Artigo – O desenvolvimento sustentável pela perspectiva do planejamento regional

Gleicy Denise Vasques Moreira –  Doutora em Desenvolvimento Regional (UNISC/RS); Mestre em Agronegócio (UFMS/MS); Graduada em Direito (UCDB/MS); Graduada em Ciências Econômicas (UFMS/MS); Professora Adjunta na Faculdade de Direito (UFMS/MS). [email protected]

Lídia Maria Ribas – Doutora e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Pesquisadora e professora permanente do Mestrado em Direitos Humanos da UFMS. Líder do Grupo de Pesquisas Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável e pesquisadora no Grupo de Pesquisas – Tutela Jurídica das Empresas em face do Direito Ambiental Constitucional, ambos do CNPq. Membro da ABDT, da ADPMS e do CEDIS/UNL.). [email protected]

 

Introdução

No processo de desenvolvimento de um país, a sustentabilidade aparece como fundamento para a busca de um sistema técnico que possa abranger todo o território e, também, garantir um efetivo equilíbrio, significativamente representado nas iniciativas e escolhas de políticas públicas, às forças da economia de mercado e garantam adequado desenvolvimento regional. Com isso, compreende-se que um dos grandes desafios para a economia brasileira, em pleno século XXI, é garantir que o planejamento estatal, em suas diferentes esferas, viabilize condições de maior integração entre as suas regiões.

Dessa forma, o artigo foi estruturado nas recentes contribuições teóricas que tratam do planejamento regional no Brasil, por meio de um resgate histórico, com enfoque no Centro-Oeste, no contexto da atual conjuntura. Quanto às técnicas de pesquisa empregadas, utilizou-se da pesquisa descritiva e interpretativa tendo em vista que busca a compreensão das principais políticas voltadas à estruturação do planejamento público regional.

Por fim, cabe mencionar que se trata de mais uma iniciativa dos pesquisadores do Grupo de Pesquisa, cadastrado no CNPQ, com a temática Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável, inclusos na linha de pesquisa Direitos Fundamentais, Democracia e Desenvolvimento Sustentável, FADIR/UFMS. O que se pretende, portanto, é estimular a reflexão, problematização e compreensão acerca do Planejamento Público Regional.

O planejamento regional no Brasil e contextualização no desenvolvimento sustentável

Os problemas regionais tiveram espaço dentro do Estado brasileiro desde o império, com enfrentamentos referentes a questões como a seca, a integração nacional, a industrialização, a produtividade rural, entre outros. A atuação estatal passou de ações pontuais sobre a região para Políticas de Desenvolvimento Regional, focadas na industrialização e crescimento de renda, até chegar a Políticas Regionais, em ambientes de governança e múltiplas dimensões.

Nos anos de 1980, com o advento da CF/88, em seu art. 147, consagra-se a ideia de que o planejamento é impositivo para o setor público e indicativo para o setor privado.

Nos anos 1990, houve o ajuste fiscal do Estado.

Os anos 1990 transcorrem sob a égide do Consenso de Washington, em que preponderam os ideais de câmbio flutuante, controle monetário rígido, facilidades para a mobilidade de capitais, abertura de mercados, privatizações e, consequentemente, redução das atribuições do Estado, que deve ser o mínimo indispensável, para regular e suprir as falhas de mercado.

Nesse ambiente institucional instável, agravado por uma reforma administrativa confusa, no governo Collor, à preocupação premente de controle da inflação todos os esforços se voltaram. O planejamento, em geral, volta-se para garantir a estabilidade da moeda, e o regional passa por momento de quase completo abandono. Mesmo as instâncias regionais e estaduais de planejamento (incluídas as de caráter metropolitano) também são praticamente desmobilizadas. (MENDES & MATTEO, p. 267, 2011).

A ação do Estado se confronta com um ambiente que deve ser pensado de forma transversal: verticalmente nos Governos (União, Estados e Municípios), horizontalmente na República (Executivo, Legislativo e Judiciário) e em toda a paraestatalidade que se encontra ao redor (movimentos sociais, ONGs, sindicatos, mercado financeiro).

