Marcelo Neri e Rosa Maria Marques discutiram políticas sociais pós-pandemia

O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira (01) mais um debate de conjuntura. O tema, desta vez, foram as políticas sociais pós-pandemia, e os debatedores foram os economistas Marcelo Neri e Rosa Maria Marques. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal do Cofecon no Youtube e o vídeo encontra-se disponível.

Na abertura, o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, afirmou que o tema das políticas sociais por si só é relevante, mas que na pandemia cobrou uma dimensão extraordinária. “Ela evidenciou uma série de problemas estruturais e a vulnerabilidade social de milhões de brasileiros”, comentou o presidente. Uma das características do momento de pandemia tem sido o uso de novas tecnologias e, diante delas, a questão do emprego é vista como um desafio. “Existe uma grande discussão sobre a adoção de programas de renda mínima desatrelados do trabalho”, expôs Lacerda.

Marcelo Neri

Marcelo Neri foi o primeiro a falar. Caracterizou a pobreza como uma renda mensal per capita de 250 reais (um salário-mínimo para uma família de 4,3 pessoas). “Nosso auge de indicadores de redução da pobreza e desigualdade foi em 2014. Até 2019 a pobreza e a desigualdade subiram, e quando parecia que parariam de subir, veio a pandemia”, afirmou Neri. “A pobreza era de 11% em 2019, em maio de 2020 ela caiu para 5,5%, um dado paradoxal, mas a pobreza caiu por causa do auxílio emergencial, que atingiu 67 milhões de pessoas a um custo de 300 bilhões de reais por um período de 9 meses. A pobreza chegou a 4,8% em agosto, mas na medida em que o auxílio foi sendo reduzido e suspenso, chegou a 16%”. O Brasil já vinha de uma crise, e a pobreza teve uma alta volatilidade no período

Ao falar sobre os dados que permitem acompanhar a pandemia, relatou uma política do IBGE, que foi a PNAD Covid, uma pesquisa semanal. “Depois de novembro, estamos num voo cego. Testamos apenas 14% da população. A PNAD Covid era um banco de dados bastante interessante que acompanhava as mesmas pessoas ao longo do tempo. Essa interrupção de dados é inaceitável, estamos sem informações em tempo real sobre a população”, questionou. E, apesar do dado surpreendente sobre o PIB brasileiro do primeiro trimestre do ano, a renda média do trabalhador brasileiro encontra-se 11% abaixo do nível de um ano antes. “As perdas, na base, são muito maiores”, avalia.

Ao falar sobre o trabalho no período de pandemia, caracterizou a informalidade como uma rede de proteção social, mas que também foi afetada pelo isolamento social. “O auxílio emergencial é uma anestesia, altamente necessária, mas temos que fazer uma operação assistida no mercado de trabalho”, apontou Neri. “Talvez o Brasil tenha sido o mais keynesiano dos países emergentes, gastamos 7,5% do PIB em ações contra a pandemia. Mas medindo os indicadores do Brasil e comparando com outros países, o que mais me preocupou foi a educação: 56% dos brasileiros estavam satisfeitos antes da pandemia, e depois este número caiu para 41% – no mundo, houve uma piora de quatro pontos.

Ao falar acerca dos efeitos da pandemia sobre a educação, Neri afirmou que preferimos abrir bares e fechar escolas. “Os índices de proficiência eram baixos, mas vinham melhorando desde um nível muito ruim. O vento que soprava a favor agora sopra contra. Não investimos em educação”, questionou o ex-presidente do IPEA. “Um segundo efeito é em relação aos jovens de 15 a 29 anos. Na saída da escola para o mercado de trabalho, se o jovem tem um problema neste momento, isso tende a gerar um efeito permanente. São duas cicatrizes que teremos que curar. Do contrário, criaremos uma geração Covid, onde as perdas são mais permanentes”.

Finalmente, para sair da pandemia, é fundamental cuidar bem da saúde. “Estamos falhando terrivelmente com os problemas da pandemia. Nos lugares em que se cuidou da saúde, como a China, o índice de mortes por mil foi baixo e o país voltou a crescer. Combater a pandemia melhora a economia e não tem dilema entre as duas partes”. No pós-pandemia, Neri defende a adoção de políticas específicas que sejam eficientes. “Temos que ser muito cuidadosos com a nossa política pós-pandemia, no sentido de discutir e implementar no tempo certo, mas tendo a preocupação com o custo de eficiência. Às vezes, se eu resolver estender uma política a todos os brasileiros, ela pode custar 80 vezes mais caro sem resolver problema nenhum”.

Rosa Maria Marques

A economista Rosa Maria Marques começou sua fala afirmando que é curioso falar de políticas pós-pandemia quando ainda estamos em plena pandemia. “Talvez já nos acostumamos com os dados. Ontem a média móvel de 7 dias era de 1.565 óbitos. Como já tivemos um número muito maior talvez já tenhamos nos acostumado, mas lembro de quando era mil e era um escândalo”, questionou. “Apenas 30% da população tomou uma dose. Mas a variante delta já está no Brasil, detectada em cinco estados”.

