Lacerda: inflação é maior para os mais pobres

Em live realizada pela Fundação Perseu Abramo, presidente do Cofecon discutiu os impactos do aumento da taxa de juros e ressaltou que uma menor inflação em 2022 não significa preços em queda

Inflação alta, desemprego e um super programa de transferência de renda – mas não para os mais pobres e sim para os mais ricos. Todos esses assuntos e alguns outros foram discutidos pelo presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, em uma live realizada pela Fundação Perseu Abramo na última segunda-feira (14) para colocar em debate os impactos do aumento da taxa Selic sobre a economia brasileira.

Inflação menor não significa preço em queda

Para Lacerda, é um contrassenso aumentar a taxa de juros num país em que há capacidade ociosa, desemprego elevado e demanda sem crescimento. “Temos cerca de 70% das famílias brasileiras endividadas e 25% que estão inadimplentes, que não conseguem pagar em dia suas dívidas. É uma crise permanente, um cenário de estagflação”, criticou o presidente do Cofecon. “Todas as projeções apontam para uma queda da inflação em 2022, mas isso não é efeito só da taxa de juros. Tem a ver com o comportamento dos preços internacionais, cuja pressão não terá a mesma magnitude neste ano, assim como não haverá uma desvalorização tão grande do real frente ao dólar”.

O economista fez questão de destacar que inflação mais baixa não significa preço em queda. “Pelo contrário. Inflação significa alta de preços. Eles continuarão subindo, numa média menor, mas sobre uma base muito elevada”, analisou. “Quem vai ao supermercado, ao açougue, quem abastece o carro, quem compra gás de cozinha, quem paga conta de luz sabe disso muito bem. Esses indicadores estão subindo mais do que a inflação média. Para as pessoas de menor renda, para quem a cesta de consumo, alimentação, transporte, gás e energia elétrica tem um peso relevante, a inflação é muito maior do que os 10,5% apurados em 2021”.

Banco Central e mercado financeiro: conflitos de interesses

Lacerda também abordou a influência do mercado financeiro sobre a política econômica. Ele também abordou distorções quanto ao relatório Focus, que traz as expectativas de mercado com relação a vários indicadores. “Muitas vezes alguns órgãos até noticiam equivocadamente que o Banco Central está prevendo uma inflação maior. A pesquisa, embora operacionalizada pelo BC, ouve as respostas de cem membros do mercado financeiro. Outra coisa, se na semana passada a média das respostas para a expectativa de inflação foi de 5,20% por hipótese e nesta semana foi para 5,25%, vira notícia, quando na verdade essa média pode, inclusive, ter um universo diferente de pessoas respondendo e está dentro da banda de variação”.

Mas o problema mais grave, para o presidente do Cofecon, não são essas distorções, e sim o conflito de interesses. “Estes economistas do mercado financeiro são os mesmos que trabalham com gestão de ativos, que compram títulos para a carteira dos bancos e dos seus clientes. A maioria são títulos pós-fixados, vinculados à variação da Selic. Há um claro interesse em criar um ambiente favorável à elevação da taxa de juros para premiar os detentores destes títulos”, apontou Lacerda. “Há um claro conflito de interesses e o BC argumenta que tem que aumentar os juros levando em conta as expectativas de inflação. Está feito aí um processo brutal de transferência de renda. Nos últimos cinco anos foram transferidos dois trilhões de reais da sociedade para os detentores dos títulos. O programa Bolsa-Família, infelizmente descontinuado por razões político-eleitoreiras, chegou a atender mais de 50 milhões de brasileiros custando pouco mais de 30 bilhões de reais ao ano”.

Superavit primário: “Não há nada para comemorar”, diz Lacerda

Há poucos dias foi anunciado um superavit primário nas contas públicas no ano de 2021. “Houve uma espécie de comemoração com os resultados fiscais do país. Mas por que houve este superavit? A própria inflação favoreceu a arrecadação. Não é que a arrecadação tenha se recuperado por uma melhora na economia, é apenas algo nominal que ocorreu num quadro em que não há nada para comemorar”, analisou o economista. E acrescentou uma ironia: “Como diz um amigo, o Brasil se tornou um país importante para “fecha” negócios: está fechando lojas, fábricas, prestadoras de serviços, que não conseguem se sustentar diante de uma economia combalida. Não há nenhum mérito em gerar um superavit primário inibindo os gastos sociais e o investimento público”.

Os cortes de investimentos foram chamados por Lacerda de “pseudoausteridade”. “Há cortes de verbas essenciais no Ministério da Ciência e Tecnologia e na educação. Grandes portadores de futuro estão inibidos em troca de aumentos salariais para uma casta privilegiada com objetivos meramente eleitoreiros, privilegiando os aliados em detrimento da imensa maioria da população”, criticou. “Há expansão de gastos onde não deveria, e contenção em áreas importantes. Junto com isso, elevando a taxa de juros, temos o pior dos mundos: não há crescimento econômico, o custo de vida aumenta, o custo de financiamento da dívida aumenta e restringe ainda mais a atuação do Estado. Nesse cenário, a sociedade, como um todo, paga a conta. Mas como somos um país extremamente desigual, quem paga mais é a população de mais baixa renda”.

Em ano eleitoral, Lacerda enfatiza importância de mudar modelo

A política econômica, para Lacerda, “é uma questão de economia política com o papel de conduzir um conjunto de medidas que favoreça a melhora da qualidade de vida da população. Ela tem que ser um instrumento para estimular a atividade econômica, gerar emprego e renda, porque isso é o que melhora a qualidade de vida”, argumentou. “É uma questão de economia política. Quem são os grupos que se apropriam da renda e da riqueza. Estamos num ano eleitoral, é importante que estes temas estejam em debate”.

Finalmente, a importância das eleições também foi abordada pelo presidente do Cofecon. “Ao escolher seus representantes no Executivo e no Legislativo, seja em nível federal ou estadual, a sociedade deve exigir que seus postulantes apresentem o que defendem para a economia. No governo, o que foi feito foi eliminar o Ministério do Trabalho e Emprego, o antigo Ministério da Fazenda, do Planejamento e o da Indústria e Comércio num único ministério, da Economia, que rege as políticas econômicas, mas de forma reduzida. Não há quadros suficientes para acompanhar a complexidade das grandes transformações em curso na economia mundial. Estamos diante da indústria 4.0, do 5G, da robótica e da nanotecnologia, da transição para a economia digital, para a economia verde”, questionou Lacerda. “É preciso mudar fundamentalmente este modelo. Estamos diante de uma oportunidade de fazê-lo nas eleições deste ano, mas é preciso que fique claro o que cada candidatura está defendendo”.

O evento contou com a presença do também economista Marcelo Manzano e foi mediado por Ellen Coutinho. O vídeo completo pode ser assistido no vídeo abaixo: