos de órgãos reguladores internacionais para ter políticas de atendimento às regiões e países mais afetados pela guerra, e até mesmo para a própria preservação da ordem econômica internacional. Se quisermos ter um clima de paz, temos que cuidar da segurança alimentícia, energética, hídrica e, sobretudo, da segurança das pessoas”.

Para a entrevista na íntegra acesse clicando aqui.