Artigo – Economia na UTI

Por Júlio Miragaya – Ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia. Artigo publicado originalmente no Bsb Capital, em 13 de maio de 2020.

Os últimos dias no Brasil têm sido um exemplo categórico do descolamento que se manifesta corriqueiramente entre o real quadro econômico, social e político de um país e a percepção do mercado financeiro. Absolutamente alheio à tragédia que vive o país, o mercado financeiro parece encarnar a síndrome de “Alice no país das maravilhas”.


Estimulado pela progressiva flexibilização das restrições sanitárias ao funcionamento das atividades econômicas e pelo cenário internacional, com a queda acentuada da COVID-19 nas principais economias europeias e asiáticas (mas não nos EUA), o Ibovespa (índice da Bolsa de São Paulo) subiu cerca de 20 mil pontos (quase 30%) e o dólar, que andou namorando os R$ 6,00, refluiu para menos de R$ 5,00.


Caberia a pergunta: como flexibilizar as restrições quando o país assiste ao aumento da curva de contágios, com 20 e 30 mil por dia, e cerca de mil mortes a cada 24 horas? Simples, este é um dado que não entra na equação do grande capital, afinal, o que são 40 mil mortes quando o “exército de reserva” conta com mais de 18 milhões de desempregados?


E pouco importa que o Banco Mundial previu a queda de -8,0% no PIB do Brasil em 2020; pouco importa a brutal queda da produção industrial brasileira em março (-9,0%) e abril (-19,0%), o que importa é que a roda de acumulação do capital precisa voltar a girar. Se os números de infectados e mortos no Brasil chocam os brasileiros e o mundo, que sejam então escondidos, manipulados. E assim o faz o general Ministro da saúde (sic).
Aliás, os militares têm expertise na manipulação de dados estatísticos. Se os números incomodam, que sejam maquiados, como foi feito durante a ditadura militar, em 1973, quando a inflação real de 26,6% foi “reduzida” pelo ditador Médici e seu Ministro da Fazenda Delfim Neto para oficiais 13,7%. Ou em 1983, na ditadura do general Figueiredo, quando foi expurgado do índice de inflação o excepcional aumento do preço da farinha de trigo naquele ano.


Claro que a maquiagem em dados estatísticos é péssima para a imagem de um país, afugentando investidores, afinal, se são manipulados dados referentes à saúde pública, podem ser manipulados dados econômicos, buscando esconder o fracasso da política econômica; dados sociais, buscando esconder o aumento do desemprego, da pobreza e da concentração da renda; e mesmo dados ambientais, buscando esconder o crime que se perpetua na Amazônia, mas que não passou incólume ao olhar apurado dos holandeses. Neste panorama desolador, resta torcer para que não falte leito de UTI para salvar a economia brasileira.