Artigo – Estrutura de Governança na Cadeia Produtiva da Soja no Maranhão: aspectos da comercialização nas mesorregiões sul e leste

Por Lindalva Silva Correia – Graduada em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (2000), mestre em Economia Rural e Regional pela Universidade Federal de Campina Grande (PB), doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense (2017), Niterói, RJ. Atualmente é professora efetiva da Universidade Federal do Maranhão, exercendo o cargo de coordenadora do curso desde maio de 2018.

(Artigo originalmente publicado na 38ª edição da revista Economistas)

  1. Introdução 

A cultura da soja [Glycinemax (L.) Merrill] se insere como uma das atividades produtivas que mais crescem no mercado brasileiro, desempenhando um papel fundamental para a economia. O estado do Maranhão configura-se como importante fronteira agrícola no bloco composto pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MATOPIBA). Desde os anos 1990, quando houve a implantação da cultura nesse espaço, sua tendência foi de crescimento. Inicialmente a produção de soja concentrou-se na mesorregião sul, por oferecer, além de condições geográficas e logísticas propícias, características edafoclimáticas adequadas ao desenvolvimento de atividades ligadas à cadeia produtiva de grãos. O plantio de soja se expandiu para a mesorregião do leste maranhense somente a partir de 1994. A expansão foi acontecendo progressivamente e a partir de 1999 houve um crescimento com tendência ascendente, conforme dados do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2016.

Este artigo insere sucintas ilustrações acerca das transações entre os agentes que fazem parte da cadeia produtiva da soja no maranhão: os produtores de soja e as tradings. Buscou-se especificamente, verificar as estratégias na comercialização do grão, para identificar a estrutura de governança predominante na cadeia. O conhecimento da estrutura de governança permite a formulação de políticas públicas assertivas e a tomada de decisão dos produtores.

Para tanto, o artigo está estruturado em três seções: na primeira tem-se a introdução ao tema. A seção 2 apresenta uma revisão sucinta da literatura da Nova Economia Institucional (NEI), que fundamenta a compreensão do conceito de estrutura de governança. A seção 3 é resultado da experiência observada in loco com os agentes.  Aqui, apresenta-se uma breve caracterização sobre as formas de comercialização do produto soja nas mesorregiões sul e leste maranhense. Na seção 4, as considerações finais.

  1. Instituições e a Redução de Incertezas nos Mercados Agrícolas

O ponto de partida para a construção do paradigma da Nova Economia Institucional (NEI), na teoria econômica, foi apresentado por (Coase, 1937) que culminou com publicação do artigo The Nature of the Firm. As instituições ganham papel relevante, afetando e sendo afetadas pelas firmas e organizações.

O paradigma institucional permite analisar as interações econômicas que são fundamentais aos mercados agrícolas modernos. Os mercados agrícolas se estendem por todo o sistema alimentar, desde o fornecimento da produção até o consumo final de produtos alimentares ao atacado e ao varejo.  Os agentes em todo o sistema são envoltos pelo risco e incerteza, em que o objetivo da cadeia de produção é diminuir os custos de transação, estando incluídos nestes todos os custos necessários para mover o sistema econômico (MYERS; SEXTON; TOMEK, 2010).

2.1 A Teoria dos Custos de Transação (TCT) e a Estrutura de Governança (EG)

O instrumento de avaliação da coordenação (que é o alinhamento entre a estrutura de governança adequada e os atributos da transação) é estudado pela economia dos custos de transação. “Discrepâncias entre as estruturas de governança esperadas e observadas podem indicar uma importante fonte de problemas de coordenação” (FARINA, 1999; 158). Os custos de transação refletem os efeitos das instituições sobre o funcionamento da economia. O pioneiro dessa temática dos custos de transação e seus impactos na economia foi Coase (1937). Na primeira versão conceitual, o autor definia-o como os custos de se recorrer ao sistema de preços.

Os custos de transação incluem os custos de planejamento, adaptação e monitoramento de atividades econômicas. Embora essas funções não sejam diretamente produtivas, elas são exigidas para coordenar as atividades dos compradores e vendedores (WILLIAMSON, 1996). Compradores e vendedores podem reduzir alguns destes custos através da celebração de um contrato antes da produção estar concluída, mas ainda podem encontrar outros tipos de custos[1], tais como: Custos Ex ante (antes de chegar a um acordo) e Custos Ex post (após um acordo[2]).

Os contratos podem ser de dois tipos: i) contratos de produção (referindo-se à integração vertical) e; ii) os contratos de comercialização, estes, concentram-se na mercadoria que foi contratada, e não nos serviços prestados pelo agricultor. Podem especificar o preço de uma mercadoria ou um mecanismo para determinar o preço e uma quantidade a ser entregue. As partes num contrato de comercialização determinam os termos do acordo antes da colheita. Os mecanismos de fixação de preços podem limitar a exposição do produtor aos riscos de grandes flutuações de preços de mercado na época da safra (MACDONALD, 2006).

