Artigo – É preciso mais que o auxílio emergencial para enfrentar a crise

Muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura para estimular a retomada da demanda e da renda

O atendimento da população vulnerável tem sido fundamental no enfrentamento dos efeitos da pandemia. No ano que passou o pagamento do auxílio emergencial foi determinante para amenizar a situação. Para 2021 é crucial mantê-lo, pelo menos nos mesmos termos, apesar das dificuldades de ordem orçamentária. O agravamento da crise tornou-o absolutamente imprescindível para apoiar as pessoas que estão impedidas de exercer sua atividade e é preciso oferecer-lhes outras formas de sustento.

Para além da medida de amparo social, tendo em vista o aprofundamento e extensão da crise, outras medidas se tornam cruciais para o seu enfrentamento. Note que muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura como forma de estimular a retomada da demanda efetiva, portanto, da renda, do emprego e da arrecadação tributária.

Trata-se, por exemplo do caso dos EUA. Depois de ter aprovado um pacote social da ordem de US$ 1,9 trilhão, foi anunciado, mais recentemente, pelo presidente Biden o “Plano de Emprego Americano”. O programa prevê investimentos em infraestrutura de US$ 2,25 trilhões, contemplando a economia verde, em áreas como residencial, transportes e mobilidade urbana em geral, dentre outras.

A Europa também anunciou plano de incentivo à economia no valor de 750 bilhões de euros, acompanhado de uma proposta de orçamento de longo prazo para o período 2021-2027, que abrange a oferta de crédito a custos competitivos para empresas e pessoas físicas. A China tem longa tradição de adoção de medidas anticíclicas mediante perspectiva de diminuição da demanda efetiva.

Essa ação de coordenação de políticas e medidas adotadas por vários países denota o esforço concentrado tanto de combater a crise decorrente da pandemia como também empreender uma clara estratégia de desenvolvimento. Eles estão corretamente conduzindo um diagnóstico de debilidades e lacunas nos vários campos social e de infraestrutura para fomentar e induzir o crescimento em bases sustentáveis, envolvendo dentre outras questões, a energia renovável. Subsidiária e complementarmente também se denota o foco na ampliação da competitividade sistêmica, a melhora do “ambiente” de negócios.

Outro traço comum das ações em curso é a combinação da coordenação e atuação do Estado com o setor privado. Seria um equívoco atribuir essa responsabilidade somente a um deles. Ambos exercem papel relevante para superar a crise. Mas a iniciativa deve ser necessariamente do Estado, uma vez que o investimento público é determinante no processo. Dado o seu efeito multiplicador e de “demonstração”, ele estimula o setor privado a também fazê-lo, sinalizando futuro crescimento da demanda e criando efeito positivo retroalimentado.

Quanto ao aspecto fiscal, vale lembrar que o impulsionamento das atividades gera efeito positivo sobre a arrecadação de impostos, o que, no médio prazo, tende a compensar a necessária ampliação dos desembolsos. Muitos países têm ampliado seu déficit e o endividamento público. No âmbito do G-20, por exemplo, o indicador da relação dívida/PIB retomou o nível máximo atingido em 1946, logo após a 2.ª Grande Guerra. Há ainda medidas de reforma tributária em vista visando a ampliar os recursos financeiros.

No caso brasileiro, no curto prazo, além das medidas já citadas, urge criar alternativas para romper amarras orçamentárias, algumas autoimpostas, como a “Lei do Teto de Gastos” (EC 95). Além disso há que se rever os incentivos e subsídios fiscais que não geram retorno social.


Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor e direor da FEA-PUC/SP, presidente do Conselho Federal de Economia e publicou, entre outros, o livro “O Mito da Austeridade” (Editora Contracorrente). Artigo publicado originalmente no Estado de S. Paulo.