A concepção de desenvolvimento regional se modificou no campo teórico, gravitando dos aportes keynesianos com foco no emprego, renda e investimentos, para aquelas que enfatizavam flexibilização do trabalho, redução de encargos e melhoria do capital humano. Para Diniz e Afonso (2006, p. 14) as principais alterações foram a incorporação de aspectos institucionais, como conhecimento, rotina e capital social; valorização da capacidade local para redução das desigualdades e a ênfase na competitividade. A inovação e o conhecimento eram elementos centrais para as regiões se diferenciarem e competirem entre si, gerando eficiência e assim desenvolvimento. (PORTUGAL, p. 14, 2018).

Nos anos 2000, recupera-se a ideia do planejamento com a figura de dois planos: O Plano Nacional de Desenvolvimento Regional e o Estudo da Dimensão Territorial do Planejamento.

Em 2003 foi criada a Politica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) – normatizada pelo Decreto nº 6.047/2007, com o objetivo de reduzir as desigualdades do nível de vida entre as regiões e equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento. Nesta nova política o enfoque é de natureza multidimensional, tendo em vista o reconhecimento de que várias dimensões afetam a qualidade de vida e diferenciam as regiões e fatores como inclusão social e sustentabilidade ambiental estão ao lado de competitividade e produtividade.

Ou seja, tal tipologia parte via de regra de uma percepção do Estado o que, no entanto, não elimina as dificuldades básicas na delimitação regional, como aquelas decorrentes de situações em que a divisão regional não contemple toda a extensão de uma formação econômica específica a ser estudada (uma economia nacional, por exemplo), o que nos faz refletir sobre os critérios de definição das regiões para o planejamento público.

Dessa forma, tem-se observado, nos últimos anos, no Brasil, a ideia de que é necessário criar mecanismos que viabilizem a participação da comunidade durante os processos que impliquem a formulação, o detalhamento e a implementação das políticas públicas, ou seja, no planejamento. (SANTOS, p. 189, 2013).

Vista sob o prisma do acesso a acesso a oportunidades destacou a forma de enxergar o desenvolvimento como liberdade, que reconhece para além de capacidade econômica, outras capacidades elementares, como saber ler e evitar a fome extrema, para não haver privação de direitos.

As duas primeiras décadas do século XXI marcaram o fortalecimento dos órgãos de controle dentro do Estado, que realizam fiscalizações e avaliações periódicas sobre as políticas públicas com amplo acesso a informações e visão geral sobre elas.

Desde 2009, o TCU escolheu a temática regional para fiscalizações sistemáticas da atuação do Governo Federal, o financiamento e aponta alternativas para a Política Regional, nesse sentido:

  • O acórdão 2.919/2009 que sinalizou problemas e recomendou reavaliação da PNDR, realizada em 2012 pelo Ministério da Integração;
  • O acórdão 1.204/2012 que avaliou temas transversais, como política econômica; infraestrutura; PAC; Copa do Mundo de 2014; desenvolvimento regional; ciência, tecnologia e inovação expondo suas fragilidades e avanços;
  • O acórdão 1.655/2017 que fez um estudo detalhado de todas as fontes de financiamento para o desenvolvimento regional que envolve o Governo Federal e não só as instituições envolvidas com a PNDR.

A necessidade de superar desigualdades regionais em todo território nacional é um desafio que exige um esforço sinérgico de todos os Entes Políticos de Direito Público Interno, com a finalidade de pactuar metas conjuntas no campo de atuação de cada pasta para a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, instrumentalizadas em parcerias e redes.

A governança se concretiza com a conjugação dos interesses de diversos atores, de natureza pública, privada e da sociedade civil organizada, e se articulam em direção aos seus interesses, que conjugados, podem resultar em prol do interesse coletivo, no desenvolvimento sustentável, cujos elementos importantes para a Estrutura de Governança é dar governabilidade aos agentes políticos e fortalecimento da democracia como processo de escolha de lideranças são a Gestão da Informação, a Gestão do Conhecimento e o Planejamento Estratégico do Desenvolvimento Sustentável.

