Artigo – A Reforma Tributária ideal

Por Paulo Dantas da Costa – Economista, é conselheiro do Conselho Federal de Economia.

*Artigo publicado na revista Carta Capital, edição de 07 de maio de 2020.

 

A sociedade brasileira assiste neste momento a atuação do parlamento na tentativa de aprovar o que vem sendo denominado como reforma tributária. No Senado Federal examina-se a PEC nº 110/2019 e na Câmara dos Deputados tramita a PEC nº 45/2019. O Poder Executivo também deverá apresentar proposta para a mesma finalidade.

Ambas as propostas do parlamento estão muito bem embasadas do ponto de vista técnico, mas sofrem do mesmo mal, na medida em que não tocam na mais grave deformação do Sistema Tributário Nacional, que é caracterizado por marcante regressividade. Isso significa dizer que o ônus tributário é arcado mais acentuadamente pelos pobres, em detrimento do que ocorre com os ricos, que são brandamente atingidos pelos tributos.

Esse fenômeno acontece porque as PECs estão voltadas para a tributação indireta, cuja incidência atinge as operações econômicas que envolvem os bens e serviços, sem nenhuma possibilidade de alterar o mencionado quadro de marcante regressividade.

A PEC nº 110/2019, que tramita no Senado, tem a sua origem na Câmara dos Deputados e resulta do Substitutivo examinado na Comissão Especial da PEC nº 293/2004. Por meio dela seriam substituídos nove tributos por um só, o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, que unificaria o ICMS, ISS, IPI, PIS, Cofins, Cide, Pasep, IOF e Salário-educação.

Por meio da mesma PEC nº 110/2019, além do IBS, também seria criado um imposto seletivo, a incidir sobre produtos específicos, como petróleo e derivados, cigarros, energia elétrica e serviços de telecomunicações.

A PEC nº 45/2019 também propõe a criação de um tributo com a mesma denominação, IBS, para substituição de cinco outros tributos: ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins.

As duas Propostas prometem excepcional expansão da atividade econômica, acompanhada de alta empregabilidade, acrescentando ainda: a simplificação dos procedimentos tributários e consequente redução do custo das empresas, a definição do destino ou local do consumo para incidência do IBS, a redução do contencioso tributário, a vedação da concessão de benefícios fiscais, a eliminação da guerra fiscal entre Estados e a atenuação das desigualdades regionais e sociais. A PEC nº 45/2019 ainda admite a devolução de parcela paga pelas famílias de renda mais baixa através de mecanismos de transferência de renda.

A tributação indireta deve ser adotada seletivamente, de modo a não alcançar pessoas de baixa renda quando elas adquirem bens ou serviços essenciais (alimentos e medicamentos, por exemplo), ficando reservada a sua aplicação mais intensa para operações que envolvem produtos e serviços não essenciais, como os artigos de luxo, bebidas e cigarros. A tributação direta, ao contrário, é aplicada de forma mais justa, a incidir sobre a renda, mais marcadamente sobre as altas rendas, e sobre o estoque de riquezas patrimoniais.

Alguns dados dão conta da clara opção brasileira pela tributação indireta. No ano de 2015, 22,7% do produto da arrecadação tributária foi proveniente do imposto sobre a renda e dos tributos sobre o patrimônio, 49,7% sobre o consumo e 27,6% definidos como outros (incidências sobre a folha de pagamento). Nos países mais evoluídos economicamente – EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá – as práticas tributárias estão pautadas numa lógica bem diversa, onde a tributação direta tem mais importância. Nos Estados Unidos, por exemplo, naquele mesmo ano de 2015, a arrecadação com Imposto de Renda e sobre o patrimônio representou 59,4% do total arrecadado, 17,0% sobre o consumo e 23,6% de outros; os dados médios para os países da OCDE são, na mesma sequência, 39,6%, 32,4% e 28%. (Dados coletados em A Reforma Tributária Necessária, 2018: Anfip, Fenafisco).

No Brasil, como visto, a hipótese da tributação direta tem baixo significado econômico, cabendo citar que no ano de 2015 a arrecadação com os seis tributos sobre a propriedade (Sobre Grandes Fortunas, Sobre Heranças, ITR, IPVA, IPTU e ITBI) alcançou a marca de pífio 1,45% do PIB num universo de 32,11% do PIB correspondente à carga tributária total registrada naquele ano. (Fonte: idem).

Uma reforma tributária digna desse nome passaria por uma revisão de parte do contrato social. É essencial que os ricos e poderosos entendam/concordem que a sociedade que lhes proporciona todas as possibilidades para acumulação de riquezas necessita que parte do fluxo financeiro dessa mesma acumulação retorne para que o gestor da referida sociedade, o Estado, por ela delegado, desenvolva programas em favor dos menos privilegiados, ressaltando que esses mesmos, na maioria das vezes, é que proporcionam as acumulações econômicas em favor daqueles.

Há que se concluir que o modelo tributário brasileiro carece sim de uma profunda reforma que busque alcançar quem de fato deve arcar com o ônus tributário, os mais ricos, retirando das empresas tal obrigação que é transferida para as pessoas, via preços, sem a possibilidade da identificação das classes sociais às quais as mesmas pessoas pertencem, às vezes quando da realização de operações econômicas marcadas até por alguma perversidade social, como é o caso da cobrança de impostos nas vendas de leite, pão, arroz, feijão e açúcar a integrantes de classes sociais que estão na base da pirâmide social, pelo acionamento da tributação indireta.

Do lado da tributação direta, fala-se frequentemente no que deixa de ser recolhido em razão da não incidência tributária sobre os ganhos decorrentes de lucros e dividendos, mas não é só isso. Os rentistas brasileiros também são brandamente atingidos pelo imposto de renda, para citar outro caso tão grave quanto aquele.

Por fim, acrescente-se ainda ser absolutamente indevido imaginar que ajustes apenas na tributação indireta teriam o condão de contribuir para o muito esperado crescimento econômico, como vem sendo amplamente propalado em defesa dos projetos de reforma tributária. O ideal seria o avanço de um projeto de conjugasse modificações tanto na tributação indireta quanto na direta.