Os custos de transação podem ser maiores ou menores dependendo da transação efetuada. (Williamson, 1979; 239) identifica “três dimensões críticas para caracterizar as transações, quais sejam: (1) incerteza; (2) frequência com que as transações ocorrem e; (3) o grau em que são realizados investimentos duráveis específicos de transações”.

A economia dos custos de transação atribui um papel chave à especificidade de ativos envolvidos no fornecimento do bem ou serviço em questão. Assim, especificidade de ativos em transações recorrente e, num ambiente que denota incerteza, justifica a constituição de estruturas de governança especializada que economize custos nas transações (FARINA, 1999).  

(Williamson, 1979; 235) se refere à estrutura de governança como o “quadro[3] institucional dentro do qual a integridade de uma transação é decidida”. As instituições estabelecem as regras pelas quais as transações acontecem. A governança é a opção estratégica para regular uma determinada transação. (Wiliamson, 1985) identifica três tipos gerais de estrutura de governança: o mercado (são transações não específicas), a híbrida (semiespecíficas) e a hierarquia, também chamada de integração vertical (altamente específica).

As características das transações definirão a estrutura de governança mais apropriada a ser adotada numa cadeia produtiva que minimize os custos de transação e aperfeiçoe a coordenação do sistema.

3. Formas de comercialização da soja nas mesorregiões sul e leste maranhense

Essa seção é resultado de pesquisa empírica realizada no ano de 2016 nas mesorregiões sul e leste maranhense. Foram verificadas as características das principais formas de comercialização apresentadas na cadeia de produção. Inicialmente, observou-se que normalmente toda a produção nas duas mesorregiões é realizada através de contratos de comercialização. O motivo da escolha por essa estratégia segundo os produtores pesquisados foi de que esse recurso minimiza a incerteza de oscilação de preços e comportamento trapaceador dos compradores. A operacionalização da comercialização se faz pelo uso da venda antecipada da produção. Essa modalidade de transação ocorre basicamente de duas formas: 1) o contrato de compra e venda da soja em grãos com a trading compradora, venda no mercado futuro; 2) a Cédula de Produto Rural (CPR) quando há adiantamento de recursos.

A venda antecipada ocorre em média com 40% da expectativa do que será produzido na safra. A outra parte da produção (os 60% restantes) é vendida para as tradings em lotes (1000 kg) em geral no mesmo ano da colheita, onde o produtor avalia o momento adequado da venda, observando o comportamento do mercado. Essa modalidade de contratos de comercialização não vincula contratante e agricultores em uma relação de longo prazo, podendo perdurar apenas o tempo suficiente de uma safra (MacDonald, 2006) e, assim, dá mais autonomia ao produtor no tocante às decisões de produção.

A outra modalidade apresentada pelos produtores diz respeito ao contrato no formato de Cédula de Produto Rural (CPR) quando há adiantamento de recursos e, nesse caso, a empresa exige garantia real. Em ambos os casos, todas as transações são feitas com arranjos contratuais formais.

Os produtores, no geral, afirmaram sua preferência por a modalidade de compra e venda da soja sem adiantamento de recursos, só utilizando o crédito via Cédula de Produto Rural (CPR) em casos de descapitalização. Embora não sendo preferível, alguns produtores, em torno de 30% na mesorregião leste e 25% na mesorregião sul, fizeram no ano da pesquisa (2016) esse tipo de contrato envolvendo troca de produto (fertilizantes e outros insumos) ou dinheiro em espécie por parte da produção, em que foi emitida a Cédula de Produto Rural (CPR).

Aplicando os pressupostos teóricos da NEI para análise específica desse aspecto da cadeia da soja no Maranhão, especialmente no tocante às relações contratuais e às inter-relações que se estabelecem nas transações (comprador e vendedor), vão se desenhando os arranjos institucionais indicativo de uma estrutura de governança híbrida (via relação contratual). Esquematicamente, teria o seguinte formato observado na figura 1 abaixo.   

Figura 1- Esquematização da comercialização da soja nas mesorregiões sul e leste maranhense                                                                

Fonte: Elaboração Própria com base em MacDonald (2006).

 

Verificou-se que as transações entre os agentes se repetem o ano inteiro, sendo, portanto, transações recorrentes. A comercialização é baseada majoritariamente pela via contratual neoclássica que, segundo estudiosos (Macneil, 1974 apud Williamson, 1994; 4-5), aplica-se a “contratos em que as partes na transação mantêm autonomia, mas são bilateralmente dependentes, significativamente”.  A estrutura de governança híbrida parece ser a mais apropriada para minimizar custos de transação e operacionalizar a coordenação mais eficiente nessa cadeia específica, tendo em vista os arranjos contratuais do tipo (contratos de comercialização) governar as transações, garantindo a compra do produto em condições de oferta normal (situação de equilíbrio).

