Cofecon realizou debate sobre reforma administrativa

O Conselho Federal de Economia realizou nesta sexta-feira (06) um debate sobre a reforma administrativa, do qual participaram os economistas José Cardoso Júnior, doutor em Desenvolvimento com especialização em Economia social e do Trabalho, e Roseli Faria, analista de Planejamento e Orçamento. O evento foi aberto à imprensa e ocorreu por ocasião da 696ª Sessão Plenária do Cofecon.

Confira as apresentações de José Celso Cardoso e Roseli Faria.

Cardoso foi o primeiro a falar e iniciou colocando três ideias: a de que a austeridade tem conduzido os países a estados econômicos piores do que os períodos pré-crise; a de que a teoria econômica e a própria história contradizem o desmonte do Estado como algo necessário para o melhor funcionamento da economia brasileira; e a de que a combinação dos dois fatores leva a uma catástrofe anunciada (algo que ele chamou de “catástrofe liberal”), porque não cria as bases para a retomada do crescimento e gera um processo social disruptivo.

Cardoso também contextualizou o momento econômico e político vivido pela América Latina no contexto da disputa entre Estados Unidos e China: “A briga colocou os Estados Unidos na condição de se reapropriarem econômica e politicamente da própria América Latina. O período que tivemos de autonomia para nossa autodefinição, este movimento que se esboçou no começo dos anos 2000, vem sendo contestado e barrado. Nosso entorno está contaminado por um conjunto de crises que colocou em risco a democracia nestes países, colocando-os numa rota de subalternidade externa em relação aos Estados Unidos”.

O economista também falou da troca de um projeto de nação por uma ideia de mercados autorreguláveis produzindo crescimento como “um terraplanismo econômico que vai solapar o que nos resta de base produtiva capaz de engendrar uma trajetória de desenvolvimento com inclusão e combate à desigualdade”.

Finalmente, caracterizou sete dimensões por meio das quais se faz o desmonte do Estado nacional: subalternidade externa; inversão e reversão do estado democrático de direito (“fingimos que não vemos o processo de destruição de direitos nos campos daquilo que até então era considerado cláusula pétrea: direitos individuais, civis, políticos e sociais”, destacou); privatização do setor produtivo estatal, à revelia dos processos democráticos e econômicos tradicionais; privatização das políticas públicas, sobretudo das que são rentáveis para o setor privado (caracterizando a exclusão social como contraparte deste processo); privatização das finanças públicas e financeirização; assédio institucional ao setor público (“o ápice deste processo foi a declaração do ministro Paulo Guedes chamando os servidores de parasitas”, enfatizou); e reforma administrativa. Sobre esta última, afirmou: “Não esperem que haja notícias todos os dias. Ela já vem sendo implementada desde 2017 por medidas infraconstitucionais, portarias ministeriais e decretos. Vejam a MP 922, implementada esta semana, usando como desculpa a necessidade de trabalhadores no INSS”.

A economista Roseli Faria iniciou sua fala dizendo que a partir da Emenda Constitucional 95, a emenda do teto de gastos, foi retirada uma parte importante do espírito da Constituição de 1988, da construção de uma nação justa, solidária e inclusiva. Disse também que a reforma administrativa deve ser pensada com foco nas pessoas de forma concreta. “Vamos pensar numa mulher que se chame Rose, uma mulher negra, periférica, que tenha dois filhos adolescentes e trabalhe como terceirizada, ganhando no máximo R$ 2 mil”, convidou Roseli. Ao falar sobre sua própria trajetória, com a mesma origem da mulher imaginada nesta reflexão, afirmou que a diferença está no fato de que o Estado esteve presente em sua vida e não na da Rose.

Ao falar sobre as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que compõem a reforma administrativa (186, chamada PEC emergencial; 187, chamada PEC dos fundos; e 188, chamada PEC do pacto federativo), Roseli fez sérias críticas. “Na forma, elas têm uma péssima técnica legislativa e parecem ter sido feitas de maneira descuidada. Parte da PEC 186 é repetida na 188, não entendo por quê, e nenhuma delas tem cálculos, números ou análises. Tratam as finanças públicas como se o Estado fosse uma quitanda e tratam do quanto se economizaria sem falar como isso impactaria a economia e a oferta de serviços, tanto em ternos de qualidade como de cobertura”, argumentou a economista. “A Rose não está presente no conjunto destas três PECs”.

Roseli pontuou que na justificativa da PEC 186 há o argumento de que a crise de 2014/2016 teria sido fruto do crescimento acelerado das despesas públicas, mas argumentou que tal fato não ocorreu desde 2010. E que por ocasião da aprovação do teto dos gastos, esperava-se aprovar a reforma da Previdência em 2017 – o que não aconteceu. “Isso comprimiu o espaço de atuação do governo federal, exigindo uma medida que afete o segundo maior gasto do governo, que é o gasto com servidores. Temos tido a recuperação mais lenta da história econômica do Brasil” afirmou a economista. “A PEC 186 repete gatilhos que já estavam na Emenda 95, mas que não conseguem ser acionados porque não há um problema com os gastos obrigatórios. A crise fiscal é decorrente da perda das receitas públicas, em especial a previdenciária. As reformas dos últimos quatro anos, em vez de recuperar o dinamismo das receitas, terminaram por prejudicá-la. A PEC 186 não faz o menor sentido, tanto em termos jurídicos quanto econômicos”.

Roseli também falou sobre a possibilidade de reduzir a jornada dos servidores públicos em 25%, com redução proporcional dos salários. “O simples fato de esta PEC tramitar já pode causar um efeito recessivo. Se a redução for aplicada, pode haver um impacto de quatro pontos percentuais no PIB. Em Brasília, 34% dos salários vêm do setor público”, explicou a economista. “Não acho que as carreiras mais bem posicionadas serão afetadas pela medida. Será a Anvisa, serão as universidades. Na vida da Rose, isso vai impactar com desigualdade e pobreza. Uma redução na oferta de serviços públicos afeta o tempo que as mulheres, servidoras ou não, têm para o trabalho externo”.

Finalmente, Roseli apontou para alternativas afirmando que não se pode entrar na “falácia do nirvana”, onde se faz tudo de forma perfeita ou então não se faz nada: “Que pelo menos nós pudéssemos retirar os investimentos públicos do cálculo do teto de gastos e discutíssemos medidas visando ao aumento das receitas. Sou muito favorável a uma reforma administrativa que discuta a capacitação dos servidores. Quanto à avaliação, nós já temos, ela só não está funcionando. O setor público tem uma característica muito específica, que é a mudança constante de metas e objetivos. Não devemos ser pautados só pelas propostas que estão indo para o Congresso Nacional, mas melhorar o nível do debate que está lá. Não só o país, mas a Rose e seus filhos valem este esforço”.