Após questionar de que políticas sociais estamos falando, afirmou que há necessidades surgidas da pandemia, mas há outras que são produto da estrutura social, e outras advindas das tecnologias. “A reestruturação produtiva não ficou parada na pandemia. No Brasil, ela se acelerou. Falo da indústria 4.0. Temos desigualdades que podem ser ligadas mais diretamente à pandemia e temos uma mudança que está ocorrendo, sendo que o nosso país está estagnado há bastante tempo”, argumentou Rosa. “O Brasil está se tornando agrário exportador, ponto. Nada mais do que isso. O ministro teceu loas ao fato de que este setor teria superado o PIB da indústria manufatureira. Como fica a discussão de geração de emprego quando estamos voltando ao passado, quando este era o setor dinâmico?”.

Ao falar sobre desigualdades, apontou que ser negro faz toda a diferença em relação aos óbitos causados pela pandemia. “Apesar de toda a estrutura do Sistema Único de Saúde, e que estava sendo desmontada desde o governo Temer, a desigualdade no atendimento se manifestou pelo não acesso. Um dos problemas do SUS é de acesso”, explicou. No campo do trabalho, além do desemprego e do desalento, Rosa também questionou a queda da renda – que afeta mais os mais pobres – e a inflação. “O Estado tem que garantir uma renda para quem está precisando. Qual o valor? A quem se dirigirá? Como será o financiamento? A concessão vai ter prazo definido? Implica em alteração do Bolsa-Família? Só isso já seria tema para muitas lives”.

Ao falar sobre as políticas sociais, tal como se pensou na Constituição de 1988, pontuou que elas tinham como premissa o trabalho formal. “Havia a ideia de que, ao superarmos nosso atraso, iríamos incorporar mais trabalhadores ao mercado formal. Mas a informalidade é uma marca da América Latina. Não entendemos que os 30 anos após a Segunda Guerra, com o welfare state, foram um ponto fora da curva na história do capitalismo”, refletiu. “Mas estão ocorrendo mudanças qualitativas no mercado de trabalho. Categorias muito importantes de trabalhadores foram reduzidas. No passado, quando os bancários faziam greve, era um horror. Hoje os bancos nem sequer fecham. Houve um incremento na massa de ocupados sem direitos e assalariados precários. Vimos o retorno do desemprego como algo persistente no mundo inteiro”.

Rosa também falou sobre mudanças no trabalho, como o home office. “Uma das coisas que devemos ficar espertos em relação às cicatrizes da pandemia, é o aumento dos problemas de ordem mental, com as pessoas encerradas com aqueles que os perseguem e molestam”, argumentou. E terminou falando sobre a modernização tecnológica como algo disruptivo. “Quando estudei introdução das novas tecnologias, no final dos anos 80, havia a discussão de que elas iriam acabar com o trabalho. Os autores que tenho lido falam que haverá uma eliminação qualitativa da necessidade de uso do trabalho, o que provocará uma exclusão de milhões de trabalhadores qualificados. Quando isso acontecer, será preciso pensar outras bases para a proteção social”.

Quanto ao cenário presente, a economista definiu que estamos no pior dos mundos. Por não produzirmos equipamentos, eles faltaram para quem estava na linha de frente. “Uma parte da indústria ligada à saúde está sendo chamada, enquanto interesse, defesa da soberania nacional, para estar sob os cuidados do próprio Estado”, afirmou, em referência a outros países. “Nós levantamos os gastos. Isso não quer dizer política keynesiana. É como se estivéssemos em guerra, e até o governo mais neoliberal vai votar créditos de guerra. Temos que olhar para o passado e nos preparar para o futuro, mas como fazer isso se não temos nem mesmo um projeto para o país?”, finalizou.

Considerações finais

Ao finalizar o debate, o conselheiro federal Fernando de Aquino, coordenador da comissão de Política Econômica do Cofecon, falou sobre o limite para os gastos. “Se concedermos uma renda básica universal, ficaremos sem recursos para outras coisas e esbarraremos nos limites que temos, não será possível financiar a máquina pública”, discutiu. “A preocupação com as novas tecnologias é mais crítica nas economias avançadas, mas temos que começar a discutir também. A própria sustentação da demanda agregada vai precisar de mecanismos como a renda básica universal”.

O presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, destacou que o debate realizado pelo Cofecon suscita vários debates análogos. “A questão fiscal, o teto de gastos, a desindustrialização, as políticas de saúde, a política macroeconômica, associada à questão fiscal, toda a estratégia de desenvolvimento que há por trás”, comentou, antes de finalizar fazendo uma chamada para o Congresso Brasileiro de Economia, no qual Rosa Maria Marques e Marcelo Neri estarão entre os palestrantes.