Esse equilíbrio na estabilidade da aplicação e nos processos de mudança das regras de concessão e operacionalização, por exemplo, requer uma governança exercida por agências, com autonomia técnica e decisória aos órgãos que as vinculam; a recomendação é que se utilize transparência nas decisões e na prestação de contas à sociedade, evitando que essa autonomia da regulação possa ser exercida de forma discricionária e se afaste dos interesses da sociedade (RIBAS; GODOY, 2013, p. 5).

Os desafios de governança no campo da sustentabilidade se devem, em particular, à complexidade do sistema federativo brasileiro; à recente participação organizada da sociedade civil na política pública; à escassez de mecanismos de coordenação e articulação entre União, Estados e Municípios, assim como intragovernos; à estrutura específica do modelo de repartição de recursos entre as instâncias de poder; e à lógica de atuação historicamente setorial dos programas do governo federal.

Para enfrentar esses desafios é necessário se avançar na coordenação e integração das políticas setoriais no território, assim como entre as políticas federais, estaduais e municipais, assegurando a efetiva participação e controle social. 

Ainda mais quando esses desafios se associam ao desenvolvimento sustentável, já consolidado como interesse geral da humanidade e ligado à solidariedade, conforme defendido anteriormente (DECARLI; RIBAS, 2019, p. 208-209) e que é diretriz para a Política Nacional de Desenvolvimento Regional.

O desenvolvimento sustentável considera as variadas dimensões, como econômica, social, institucional, tecnológica no contexto ambiental e o Estado planeja suas políticas públicas de modo a proporcionar o desenvolvimento propugnado visando corrigir as desigualdades sociais e regionais. É por meio de sua atividade normativa e reguladora que ele pode estabelecer os limites, deveres, regras atinentes à atividade econômica, de modo a atingir o valor fundamental do desenvolvimento sustentável.

Considerações Finais

O objetivo deste artigo, portanto, foi analisar as reconfigurações do Estado brasileiro na ação sobre as regiões até chegar à atual Política Regional, com destaque para a região Centro-Oeste, por meio de uma metodologia que entende a história enquanto um processo de construções contínuas.

Assim, se estabeleceu a diferença entre Políticas de Desenvolvimento Regional e Políticas Regionais, sendo que as políticas regionais na concepção de Galvão (2013) in Portugal (2018) possuem uma concepção mais moderna de incorporar as dimensões sociais, ambientais, políticas e espaciais na ação do Estado, para diminuir as desigualdades entre as regiões, o que se ajusta aos Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil e previstos como objetivos fundamentais do desenvolvimento nacional e redução de desigualdades e regionais na CF.

Necessário se faz um esforço de descentralização territorial das políticas estaduais, com diferentes experiências de regionalização e modelos de governança, no sentido da definição de critérios técnicos que contribuam para aprimorar, harmonizar e assegurar maior estabilidade das regionalizações estaduais para efeito de planejamento e descentralização de políticas. Importante também, a troca de experiências entre os estados, estimulando o aprimoramento, ou a criação onde não houver, de mecanismos de governança sub-regionais participativos.

Referências

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DECARLI, G.; RIBAS, L.M. Adoção de Instrumentos de Estímulo ao Uso de Fontes Alternativas de Energia como Política Pública voltada ao Desenvolvimento Sustentável Brasileiro. In: VASCONCELOS, A. (Org.) Direito e Sociedade 3. Ponta Grossa: Atena Editora, 2019, p. 206-220.

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MENDES, C. C.; MATTEO, M. Formação e Evolução do Planejamento Regional no Brasil in Economia Regional e Urbana. IPEA, 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_econregionalurbanaa.pdf>. Acesso em 03/09/2019.

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SANTOS, Gleicy Vasques. Planejamento e Desenvolvimento: A exploração mineral no Território Nacional. Desenvolvimento Regional em debate (ISSN 2237-9029) Ano 3, n. 2, p. 176-200, jul./dez. 2013. Disponível em:

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SANTOS, M.; SILVEIRA, M.L. O Brasil – território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro; Ed. Record, 2004.