A mudança de papel dos economistas em debate

Matéria divulgada no portal GGN

Em meio ao vício da mídia em priorizar mercado financeiro, debate da economia real se torna um ponto de resistência

O vício da grande mídia em abrir espaço apenas para a visão dos economistas ligados ao mercado financeiro acabou por empobrecer o debate econômico e criou uma imagem irreal para a categoria, mas o fracasso visto nos últimos anos está abrindo espaço para quem discute a economia real.

O tema foi abordado na última edição do programa TV GGN Nova Economia, onde os jornalistas Luis Nassif e Sergio Leo, ao lado dos economistas João Furtado e Gabriel Galípolo, conversaram com o economista Antonio Correa de Lacerda, professor da PUCSP e Presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

“O economista de mercado tem um interesse, que é o compra e vende no dia seguinte. E o Brasil, por conta dessa falta de aprofundamento do debate econômico e ficando na superficialidade do mercado, passa a condicionar todas as medidas de política econômica a esse interesse imediato do mercado”, diz Nassif.

Em meio ao fracasso do passado recente sendo revelado, Nassif lembra que “tem os economistas que discutem a economia real e são ponto de resistência”, no que Lacerda concorda, citando inclusive o próprio conselho da Cofecon.

“Felizmente temos um conselho que conseguiu formar um grupo de conselheiros que é bastante plural, tem várias vertentes, várias linhas teóricas, várias ideologias, mas que tem um ponto comum que é essa coisa da defesa da democracia, defesa da pluralidade do debate econômico”, lembra Lacerda.

Falta de visão de longo prazo

A Cofecon lançou um projeto chamado Economia em Debate que busca intensificar o debate econômico ao longo prazo, principalmente durante o ano de 2022. Segundo Lacerda, “parte desse processo que é a chance que a gente tem de mudar minimamente essa barbárie que se instalou em 2019”.

Entre os pontos citados por Lacerda, está o apequenamento da visão econômica retratada na mídia corporativa, além da junção de todos os temas econômicos sob o argumento de uma “pretensa racionalidade” ao juntar Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio e Emprego e Trabalho em um único ministério.

“Só agora, no ano passado, por razões meramente oportunísticas é que se desmembrou novamente o Ministério do Trabalho e do Emprego”, disse Lacerda. “O fato é que saiu a estratégia, planejamento, e a visão de longo prazo saíram da agenda”.

Lacerda ressalta que, em 2022, o grande desafio daqueles que querem um Brasil democrático e desenvolvido “é resgatar a ideia que não existe política econômica única, que existem alternativas e a alternativa que todos desejamos não é aquela que é necessariamente do agrado do mercado financeiro”.

As realidades distintas do Brasil

A Cofecon conta com 26 conselhos regionais, e Antonio C. de Lacerda diz que é possível visualizar a desigualdade do país. “O Brasil é necessariamente, em função da nossa própria estrutura uma nação desigual, um país concentrador e evidentemente exige uma análise muito mais rigorosa”.

Lacerda ressalta que essa análise varia de conselho a conselho, por conta do acesso de cada regional a dados. “O estado de São Paulo, bem ou mal, tem uma Fundação Seade onde você consegue ainda reunir alguns dados, mas infelizmente em alguns estados isso não é possível, não existe uma base de dados”.

Segundo o professor da PUCSP, a diversidade brasileira se dá mesmo dentro dos estados, e para não dizer das grandes metrópoles. “Você tem uma convivência muito grande entre a opulência e a pobreza (…) O Brasil é absolutamente diverso e exige um aprimoramento, uma análise mais profunda da realidade de cada um”.

O papel dos economistas setoriais

Entre os personagens que tem sido pouco utilizados dentro do debate econômico brasileiro, estão os economistas dos sindicatos ou associações setoriais. Segundo Lacerda, “criou-se uma hierarquia de economistas que o mercado acabou puxando para cima e muitas faculdades acabaram indo atrás até por uma questão de pontuação frente a esses critérios internacionais e deixando de lado a análise setorial”.

Para o economista, existe a possibilidade de a retomada econômica do país ajudar a melhorar o status da análise regional, embora a ideia da economia como o mercado financeiro ainda prevaleça na maioria das análises e de muitas escolas.

Em termos de linhas de pensamento e visão do desenvolvimento, Lacerda destaca a própria PUCSP – que tem uma visão diferente da PUC-Rio – além da Unicamp, a Unesp e a UFRJ, entre outras que tem uma visão mais pluralista e na visão da economia mais voltada para o desenvolvimento em uma acepção mais ampla.

“Quer dizer, não é só a meta de inflação, não é só o crescimento por si só, não é só a atividade financeira, é a atividade como um todo”, disse Lacerda. “Então, eu acredito que existe sim essa oportunidade, a necessidade vai levar a isso”.

Articulação com setor produtivo

O presidente da Cofecon ressalta a necessidade de uma articulação com setor produtivo, “que anda tão acanhado no Brasil porque, de um lado, você tem setor produtivo em uma acepção mais ampla, essa visão ufanista do agronegócio, e que na verdade não vai muito além disso (…) E do outro, você tem um setor industrial por uma conjunção de fatores extremamente introvertido”.

Lacerda lembra que o atual nível da produção industrial brasileira é igual ao que era visto 15 anos atrás. “Houve uma desindustrialização ferrenha, uma combinação de fatores adversos e que levaram desde a política econômica até a estrutura da desnacionalização que ocorreu na economia brasileira, e muitos outros fatores, a uma redução do papel da indústria como fator de desenvolvimento”.

Então, o presidente da Cofecon destaca que tanto a análise regional como a setorial são determinantes devido à necessidade de se valorizar os centros de estudos que ainda existem e se dedicam a essa atividade, “que analisam o setor produtivo de uma forma diferente da financeirização que tomou conta da economia brasileira e tomou conta do pensamento econômico vigente na maior parte das empresas e dos setores”.

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