(Fiani, 2011; 103-4) esclarece que o modo de governança híbrida pode ser compreendido para transações “envolvendo ativos com grau moderado de especificidade, independentemente de sua assiduidade; ou mesmo para ativos com elevado grau de especificidade, mas com baixa frequência de transações”.

A produção da soja é comercializada majoritariamente utilizando os contratos de comercialização com o mercado comprador, não se caracterizando como uma forma organizacional baseada nas vendas ao mercado aberto (spot) e tampouco utilizando os mecanismos de uma integração vertical ou também denominados de contratos de produção ou hierarquia segundo denominações em Martínez (2002).

Para (MacDonald, 2015; 1), “os contratos incentivam os agricultores a investir em equipamentos e habilidades especializadas e a produzir produtos com atributos desejáveis; e eles podem permitir que os processadores obtenham economias de escala e rendimento na produção, obtendo custos mais baixos”, possibilitando a orquestração dos movimentos dos agentes de forma consistente com os objetivos estratégicos da cadeia produtiva.

  1. Considerações Finais

Esse artigo buscou identificar a forma predominante de articular os aspectos da comercialização ou a sua estrutura de governança na cadeia produtiva da soja no sul e leste maranhense. Foi observado que a produção nas duas mesorregiões é realizada majoritariamente, através de contratos de comercialização. Os produtores expuseram que essa alternativa tem como objetivo minimizar os riscos oriundos da atividade agrícola, sobretudo no que se refere a garantir comprador e preço de seus produtos, além de amenizar os impactos da oscilação do preço na época da safra.

A forma organizacional que molda a comercialização do produto soja no Maranhão ou a estrutura de governança apresentou evidências de persistir a forma híbrida, tendo em vista que os arranjos contratuais do tipo – contratos de comercialização – governam as transações, garantindo a compra do produto em condições de oferta normal. A estrutura de governança híbrida, nesse caso específico, economiza custos de transação e minimiza comportamentos oportunistas, tendo em vista as salvaguardas para as partes, caso haja rompimento de contrato.

A partir dos resultados verificados na pesquisa, salvo as limitações, a mesma poderá ser útil no estudo e acompanhamento das transações da cadeia de produção analisada, tendo em vista o seu crescimento contínuo e expressivo.

 

  1. Referências e indicações para a leitura 

COASE, R. H. The nature of the firm. Econômica. New Séries, vol. 4, n. 16 (nov./ 1937) pp. 386-405.

FARINA, Elizabeth M.M.Q. Competitividade e Coordenação de Sistemas Agroindustriais: um ensaio conceitual. Revista Gestão & Produção. v. 6, n. 3, p. 147-161, dez 1999.

FIANI, Ronaldo, 1961. Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico / Ronaldo Fiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

GUANZIROLI, Carlos Enrique. Metodologia para estudo das relações de mercado em sistemas agroindustriais /Antonio Márcio Buainain; Hildo Meirelles de Sousa Filho – Brasília: IICA, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Produção Agrícola Municipal (PAM). Disponível em www.sidra.ibge.gov.br/tabela/. Capturado em outubro de 2016.

MARTINEZ, W. Steve.2002.Vertical coordination of marketing systems: lessons from the poultry, egg, and pork industries. Washington, DC: U.S. Departament of Agriculture, Economic Research Service, Agricultural Economic Report, n. 807.

NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic perfomance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. cap.1, cap. 4.

MACDONALD, M. J.; KORB, Penni. 2006. Agricultural Contracting Update Contracts in 2003. Washington, Electronic Report from the Economic Research Service. DC: U.S. Department of Agriculture, Economic Information Bulletin, n. 9.

MACDONALD, M. J. Trends in Agricultural Contracts. The magazine of food, farm, and resource issues 3rd Quarter 2015 • 30(3).

MYERS, J. R.J.; SEXTON; W.G.; TOMEK. 2010. A Century of Research on Agricultural Markets. American Journal of Agricultural Economics. 92(2):376–403.

WILLIAMSON, Oliver E. Transaction cost economics: The Governance of contractual Relations. Journal of Law and Economics. Vol. 22, n. 2 (1979), pp. 233-61. Published by: The University of Chicago Press.

__________________.The economic institutions of capitalism. Nova York: The Free Press, 1985. Cap. 1.

__________________.Comparative Economic Organization: the Analysis of discrete structural alternatives. ICS Press, 1994.

__________________. The Mechanisms of Governance. Oxford University Press, 1996. 

[1] Tradução livre.

[2] (Ver: North apud Martínez, 2002).

[3]Tradução livre.