Cofecon realizou debate sobre cortes de gastos e política fiscal

O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira um debate de conjuntura, com o tema “Cortes de gastos resolvem nossos problemas fiscais?”. Os debatedores foram os economistas Marcos Lisboa e Simone Deos. O evento foi transmitido ao vivo e o vídeo completo encontra-se disponível no canal do Cofecon no YouTube (AQUI).

Ao falar sobre o debate, o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, contextualizou a discussão no momento de pandemia. “Sempre nos vemos no dilema da questão fiscal, e no Brasil, além dos próprios problemas, padece de verdadeiras armadilhas que foram criadas”. Crítico do teto de gastos instituído em 2016, Lacerda falou que não há precedente de países que adotaram uma fórmula tão rígida por um tempo tão longo e criticou a ideia de que o orçamento do governo é semelhante ao orçamento familiar. “Sacrificar o investimento é um grande equívoco, especialmente num momento de crise, quando se deveria fazer o contrário e estimular os investimentos. Há uma questão fundamental a ser enfrentada, que é o Estado ter a condição de fazer o seu papel anticíclico. As limitações autoimpostas representam um grande desafio”, questionou o presidente.

Fernando Aquino, conselheiro coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon e mediador do debate, afirmou que o tema é controverso, inclusive no debate internacional. “Há várias posições diferentes sobre como conduzir o endividamento público e a restrição financeira, especialmente neste contexto de pandemia”, comentou Aquino. “É interessante ter visões diferentes para abrir o debate para os economistas e para os interessados no tema”.

O primeiro a falar foi Marcos Lisboa. “O tema fiscal não tem uma resposta única para dizer que política fiscal é eficaz para estimular a economia. Depende das circunstâncias, das condições de contorno”, iniciou o economista. “Em países mais desenvolvidos a política fiscal tem sido mais eficaz, em países com uma dívida sustentável tem sido mais eficaz, países subdesenvolvidos com históricos mais complicados ela tende a ser menos eficaz e até contraproducente”.

Quanto ao Brasil, Lisboa avaliou que tem uma situação muito diferente do resto do mundo. “No Brasil há a peculiaridade de o gasto público ser quase todo obrigatório. Essencialmente, é folha de pagamentos com servidores e aposentadorias”, apontou, afirmando que em alguns estados e municípios o problema é mais grave. “Aqui não discutimos se vamos cortar gasto ou não, mas sim se vai diminuir a velocidade de crescimento do gasto obrigatório ou não”.

No que diz respeito à carga tributária, o Brasil passou de 25% em 1995 para 34%, um aumento de nove pontos percentuais. E, para o economista, o gasto do Estado brasileiro é ineficiente. “A qualidade da política pública deveria ser maior, quando comparamos com outros países. Os gastos com educação passaram de 4% para 6% do PIB. É um bom valor para a comparação mundial, mas quando vemos os resultados do PISA, o Brasil é o país mais ineficiente dos que tem dados disponíveis”, argumentou. Questionou também a eficácia das políticas públicas praticadas no Brasil. “Apesar da arrecadação, a possibilidade de transformar estes recursos em política social efetiva decepciona na comparação internacional. Uma área não decepciona, que é a área da saúde. Isso não ocorre em outras áreas”.

Lisboa criticou o sistema tributário brasileiro. “A maneira como cobramos imposto sobre o consumo no Brasil é absolutamente irracional. A maneira como são cobrados os impostos indiretos distorce as escolhas de tecnologia”. Enquanto outros países usam o valor agregado, o Brasil tem um sistema tributário complexo, cheio de exceções. “Por que não conseguimos ter uma governança capaz de realizar investimentos com eficiência? Vai além de vamos gastar mais ou vamos gastar menos. Cuidar da sociedade, cuidar dos mais vulneráveis acaba sendo esquecido”, finalizou.

Simone Deos começou sua fala tratando de diferenciar o orçamento público e o orçamento das famílias. “Quando o país tem uma moeda fiduciária, vai emitir ou criar moeda sempre e a cada vez que o governo gasta. É assim a moeda estatal, que nós chamamos de dinheiro. Não há outra maneira de essa moeda entrar na economia a não ser pelo gasto do governo”, afirmou a economista. “O governo federal é totalmente diferente do orçamento das famílias. Os economistas precisam se posicionar quanto a isso e não deixar as opiniões mais leigas ganharem o debate. Há muitas diferenças e diferenças relevantes”.

Entre as diferenças apresentadas, está o fato de o governo criar a moeda que usa para comprar bens e serviços e também para pagar sua dívida. “As dívidas públicas em sua própria moeda e emitidas em moeda fiduciária sempre podem ser honradas. Um país não quebra em sua própria moeda”, afirmou Simone. “Uma política econômica centrada no ajuste fiscal desconsidera os aspectos apresentados e confunde a macroeconomia com a economia doméstica. Confunde as restrições do setor público com as restrições do setor privado”.

Simone apresentou dados mostrando o resultado do governo dos vários países em períodos como 2008 e 2009 e, mais tarde, 2018, 2019 e 2020, mostrando uma maior atuação do Estado para estimular a economia em momentos de crise. “O deficit fiscal é a norma entre os países. Não estou dizendo que seja bom ou ruim, mas é a norma, e isso também deveria ser levado em consideração no debate brasileiro para elevar sua qualidade”, questionou Simone. Em seguida, citou países com dívida pública acima de 100% do respectivo PIB, como o caso do Japão e dos Estados Unidos. “Não quebraram, nem tiveram uma inflação galopante”, apontou.

Ao mostrar estatísticas de desemprego, afirmou que no Brasil ele vem crescendo desde 2012. “E vai piorar. Estas pessoas que estão desempregadas são aptas e dispostas a trabalhar, mas não encontram trabalho”. Finalmente, apresentou questionamentos quanto à dívida: o estoque representa algum risco? A dívida é impagável? A trajetória deve ser uma meta? “Economistas tornaram-se obcecados com os resultados fiscais e a sustentabilidade da dívida. Quer para países centrais, quer para emergentes, não há um indicador confiável que diga qual é o limite para a relação dívida/PIB. A meta deve ser a qualidade de vida”, afirmou.

Encerrando o debate, o mediador Fernando Aquino comentou que parece haver mais consenso acerca do tema no debate internacional do que no Brasil. “Aqui existe uma polarização maior. Deveríamos conversar mais para chegar a mais consensos. Não vamos ter um consenso total de tudo, mas pelo menos algo nos padrões do que se chegou nos Estados Unidos quanto a macroeconomia, dívida pública, políticas macroeconômicas e todas estas questões”, afirmou. “O Cofecon propiciou uma oportunidade para ouvirmos duas versões destes problemas”.

Os debatedores

Marcos Lisboa é economista, com graduação e mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado pela University of Pennsylvania. É diretor do Insper, onde foi vice-presidente entre 2013 e 2015, e colunista da Folha de São Paulo. Atuou como diretor executivo e vice-presidente do Itaú e presidente do Instituto de Resseguros do Brasil. Foi também secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e professor da FGV e da Universidade de Stanford.

Simone Deos é economista, com graduação e mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pós Doutorado no Levy Economics Institute, Bard College e Livre-Docente pelo Instituto de Economia da Unicamp. É professora associada do Instituto de Economia da Unicamp e editora adjunta da Review of Political Economy. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Macroeconomia, Economia Monetária e Financeira e Economia Política.