Presidente critica PEC 32 em audiência da OAB

O presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, participou nesta quinta-feira (05) de uma audiência pública realizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para discutir a PEC 32/2020 (reforma administrativa). O evento, que teve como título “Reforma Administrativa, pontos críticos e aprimoramento indispensável para a preservação dos princípios da administração pública”, foi realizado em ambiente virtual e transmitido pelo canal da OAB no Youtube. O Cofecon esteve presente junto a outras entidades que apresentaram suas manifestações na mesa virtual de abertura.

Lacerda apresentou uma visão crítica à PEC 32 argumentando que ela traz, em sua origem, a ideia equivocada do “Estado mínimo”. Afirmou ainda que não estão apresentados os argumentos que respaldem a proposta e ressaltou que, num cenário tão grave de crise, o Brasil precisa de um Estado empreendedor. O vídeo completo do evento pode ser visto AQUI.

Leia abaixo a íntegra da fala do presidente:

Eu cumprimento mais uma vez a todos e todas que participam deste importantíssimo evento, parabenizo a OAB na figura do dr. Marcelo Terto, representando aqui o presidente Felipe Santa Cruz, por essa importantíssima iniciativa. Eu falo como presidente do Conselho Federal de Economia, o Cofecon, e também como professor do programa de pós-graduação em economia política da PUC/SP, onde coordeno um grupo de pesquisas em desenvolvimento e política econômica, e particularmente tenho interesse na questão do Estado, o papel do Estado no desenvolvimento. Em função disso, gostaria de compartilhar neste curto espaço de tempo, mas muito relevante, algumas reflexões.

Vejo que a PEC 32 traz no seu bojo um vício de origem que é a ideia do “Estado mínimo”, a falácia do Estado mínimo, como se o Estado pudesse ser simplificado e devesse ser reduzido em face das enormes transformações. Alguns dos que me antecederam já apresentaram com muita propriedade várias das incoerências contidas nesta proposta, mas eu gostaria de destacar também um aspecto que me parece fundamental, que é a necessidade do debate sobre os impactos dessa PEC.

Não estão suficientemente apresentados todos os argumentos e estudos que respaldem a execução da PEC, especialmente neste momento, no meio de uma pandemia, numa crise econômica gravíssima, uma crise sanitária, uma crise política. Não podemos deixar que você tenha o que o ex-ministro do meio ambiente, numa reunião ministerial em abril do ano passado, configurou como “passar a boiada” – essa infeliz expressão, porém muito reveladora.

Temos assistido no Brasil, nas propaladas reformas (que na verdade são muito mais contrarreformas), seja no campo da questão tributária (que seria um outro tema de extrema relevância), mas aqui no campo da dita reforma administrativa, não podemos cair na armadilha de, em troca de uma aparente simplificação, inverter toda a lógica do papel do Estado na economia, do papel do servidor público de Estado, desvinculado do governo – políticas públicas de Estado conduzidas por técnicos concursados, com estabilidade, porque isso é que garante a transparência, a continuidade da atividade pública de uma forma geral.

Essa visão ultraliberal de simplificação, de redução, é muito incoerente, tanto na já citada crise sanitária, política, econômica e social, como também nos grandes desafios que se apresentam. A tecnologia 5G nas telecomunicações, a indústria 4.0, a nanotecnologia, os novos princípios da transparência, tudo isso está a exigir por um estado muito mais empreendedor, citando a literatura internacional, já que eles não valorizam os estudos disponíveis na Academia sobre a temática do papel do Estado, então vamos ouvir quem escreve lá fora, como a professora Mariana Mazzucatto, que tem colaborações muito interessantes sobre o papel do estado no desenvolvimento econômico.

O que nós precisamos é sim, fazer uma reforma de fato no Brasil no âmbito tributário, administrativo, no âmbito da burocracia, mas nós não podemos, em nome de uma pretensa simplificação, jogar “a criança com a água suja do banho” e criar muito mais distorções do que aquelas que seria possível. O Brasil tem todas as condições de ser um país vencedor do ponto de vista econômico, político e social, e com a preservação do Estado democrático de direito, da liberdade de expressão, da liberdade de cátedra, porque isso é que nos tornará uma nação menos injusta do que atualmente é. Mas não é com falsas reformas que nós vamos corrigir estas distorções.

Deixo aqui de prontidão o Conselho Federal de Economia para colaborar com todas as entidades aqui presentes na discussão de qual o papel do Estado para o desenvolvimento brasileiro e qual o Estado que necessitamos, que é muito diferente do ”Estado mínimo”, para fazer frente aos grandes desafios que se apresentam para o futuro.

Muito obrigado.